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TRANSTORNOS

Por que Belém alaga tanto?

Os transtornos de quem convive com os alagamentos em Belém se repetem todo ano, causando prejuízos sobretudo para quem mora em áreas periféricas. Especialistas apontam causas para o problema

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Imagem ilustrativa da notícia Por que Belém alaga tanto? camera "Agora eu passo o dia assim, olhando para o céu para ver se vem chuva porque tenho de suspender tudo em casa. É terrível”, Maria das Graças Tavares, artesã | Wagner Santana

Passava do meio-dia quando a artesã Maria das Graças Tavares, 69, olhava o céu ficar coberto por nuvens cinzas, que anunciavam mais um “toró” sobre Belém. Tinha acabado de enxugar o piso da cozinha que na noite anterior ficou submerso. Apesar de estar na sala de sua casa, não podia sentar no sofá porque ele estava em cima de duas cadeiras. Também suspenso estavam a geladeira e o fogão. No quarto, a marca no guarda-roupa indicava que o nível da água tinha chegado a uma altura de quase dois palmos em relação ao chão. A mobília precisa ser trocada. A cama dela estava sobre tijolos.

Toda essa situação na casa da idosa se deu em virtude da chuva que tinha caído na noite anterior e a rua onde ela mora – a passagem Santa Luzia, no bairro da Pedreira – alagou. Maria das Graças acordou durante a madrugada e pediu ajuda ao irmão, que mora na casa ao lado, para levantar a mobília. Junto com o alagamento vieram também os ratos e baratas. “Eu cheguei a passar mal. Me bateu um nervosismo. Aliás, até pouco tempo eu estava com medo do coronavírus, agora estou com medo de outras doenças”, desabafou, ao citar aleptospirose.

Antigamente, segundo a idosa, o local era uma área ocupada por palafitas. Há três décadas as ruas foram aterradas, as pontes de madeira que serviam de vias foram substituídas por asfalto e o canal da Pirajá, ali próximo, recebeu infraestrutura. Por cerca de vinte anos a comunidade não enfrentou alagamentos e as casas deixaram de ser palafitas. As paredes de madeira foram trocadas por tijolos. O piso foi substituído por lajotas e cimento.

A idosa diz que os alagamentos retornaram nos últimos dez anos. “Não foi feita a manutenção do canal”, frisou. “Agora eu passo o dia assim, olhando para o céu para ver se vem chuva porque tenho de suspender tudo em casa. É terrível”, comentou Maria das Graças que só este ano já perdeu, durante as chuvas e alagamentos, dois ventiladores, uma máquina de lavar roupa e um micro-ondas.

 Dulcinéia Pantoja e José Batista Silva
📷 Dulcinéia Pantoja e José Batista Silva |Wagner Santana

Por causa de um aguaceiro na rua Pedro Paulo, no conjunto Cordeiro de Farias, bairro do Tapanã, a reportagem não conseguiu chegar até a casa de Dulcinéia Pantoja, 59. A via, que apresenta uma péssima infraestrutura, é cortada pelo ‘igarapé do mata fome’, um dos pontos mais críticos de Belém no que se refere a saneamento. O local, independentemente de estar chovendo ou não, vive alagado e os moradores para entrar e sair de casa precisam colocar os pés na água suja que se acumula na pista. “Aqui moram pessoas idosas. Pessoas que já adoeceram por causa dessa água aqui. Quando chove tudo vai para o fundo”.

ESPERANÇA

A fala dela foi seguida pela de outro morador. José Batista Silva, 59, se mudou para o local há 12 anos. Durante esse tempo não perdeu a esperança de um dia ver a via receber um projeto de saneamento que lhe permita tirar os pés da lama. “Nem uma ação de dragagem aqui do canal é feita”, critica. “Este igarapé recebe influência tanto da chuva quanto da maré, quando a maré está alta aqui tudo enche mais ainda”.

Quando parte da macrodrenagem da Estrada Nova foi feita na área próxima da passagem Conceição, no bairro do Jurunas, a universitária Adriana Lopes, 31, pensou que a situação na via ia melhorar, o que não ocorreu. Basta qualquer chuva para fazer com que a vila onde mora fique submersa e a água invada as casas. Nos últimos dois anos, já teve de trocar o guarda-roupa e a cama, porque perdeu as mobílias em alagamentos.

“Antes da obra (macrodrenagem) tudo por aqui era de palafita e não tínhamos o problema de alagamentos porque a água escoava com rapidez. Hoje com as galerias colocadas aí na avenida Bernardo Sayão tudo aqui enche, bastam 10 minutos de chuva”, comentou preocupada, pois tem três filhos e teme pela saúde deles.

NÚMERO

Cerca de 40% do território de Belém está no mesmo nível ou no máximo a 4 metros do nível do mar.

RESPOSTA

- A Secretaria Municipal de Saneamento informou que realiza a manutenção de 14 canais em uma extensão de 150 quilômetros; pavimentou cerca de 500 vias e ampliou o serviço de coleta seletiva. Em nota, disse ainda que entregou a 1ª etapa da macrodrenagem da Bacia da Estrada Nova, num trecho que compreende o bairro do Guamá.

- Informou que o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) de Belém está em fase de elaboração, sendo o principal instrumento de implantação de políticas no setor de saneamento.

Casas em solos que estão na altura do nível do mar

O que as casas de Maria das Graças, Dulcinéia e Adriana apresentam em comum não é somente a localização nas áreas de periferia, mas também o fato de terem sido construídas em áreas que estão em solos cujo nível está na altura do mar. Cerca de 40% do território de Belém é plano – está a, no máximo, 4 metros de altura em relação ao nível do mar. Isso quer dizer que quase a metade da cidade está sujeita a influências das marés, que quando cheias acabam inundando algumas residências.

Adriana Lopes
📷 Adriana Lopes |Wagner Santana

Além disso, é importante lembrar que cidade é cortada por igarapés que deságuam nos rios que banham a região. A água da chuva tende a escoar por estes igarapés até chegar aos rios. O problema acontece quando casas e outras edificações são erguidas sobre estes canais e igarapés - ou então às margens deles - impedindo que a água escoe no seu fluxo normal.

PROBLEMA

O pesquisador Willame Ribeiro, da Universidade do Estado do Pará, reforça que esse é um problema antigo na capital paraense. “No século XVIII, por exemplo, o alagado do Piri, entre os bairros da Cidade Velha e da Campina, onde hoje está o Ver-o-Peso, já representava um grande problema de ordem urbanística, sanitária e social”, pontua.

Willame coordena o Programa de Pós-Graduação em Geografia da Uepa. Possui pesquisas sobre o crescimento da área urbana de Belém e ressalta que a ocupação das áreas de baixadas se intensificou a partir do século XX. A população de baixa renda passou a construir moradias próximas aos igarapés. “A partir da década de 1960, quando Belém passa a compor uma forma urbana cada vez mais complexa e de caráter metropolitano, esse processo de ocupação das baixadas pela população de baixa renda se intensifica”.

O professor considera pouco provável que os alagamentos em Belém, um dia, sejam solucionados. “Não existe perspectiva de desocupação dessas áreas, contudo, seus efeitos poderiam ser bem menos dramáticos a partir de investimentos mais robustos em saneamento, infraestrutura, políticas habitacionais para a população de baixa renda e ampliação da renda das famílias mais pobres”.

Alternativa é um plano integrado

Apesar de confirmar que a combinação das marés com as chuvas contribuem para os alagamentos em Belém, o pesquisador Rodrigo Rodrigues enfatiza que não se pode culpar as chuvas e a geografia da cidade pelo problema. Ele chama a atenção para o fato de a capital não ter um planejamento de gestão eficiente para o saneamento. A solução, segundo ele, é a elaboração de um plano integrado que envolva tratamento de esgoto, tratamento de resíduos sólidos e tratamento de água. “Combater os alagamentos, hoje, requer medidas de integração”.

Rodrigo é professor de Engenharia Civil na Universidade da Amazônia. Pesquisa, desde a graduação, a macrodrenagem numa determinada área da cidade. “Fatores climatológicos (chuvas), fatores físicos (terras de marinha) da nossa cidade contribuem para os alagamentos. Belém cresceu de forma desordenada. Há 400 anos tudo aqui era floresta. A infraestruturação não acompanhou esse crescimento e por não ter acompanhado a gente vai sofrer ainda por muito tempo se não houver integração do planejamento para o saneamento”.

Um levantamento do Instituto Trata Brasil coloca a capital em sexto lugar no ranking das 100 cidades com os piores índices de saneamento básico. O estudo aponta que 86,4% dos moradores de Belém não contam com coleta de esgoto. São 1.284.247 pessoas convivendo com valas a céu aberto. Além disso, apenas 2,3% do esgoto é tratado. “É importante lembrar que não é só uma questão de alagamento, é uma questão de saúde pública. Essa população que vive nessas áreas de alagamento é uma população vulnerável em vários aspectos, entre eles na questão de saúde”.

Questionado se a engenharia aponta outros caminhos para solucionar o problema dos alagamentos, Rodrigo aponta alguns modelos. “Um exemplo são os sistemas de retenção de água. É comum a gente ouvir falar, em São Paulo, sobre as leis das piscininhas. Alguns locais públicos de grandes dimensões que em determinados momentos de chuvas intensas são usados exclusivamente para armazenar água e reduzir o impacto dela sobre o que a gente chama de drenagem. É uma prática que em Belém a gente não tem - e que pode se tornar necessária mediante a um sistema de ‘infraestruturação’” .

O sistema ao qual ele se refere é o que prevê a integração ao esgotamento sanitário da cidade. “O esgotamento associado a uma boa gestão dos resíduos sólidos, de tratamento de água e com o pensamento no controle dos alagamentos, a gente consegue resolver todo um problema”, reitera Rodrigo. Ele observa a situação do lixo nos canais, que é um fator que contribui para os alagamentos, por isso reforça a importância do planejamento para estes resíduos.

PLANEJAMENTO

Para o professor, o planejamento integrado precisa estar estabelecido no Plano Diretor de Belém. “Se o plano diretor que agora está sendo elaborado não tiver integrado com os planos de saneamento, a gente vai continuar com um processo de gestão sem integração. Significa dizer que a cidade está sendo planejada sem contemplar a infraestrutura em saneamento. Isso é impossível”, diz.

“A cidade, hoje, precisa de atualização dos seus planos de saneamento básico voltados para abastecimento de água, esgotamento sanitário, além de precisar da criação do plano de saneamento básico voltado para a drenagem urbana e para resíduos sólidos”.

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