Ophir Harpaz só queria fazer um bom negócio na compra de um voo para Londres. Ela estava no site OneTravel, do ramo de viagens, e recebeu uma mensagem enquanto pesquisava: "38 pessoas estão de olho neste voo".
Uma cutucada que podia significar um voo lotado em breve, ou preços mais altos à medida que os assentos se tornavam mais escassos.
Só que a mensagem não era verdadeira.
Quando Harpaz olhou para o número 38, começou a desconfiar. Será que quase quatro dezenas de pessoas estavam realmente procurando o mesmo voo naquele exato momento?
Como pesquisadora de segurança cibernética, ela domina a linguagem da programação, então decidiu radiografar o código da página do OneTravel (qualquer um pode tentar fazer isso usando a função "inspecionar" em navegadores da internet como Firefox e Chrome).
Depois de um pouco de trabalho, ela descobriu: aquele número, 38, não era genuíno. A página do OneTravel foi projetada para simplesmente afirmar que entre 28 e 45 pessoas estavam visualizando um voo a qualquer momento. O número exato foi escolhido aleatoriamente.
Além disso, os cantos do site denunciavam flagrantemente o que estava acontecendo. A parte do código que definiu o número mostrado a Harpaz dizia view_notification_random" ("ver_notificação_aleatória").
"Não há nada verdadeiro naquilo", aponta Harpaz, que escreveu uma sequência de tuítes sobre sua descoberta e viu as mensagens viralizarem.
A BBC Worklife entrou em contato com a Fareportal, a empresa proprietária da OneTravel, buscando um posicionamento.
"O código a que vocês estão se referindo fazia parte de um teste beta e nunca foi confeccionado para ser exposto fora de um pequeno ambiente de teste", afirmou uma porta-voz da companhia.
"O OneTravel é um site de alto tráfego e realizamos vários testes todos os dias para aprimorar a experiência do usuário e a satisfação do cliente."
A representante acrescentou que o site está tomando medidas para impedir que o fato se repita.
Há muitos e qualificados profissionais por trás da engenharia dos sites. Foto: Getty Images
Mecanismos semelhantes já foram encontrados em outros sites. O estudante de graduação Arunesh Mathur, da Universidade de Princeton, recentemente investigou a PureVPN, uma empresa que vende softwares de redes privadas para uma navegação segura na internet.
As ofertas de assinatura eram listadas no site com uma notificação de que a última vez que alguém havia adquirido um pacote havia sido há apenas alguns segundos ou minutos. Uma inspeção mais minuciosa conseguiu verificar que o código estava escolhendo um número aleatório para esses avisos.
A BBC Worklife analisou o código e confirmou as descobertas de Mathur. Quando contatado, um porta-voz da PureVPN disse que uma equipe havia sido designada para remover o código em questão imediatamente - embora ele tenha acrescentado que geradores de números aleatórios como o que o PureVPN removeu eram "uma prática bastante comum".
"O PureVPN se afastou disso, já que não queremos estar associados a nada que entre em conflito com nossa reputação, credibilidade e, o mais importante, com a forma com que nossos clientes atuais e em potencial nos percebem como marca", disse o porta-voz.
Não é que seja algo fora do alcance monitorar com precisão e em tempo real a demanda por algo em algum site. Muitos sites fazem isso para controle interno e, se desejarem, podem apresentar informações corretas sobre isso para seus clientes.
"Acho que é bom mostrar ao cliente que o item é muito popular", diz Harpaz, admitindo que terá dificuldades em acreditar em outros sites depois da sua descoberta. "Mas você tem que ser honesto."
'Padrões obscuros'
Quando os varejistas online usam o design e estímulos verbais para levar os clientes a clicar em algo ou a tomar uma decisão específica, eles estão praticando o que ficou conhecido como "dark patterns", algo como "padrões obscuros". O termo foi cunhado pelo consultor de design Harry Brignull há cerca de 10 anos.
Embora alguns desses padrões possam ser sutis, como uma caixa de seleção pré-marcada em um formulário, outros são "destinados a lograr o consumidor", diz Brignull.
Ele dá ao OneTravel o benefício da dúvida. Embora diga que o código fosse claramente falso, o consultor acredita que a empresa possivelmente pudesse mesmo estar fazendo experimentos e espera que ela seja mais rigorosa a partir de agora.
Os 'padrões obscuros' também aparecem em formulários online. Fotos: Getty Images
"Talvez o maior dano destes padrões seja a perda de confiança no ambiente online e a deterioração de nossa experiência virtual", diz Narayanan.
Essa perda de confiança pode prejudicar a relação entre consumidores e empresas, opina Renée Richardson Gosline, da MIT Sloan School of Management.
É uma tática comum de marketing usar estímulos, dicas sutis ou sugestões indiretas para orientar a tomada de decisões com vistas a um objetivo específico. Por exemplo, em avisos como "Muitas pessoas estão visualizando este produto" ou "Faltam poucos minutos para o preço subir", as empresas estão recorrendo à chamada "prova social", nossa tendência de imitar o comportamento de um grupo.
Mas, para Richardson Gosline, esses estímulos nunca devem se basear em uma assimetria de informação, nas quais a empresa manipula por saber coisas que o cliente não sabe.
"Pode ser eficaz no início. Mas quando a coisa começa a ficar evidente, você verdadeiramente ficou vulnerável não apenas à concorrência, mas também à perda de lealdade, o que não é bom."
Controle social
Como corroem a confiança, diz Narayanan, "os padrões obscuros são como poluição, e é por isso que não podemos confiar em aplicativos e sites individualmente para se autorregular".
Brignull concorda. Ele diz que a elaboração de códigos de ética para web designers não funcionará - estes podem ser cobrados a esconder a verdade por seus chefes e, assim, pouco controle ético efetivamente seria exercido. O consultor argumenta que os truques se tornarão mais comuns, a menos que a sociedade tome uma posição mais dura contra eles.
"Acho que realmente precisamos de uma boa regulamentação e precisamos de um sistema regulatório que se mova tão rápido quanto a internet", diz ele.
Essa resposta pode estar ganhando corpo. Nos últimos anos, grupos de consumidores demonstraram grande interesse no tema dos padrões obscuros, incluindo o Conselho Norueguês do Consumidor, que publicou um relatório no ano passado sobre isso.
O documento recomendou que as empresas sejam o mais transparentes possível ao envolver clientes online - por exemplo, não induzindo os internautas a marcar caixas de seleção em formulários que diminuam as proteções de privacidade.
No Reino Unido, a organização Which?, focada na defesa do consumidor, fez buscas por alegações falsas em sites de viagens. Segundo Rory Boland, editor na organização, apesar dos esforços da sociedade civil e de autoridades reguladoras, ainda é sabido que nem todos os sites de reservas estão seguindo as regras.
"Até que todo o setor cumpra as regras que as autoridades introduziram e façam as mudanças necessárias, os turistas do Reino Unido ainda correm o risco de serem enganados por práticas inescrupulosas", denuncia Boland.
Harpaz diz que gostaria que o público se tornasse mais consciente dessas táticas de vendas online. Ela ficou satisfeita ao ver sua postagem no Twitter retuitada em todo o mundo e compartilhada por usuários que falam diversos idiomas.
(BBC Brasil)
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