Domingo tem arrastões do Quem São Eles, Bole-Bole e Piratas da Batucada

Os tradicionais arrastões culturais fazem parte da programação de pré-carnaval em Belém. Neste domingo, último de janeiro, três escolas de samba colocam seus estandartes na rua para convocar a comunidade a circular pelos seus bairros representantes e já deixar o samba-enredo na ponta da língua para acompanhar os desfiles da capital.

Na Pedreira, a animação ficará por conta da Piratas da Batucada, uma das escolas que compõem o Primeiro Grupo. O arrastão, com concentração a partir das 17h, em frente à sede da escola, tem como objetivo afinar os brincantes para a exibição oficial. “A gente começa a dar uma cronometrada para o dia do desfile. Nesses momentos, a gente ensaia nosso samba, mas também nossos cantores e bateria”, relata o diretor de carnaval Jamil Mouzinho, que lembra que a escola programou oito arrastões até o domingo que antecede o dia das apresentações, em 23 de fevereiro.

Neste ano, o enredo escolhido pela agremiação da Pedreira é uma homenagem à cantora e compositora Dona Onete, moradora do bairro até hoje. Intitulado “Chameguei Onete”, o enredo faz referência à vida dela, a partir de Cachoeira do Arari, onde ela nasceu, passando por Igarapé-Miri, onde viveu a vida adulta, até o bairro da Pedreira.

No refrão, os versos chamam a comunidade para brincar na rua, diz Jamil. “Bate o tambor/ deixa ecoar/eu sou Piratas e venho homenagear/do carimbó, a rainha sem igual/ chameguei Onete, dona do meu carnaval”.

“É um enredo pontuado, bem tranquilo e alegre como Dona Onete, que é uma poetisa, cantora e compositora relevante, que sai de seu estado para fazer várias turnês pelo mundo, levando ao conhecimento de todos o carimbó chamegado, como ela mesma descreve. É um enredo como ela é: vibrante, colorido, com muitas coisas nossas do estado”, conta Jamil.

Segundo o diretor de carnaval, as homenagens deixaram a cantora bastante feliz. “Ela ficou superemocionada, participou do lançamento do samba-enredo, escolhendo figurino que levará para a avenida. Como autor do enredo, me sinto muito feliz por fazer essa homenagem à Dona Onete”, diz Jamil.

GUAMÁFRICA

A Associação Carnavalesca Bole Bole continua este domingo com os arrastões que têm animado o bairro do Guamá. A concentração, na sede da escola, começa às 15h, com saída às 16h30 pelas ruas do bairro, encerrando de novo na sede.

A agremiação levará um tema de cunho mais político, “Guamáfrica”, que fala da geografia do bairro e da alegria do povo que nele vive, segundo diz seu diretor de Carnaval, Vetinho. “Representa a superação dos problemas desse povo. Fala desde o surgimento do Guamá, que foi criado para abrigar leprosos e pessoas doentes. Jogaram para lá o povo e o povo respondeu a isso com alegria”, considera ele.

MARAJOARA

Bastante tradicionais das ruas do Umarizal, os cortejos do Império de Samba Quem São Eles antecipando o carnaval costumam ser bastante animados. Os brincantes são convocados a se reunir na Praça Eneida de Moraes, ao final da Avenida Pedro Miranda com a Alcindo Cacela, seguindo pela Rua Antônio Barreto até a sede da escola, na Almirante Wandenkolk, onde a festa continua na quadra, tendo a bateria e os puxadores de samba como atrações, além de passistas, porta-bandeira e mestre-sala e outros integrantes. E é bom treinar mesmo para ter em mente o enredo deste ano do “Quenzão”: “Paracauary: Entre Soure e Salvaterra: Povos, Territórios e Encantarias”, mantendo a tradição da escola de escolher sempre temas relacionados à cultura regional.

No samba, o rio Paracauary, que liga as cidades de Soure e Salvaterra, no Marajó, surge como a passarela por onde desfilam ícones dos povos marajoaras.

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Símbolo

Bailar suavemente ao ritmo do samba é apenas uma pequena parte, ainda que muito importante, do trabalho de um casal de mestre-sala e porta-bandeira durante um desfile de carnaval. É na obrigatoriedade de passos como os meneios, giros, meias-voltas e mesuras, o cortejo do homem, a proteção e a cortesia que ele dá à sua dama e à bandeira da agremiação, que os jurados avaliam se aquele casal tem sincronia e, principalmente, harmonia.

E se tem um homem que entende dessa dupla carnavalesca é José Bonifácio, coreógrafo referência no carnaval carioca, com experiências também no carnaval de São Paulo, de Vitória e, mais recentemente, de Belém. Pelo terceiro ano, o coreógrafo passou pela capital paraense para ministrar aulas a mais de 20 casais de mestre-sala e porta-bandeira das agremiações da cidade, num evento organizado pelo Império de Samba Quem São Eles no último dia 12.

“No primeiro ano, trabalhamos especialmente a tradição, o que é obrigatório e não pode faltar na apresentação. Ano passado trabalhamos a contagem rítmica, e, este ano, foram 60 horas dedicadas à teatralização desse espetáculo”, diz o coreógrafo, em entrevista exclusiva ao Você.

“O mestre-sala e a porta-bandeira representam na avenida o papel de um casal de namorados. O beijo na mão, o olho no olho, a troca de sorrisos, o toque, são gestos próprios da dança deles. É uma dança de corte, que os negros tomaram para si ao assistirem os ‘entrudos’, festa trazida da Europa, e deram a ela a galhofa, um jeito próprio de fazer, com roupas mais exageradas. Assim, quando falamos na teatralização da apresentação deles, estamos falando de interpretar esses personagens”, explica Bonifácio.

Ao som de “Liberdade, Liberdade”, famoso samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense, o coreógrafo mostrou que é possível tomar a própria letra do samba, sua energia, para aproximar e criar uma sinergia entre o casal, algo que vai muito além da sincronia de braços e pernas. “Você não pode perder de vista aqueles detalhes que não podem faltar, mas a gente também enlouquece um pouquinho para inovar (risos)”, confessa o coreógrafo.

É assim que o carnaval no país todo vem tomando ares mais modernos, acompanhando sua época. “A coisa da mão na saia para girar, deixando ela bem aberta, por exemplo, foi algo que começou no Rio e acabou indo parar no carnaval de São Paulo, de Vitória, de Belém. Aos poucos vai se acrescentando coisas novas, avançando”.

Com seus 14 anos de experiência no carnaval, Bonifácio lembra também que cada local tem sua própria identidade, seu jeito de fazer bonito na avenida. Por isso, sempre busca observar antes de trabalhar com os casais de uma nova cidade. “O Rio é mais ousado, capaz de trazer a Squel (porta-bandeira da Mangueira) de cabeça raspada para representar uma filha de santo no desfile que homenageou Maria Bethânia. Traz a Lucinha Nobre (porta-bandeira da Mocidade) com a saia pegando fogo em plena Sapucaí. Já São Paulo é mais tradicional e com um andamento na dança bem mais lento que Belém, cidade que tem essa coisa da dança mais rápida, afinal, é a terra do tecnobrega!”, lembra ele.

Carnaval paraense tem ritmo próprio e empolgação que supera falta de verba

A confirmação de que Belém tem um ritmo especial para os casais do carnaval vem de Júnior Simplicidade e Luciana Bastos, o 1º casal de mestre-sala e porta-bandeira do Quem São Eles. Girando em sincronia pela quadra da escola, eles já começam a ficar ansiosos com a proximidade do carnaval. “A gente já começa a sentir cheiro de carnaval e está ensaiando ao máximo. Vamos aperfeiçoando os gestos, o olhar, a troca durante a dança. Da feita que toca a sirene, o coração vai a mil. É uma responsabilidade grande, você quer que tudo saia perfeito, principalmente, naquele momento em que passa em frente aos jurados”, comenta Simplicidade.

Os jurados, inclusive, foram uma grata novidade durante a realização do workshop este ano. Pela primeira vez, eles foram convidados e muitos toparam o desafio de conhecer por dentro todo o trabalho que leva à formação desse casal que é o cartão de visitas de suas agremiações. “Isso engrandeceu muito a proposta do curso. Eles puderam saber o que o casal pode e não pode fazer, puderam compreender o nosso trabalho. No ano anterior, o jurado principal não pôde participar e a Fumbel colocou como suplente um poeta. Os jurados precisam saber qual o nosso papel para julgar”, desabafa Luciana, que foi a responsável por convidar Bonifácio a fazer este trabalho com os artistas paraenses.

O diretor de Carnaval do Quem São Eles, Luã Gabriel, destaca como esse engajamento de cada integrante da escola é importante para fazer um carnaval cada vez melhor. “Força, garra e criatividade para não desistir diante da falta de verbas são os quesitos essenciais para fazer uma boa apresentação. O mestre-sala e a porta-bandeira mantêm a tradição de conduzir o pavilhão, onde está o símbolo da agremiação, as cores e a história dela”.

Bonifácio completa afirmando que com este interesse dos casais de diferentes escolas de samba em aprender, a plástica de suas apresentações mudou muito. “O carnaval da cidade tem tido outra postura, tem se sagrado mesmo diante de tantos sacrifícios”, considera.

O coreógrafo destaca ainda essa relação entre a força de vontade e a busca pela criatividade faz frente à falta de verbas. “O carnaval do Rio está bem complicado, está sem verba. O carnaval de São Paulo também passou por um corte. Então, pensei em Belém para mostrar ao mundo que se faz carnaval aqui, mesmo com R$ 200 mil, levando alegria, sendo o melhor. E ainda mostrar ao país que carnaval não é só no Rio, mas existe em todos os estados brasileiros”, coloca o artista, que até o final deste ano estuda uma proposta de viajar em uma missão internacional, para trabalhar no carnaval japonês.

(Wal Sarges e Lais Azevedo/Diário do Pará)