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PARÁ

Belém’90: modismos e lugares da cidade na década

Os anos 90 voltaram. A década está na TV (com a novela ‘Verão’90’), está na moda (Tom Ford, xadrez, utilitários e outras tendências), está na memória. E com toda essa onda nostálgica, o DOL foi buscar as lembranças de quem viveu o período para contar um p

Os anos 90 voltaram. A década está na TV (com a novela ‘Verão’90’), está na moda (Tom Ford, xadrez, utilitários e outras tendências), está na memória. E com toda essa onda nostálgica, o DOL foi buscar as lembranças de quem viveu o período para contar um pouco o que era mania em Belém naquela época.

SHOPPINGS? NUNCA NEM VI

Em 1993 inauguraram os primeiros shoppings da Região Metropolitana de Belém. Nos dias da abertura, uma multidão nas portas para entrar e conhecer os espaços. “Teve até matéria na TV pra mostrar a novidade”, relembra Tatiana Mota, que tinha “vinte e poucos” anos na época e chegou a trabalhar como vendedora em uma das lojas âncoras. Logo, eles viraram, além do centro de compras, também local de passeio, point para gazetar aula e até o cenário para o primeiro encontro real de quem havia se conhecido na internet. “Nos primeiros anos, conseguir uma mesa na praça de alimentação era uma dificuldade. Todo mundo queria comer lá”, conta Tati, que hoje é auxiliar de marketing de uma empresa de telefonia em Belém. “Em um deles, tiveram a ideia de ter uma pista de patinação no gelo. Mas acho que derreteu. Não sei o que rolou. Mas não durou muito tempo”, brinca o professor Felipe Bacchin, que nos anos 90 “levava o CD da novela Vamp para tocar no pátio do colégio”.

Imagem da antiga loja Mesbla no shopping Iguatemi (Foto: Ana Flávia Feijó)

OI, QUER TC?

Nos anos 90 foi quando a internet chegou para a maioria das casas brasileiras. Quem foi adolescente na época, com certeza deve ter ouvido dos pais para acessar (a internet ainda discada) só depois da madrugada. Em Belém, fazia sucesso o mIRC, um programa precursor dos mensageiros que conhecemos atualmente. Ele tinha três frentes: servia como uma comunidade com canais para grupos como cidade, escola ou clãs; sala de bate-papo, com conversas em grupo; e rede social, uma vez que conectava seus amigos em um só local na internet. O canal Belém (#belem) era um dos maiores do Brasil. O bate-papo rolava solto durante a semana até os encontros reais aos finais de semana, os chamados IRContros ou IRComilança.

A NOSSA OSCAR FREIRE

A avenida Brás de Aguiar sempre foi um dos metros quadrados mais disputados – mas para poucos – da capital. Nos anos 90 ela chegou a ser chamada pelos moradores de “nossa Oscar Freire”, em comparação com a rua de lojas de grifes de São Paulo. É que a Brás era assim: cheia de lojas caras e bares disputados. Estavam lá na vitrine peças de marcas como Zoomp, Forum, Mercearia e Ticby. Já entre os bares, havia o modernoso Go Fish, que ficava na Rui Barbosa, e tinha shows de bandas autorais, apresentações da drag e ícone Babeth Taylor e desfiles de moda. Mas a chegada dos shoppings, como lembra o publicitário e radialista Mauro Cleber, acabou abalando o mercado na avenida. “Mas grifes ainda permaneceram na Brás para um atendimento mais exclusivo. Tinham as multimarcas chiques por lá”.

LAST NIGHT A DJ SAVED MY LIFE

“Belém era bem munida de locais onde se poderia sair quase todos os dias da semana”. A afirmação é do professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) Emanoel Jr, que ainda lê história em quadrinhos e joga vídeo game como nos anos 90, “mas troquei o disc man pelo Spotify”.

“Havia a Insãnu, onde o público misto juntava skatistas, alternativos, gays e tinha um som igualmente misturado, com Prodigy, The Doors, Rage Against The Machine, The Smiths, The Cure... A Athenas Club seguia o mesmo padrão de público misturado e som idem: eletrônico, brit pop, rock alternativo... A Jimmy Night, com essa pegada alternativa também era uma opção, além da Ego's, clube gay das antigas que volta e meia sediava umas noite com o pessoal da Elegia tocando pós-punk.

O Go Fish, um clássico da noite underground de Belém, e a The Hunger, locais que eu mais ouvi falar do que realmente frequentar, já que proibiam menores de idade. Pra evitar esse tipo de constrangimento, fiz uma carteira de identidade "alternativa" e pude entrar em outros lugares como a Doctor Dance, clube gay com sonoridade entre o techno a house. Vale lembrar os shows memoráveis da Babete Taylor e da drag da casa que dublava, dentre outras, a Björk”, relembra ele.

Registro do Go Fish (Foto: reprodução/Facebook)

De acordo com Emanoel, no final da década, “a cidade que sempre se apegou a uma tradição mais rocker, entrou de vez na era das raves com a Noite do Cachorro Doido, no Parque dos Igarapés, com todo mundo se acabando na água, inclusive as drag queens”.

Fernando Souza Jr foi DJ de duas casas que marcaram a época: a Insãnu e a Mistycal, também chamada de boate do Kaveira, por ter o ex-vereador de Belém André Kaveira como proprietário.

Ele lembra que a Insãnu surgiu em momento que vinha de uma recém onda da lambada, do axé, do pagode e do auge da house e da ítalo-house no país e em Belém. “Até que o Oswaldo Aires teve a ideia de fazer uma casa que fosse diferente de tudo isso e que tocasse o que ele gostava, o que era, basicamente, o rock”.

Fernando lembra, ainda, que a casa demorou de três a seis meses após inaugurada para se consolidar e formou o público na base do boca a boca, sem publicidade em rádio ou TV. “A gente começou com ela [Insãnu] voltada mais para o rock clássico, tocava inclusive no vinil, mas aí a casa começou a ser frequentada por uma garotada dos anos 90. E, aos poucos, fomos mudando, tendo que nos adaptar ao CD. E aí passamos a tocar um som mais novo, mais atualizado, como o grunge do Nirvana e o Prodigy, que alguns rockeiros mais tradicionais tiveram relutância em ver a mistura de música eletrônica com o rock”.

Fernando, que na época estava terminando a faculdade e estudando para concurso e já era envolvido com música, paixão que trouxe para os dias de hoje, acredita que naquela época havia uma diversidade muito maior na noite paraense. “Havia casas como o Olê-Olá, que cabiam muitas pessoas e tinham três ambientes diferentes, tocando coisas diferentes, tinha o African Bar, que também tinha boate e espaço para bandas, tinha espaço para aparelhagens, tinha uma cena eletrônica que estava nascendo. A noite era muito movimentada. Hoje em dia o que a gente vê é que as pessoas deixaram de sair um pouco à noite e quem sai, sai com um outro espírito, digamos assim. Ele quer ir para onde tem muita gente, pra onde está tocando a música da moda. [Antes] A ideia principal era ir pra ouvir o que a gente gosta e dançar o que gente gostava. Então, era um pouco diferente nesse sentido. Hoje é difícil pensar em uma casa para cinco mil pessoas como já existiu em Belém”.

African Bar: casa marcou a década (Foto: reprodução/Facebook)

Oposta à proposta da Insãnu, mas que também marcou a noite dos anos 90 em Belém, estava o Zeppelin Club, na avenida Senador Lemos próximo à Doca.

O local era o point dos badalados da cidade e reinou durante quatro anos e meio absoluto, sem concorrentes diretos, até a chegada da Le Max.

“Fazíamos questão de fazer um ingresso grande. Aquilo era um troféu para quem conseguia comprar”, conta Mauro Cleber. “Era grande de tamanho e valor. Era grande no físico pra todo mundo mostrar que tinha um ingresso”.

E a disputa era grande. “A bilheteria abria às 18h e às 22h não tinha mais nada”.

E como era o local para ver e ser visto em Belém, Mauro conta que todo mundo fazia questão de ir bem vestido. “Não se entreva de camiseta e short. Tinha cliente que comprava todo sábado uma roupa nova”.

Ele diz que a Zeppelin é considerada pelos que hoje tem 50 e 60 anos a melhor casa noturna de Belém. “Só vendia Black Label e Cerpinha. As pessoas faziam questão de tomar Black. Não aceitavam Red”, garante Mauro, que hoje está à frente de uma agência de publicidade e de um programa na Rádio Unama.

Para Mauro, hoje falta glamour na noite da capital. “Na Zeppelin cabiam 600 pessoas. E era só isso e pronto. Não tinha cortesia. Além disso, era mais seguro ir pra balada. Tinha um cenário de glamour onde era chique frequentar o Roxy e tomar café da manhã no Hilton Hotel”.

LAMBADA, REGGAE E BOI

Logo no início dos anos 90 um ritmo paraense tomou conta do Brasil: a lambada. Artistas consagrados foram beber no estilo, como Elba Ramalho e Fafá de Belém, e lançou nomes como o grupo francês Kaoma e o paraense Beto Barbosa, que recebeu o título de ‘Rei da Lambada’. A lambada também foi parar na novela ‘Rainha da Sucata’ e em filmes trashes como ‘Lambada: a dança proibida’. “Eu morava no Jurunas e lembro que tinha competição no Rancho. Quem foi criança essa época também deve ter dançado no colégio”, diz Bachinn.

Outra moda que também tomou conta de Belém nos anos 90 foram os reggaes. “Habitat, Rhynos, Kingston eram obrigatórios”, garante Emanoel.

Em 1996, uma canção levou a Amazônia para o mundo. ‘Tic tic tac’ foi gravada pelo grupo Carrapicho e estourou nas paradas europeias e do Brasil. A moda do ‘Boi’ tomou conta do Brasil e Belém, claro, não ficou de fora. “Cheguei a ir em um bar, na Bernal do Couto, que era só boi de Parintins que tocava. Todo mundo dançava igual e fazia o tic tic tac. Era péssimo”, ri Tatiana.

Região da Bernal do Couto onde ficava o Bar do Boi (Foto: Google Street View/Reprodução)

GANG 90

Nas páginas dos cadernos de Polícia, a violência causada pelas gangues da capital era destaque. Nessa década, boates como a Metrô, no bairro de Canudos, e a Company B – também chamada de Company Briga – no Umarizal, eram pontos de encontro de membros das gangues, que se reuniam para dançar house ‘poperon’ e sair na porrada.

LGBTQ AINDA ERA GLS

Nos anos 90, uma sigla começou a aparecer: GLS. Eram gays, lésbicas e simpatizantes da bandeira homossexual. Sabe aquela amiga hétero que amava dançar na pista da Doctor Dance? Era o ‘S’ da sigla. “Uma das primeiras boates que fui em Belém ficava no bairro do Reduto e se chamava Luau. Era por volta dos anos de 1993/1994 e pra um jovem gay descobrindo a sexualidade encontrar pessoas semelhantes era fascinante”, recorda o jornalista Nielson Bargas. “Mas tinha um problema: a vizinhança não gostava nada da comunidade e tínhamos que entrar escondidos e depois de determinados horários. Foi a primeira vez que me deparei com o que seria um gueto. Local subversivo para pessoas que quebravam o padrão na época”.

“Depois conheci vários outros locais que tinham uma pegada mais heterogênea, onde não se sabia quem era gay, hetero ou lésbica. Íamos pro Círculo Militar, no antigo Forte do Presépio, e Sem Censura, onde fica o colégio Ideal hoje. Essas festas bombavam aos domingos. O melhor: não pediam identidade e a bebida era liberada”.

Espaço onde funcionou a Doctor Dance, na rua Boaventura da Silva (Foto: Google Street View)

Nielson lembra ainda de um comportamento incomum pra época, mas que depois ditou a moda na noite: a montação. “Nem sabíamos que mais tarde iria surgir a cena clubber, mas a montação era obrigatória”.

Bargas – que naquela época era um adolescente do ensino médio e não abria mão de se jogar no fim de semana em uma boate e hoje é um jornalista amante da boa música e de um copo de cerveja na mão – sente que hoje não há mais a necessidade de espaços com siglas. “Hoje percebo que o abecedário ocupa vários locais, desde o sertanejo ao universo da música eletrônica, onde foi minha base. Mas sinto falta atualmente de locais bacanas e com essa pegada”.

TIRA O PÉ DO CHÃO!

Um estilo que dominou as rádios e programas de TV nos anos 90 foi a axé music. O ritmo era tão forte e presente que muitas cidades tinham as micaretas, os carnavais fora de época. Belém não era diferente e tinha logo duas: uma, realizada em setembro, e outra, em novembro. As avenidas Presidente Vargas, João Paulo II (quando ainda chamava Primeiro de Dezembro), Doca de Souza Franco e a Aldeia Amazônica viram trio-elétricos com artistas como Netinho, Banda Eva, Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Cheiro de Amor, É O Tchan, Ricardo Chaves, Chiclete com Banana, Asa de Águia, Banda Beijo, Gilmelândia e Fruta Quente passarem seguidos do público vestido com os abadás. “Eu nem era tão fã de axé, mas nesses meses a cidade só falava sobre isso, que cheguei a ir e tomar banho de espuma”, diverte-se Tatiana. “Praticamente, a cidade mudava a rotina um final de semana por causa das micaretas”.

PALMTOP, ‘TIJOLÃO’ E DISCMAN

“Consumir música na Belém dos anos 90 requeria algumas estratégias”, garante Emanoel. “Na falta da internet, as melhores fontes de informação eram as finadas lojas de discos como a CD Store, a Gramofone e a Ná Figueredo, onde era possível adquirir novidades como Prodigy e Chemical Brothers, além das demos e cassetes de bandas da cena local. Era possível garimpar coisas interessantes também na extinta Tok Discos, nos shoppings, onde volta e meia aparecia um ou dois importados em promoção. Tinha ainda o departamento de áudio da Mesbla, da Visão, da Yamada...e a certa altura, podia-se contar com as locadoras de CD (!), como a Belucio ou, a minha preferida, CD Sound, onde conheci Sonic Youth, Frente, Ramones e Nirvana. Outra boa fonte de informação eram os programas de rádio como os da Transamérica FM, nos quais The Farm, REM, Pearl Jam e Smashing Pumpkins, por exemplo, eram figuras fáceis na programação. Tinha ainda o "Sunsplash" e o "Balanço do Rock", da Cultura FM, e os programas de fim de tarde na Rádio Cidade e na Rádio Jovem que, voltados pra dance music, certamente foram a porta de entrada pra muita gente na cultura da música eletrônica”, puxa ele pela memória. “Num momento em que viajar representava um status ainda maior do que na atual era Instagram, aquele parente ou conhecido que voltava de outro estado brasileiro ou de outro país, também era potencial informante do que acontecia lá fora, e aí valia de tudo: cassetes gravados com programação de rádio, revistas, flyers e etc”.

“Pra compensar a falta de publicações locais, vários zines circulavam pela cidade, como o ‘Tinoko’, o ‘Foco de Revolta’ e o ‘Secreção Esporádica’, esse último do Jaime Katarro, vocalista dos Delinquentes. Além desses tinha ainda o "Ponto de fuga", que veiculava o trabalho de artistas como o Joe Benett, famoso pelos trabalhos posteriores com a Marvel e a DC, mas isso já é outra história”.

E pra ouvir tudo isso, um bom e velho discman. “Eu cheguei a ter discman. Acho que era difícil, na época, quem não tinha um. Eu lembro de cenas no ônibus de gente com aquele negócio enorme colocado. E quando o ônibus sacudia, o CD pulava. Algumas vezes cheguei a usar o discman pra ajudar a fazer o som em alguns locais, festas”, lembra Fernando.

FAZ O T

Antes do ‘Esquenta’, Regina Casé viajou pelo país para apresentar o programa ‘Brasil Legal’. Em uma edição sobre festa, ela esteve em Belém e apresentou o DJ Dinho e a aparelhagem Tupinambá para todo o Brasil. Foi umas das primeiras vezes que as aparelhagens ganharam destaque nacional.

PATINS

Os anos 90 trouxeram de volta uma moda que já tinha feito sucesso nos anos 70: os patins. “A novidade, agora, é que eles eram in line, que vinham com as rodas dispostas em linha”, lembra o publicitário Samir Oliveira.

Na época que bombavam, Belém chegou a ter casas voltadas para os patinadores. “Tinha a Rollon e a Roller Point. A Rollon era mais alternativa e a Roller Point era dos mauricinhos”.

E, se a memória não o trair, ele acredita a moda não foi tão passageira. “Eu tinha um amigo que morava nos Estados Unidos que trouxe um patins moderníssimo. A gente andava no CAN (Centro Arquitetônico de Nazaré, atual Praça Santuário) e no outro ano abriu a Rollon e durou bastante tempo. Não foi modinha passageira”, acrescenta ele que na época era estudante do Colégio São Paulo e atualmente é editor de mídia audiovisual.

Mas não é o que a memória da Carlinha Melodia lembra. “Pra mim, foi uma moda passageira. Passou e acabou”, conta ela que tinha nove anos na época e também gostava de frequentar a Rollon, que ficava na avenida Castelo Branco. “Tinha uma pista pequena para os iniciantes e uma bem maior atrás. Era tipo boate, meio escura, com luzes coloridas. A galera ficava dando voltas na pista maior, uns arriscavam umas manobras no meio”, lembra agora a mãe, tuiteira, com 32 anos.

(Reportagem: Antônio Santos, que queria frequentar o Mercado Mundo Mix e ouvia axé e hoje é jornalista e prefere a Cher)

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