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Ao sabor das ondas e do humor da maré, é a vida que segue

Eternizados por Paulo e Ruy Barata, os versos que cantam ‘esse rio é minha rua’ não são apenas uma letra de música para os ribeirinhos que vivem nas ilhas da Região Metropolitana de Belém (RMB). Enquanto as vias da cidade vão se enchendo de carros e motos

Eternizados por Paulo e Ruy Barata, os versos que cantam ‘esse rio é minha rua’ não são apenas uma letra de música para os ribeirinhos que vivem nas ilhas da Região Metropolitana de Belém (RMB). Enquanto as vias da cidade vão se enchendo de carros e motos, à medida que clareia o dia, do outro lado, o veículo utilizado para todo tipo de transporte é movidode acordo comamaré.

Saindo da tradicional Feira do Açaí, no mercado do Ver-o-Peso, não precisa muito para que a cidade, aos poucos, comece a se apequenar. Quando o amontoado de prédios e casas se torna apenas uma silhueta que emoldura a traseira do barco, o que se vê pela frente é imensidão. Diferente das vias asfaltadas, na Baía do Guajará os colegas de trânsito passam longe.


Antônio Carlos aprendeu a navegar com o pai e hoje passa o conhecimento aos filhos (Foto: Fernando Araújo/Diário do Pará)

Não há demarcação de espaço ou sinalização visível pela frente e as lombadas ficam por conta dos banzeiros – ondulações que se formam no meio da baía e que obrigam o passageiro embarcado a ‘bailar’ conforme a maré. Para quem se criou diante deste cenário, porém, a direção é facilitada.

Antônio Carlos Alves Martins, 51 anos, construiu com as próprias mãos o primeiro barco pessoal. Não se espanta que o jovem, nascido no município de Barcarena, viesse a se tornar comandante de embarcação quando adulto. “Eu peguei o ritmo de marujo acompanhando meu pai”, recorda. “Foi como eu comecei a conhecer as regras que são tão importantes para a gente navegar”.

Diante das águas barrentas do rio, Antônio Carlos explica que na baía há mão e contramão, como nas estradas. Quando se avista uma embarcação grande, uma balsa ou navio, é preciso sair da frente. Não há como esperar que o veículo maior o faça. Outra regra fundamental é respeitar a maresia, mas não necessariamente fazer a sua vontade.


Rabetas e canoas são os meios de transportes mais comuns entre os ribeirinhos (Foto: Fernando Araújo/Diário do Pará)

Trocar as águas pelo trânsito de Belém? Não, obrigado

O chamado transporte comunitário tem hora certa para passar pelos furos que levam às casas dos moradores. A primeira viagem do barco do comandante Silvio Nogueira da Silva, 38 anos, é às 7h. Durante o percurso, quem estiver no trapiche de casa é passageiro.

Normalmente os moradores seguem em direção à cidade, onde aportam na Feira do Açaí. De lá, Silvio pega novos passageiros que vão em direção à ilha e o ‘vai e vem’ se repete às 9h, 10h, 11h. À tarde, não há mais viagens. “Se alguém precisar vir ou sair à tarde, só ligando e combinando com a gente”, explica o comandante, que já faz o trabalho há 10 anos. “Eu levo as pessoas que vão trabalhar. Tem gente que vai para o médico, ou fazer as compras do dia a dia”.

Sempre que precisa abastecer a casa com arroz, feijão, produtos de limpeza e o que mais for necessário, a dona de casa Maria de Nazaré, 27, também se dirige para Belém. No caso dela, porém, o veículo utilizado é próprio: uma rabeta. Maria conta que aprendeu a pilotar a embarcação ainda bastante jovem, já que o rio está no caminho para qualquer lugar.

Da lida diária, ela consegue identificar uma necessidade urgente. “Tinha que melhorar muito os trapiches para a gente descer em Belém”, conta, ao reclamar das condições dos portos. “Meu tio mesmo caiu e se machucou na Feira do Açaí. Se não fosse um rapaz segurar ele,tinhaparadodentrodo rio”. Sobretudo quando a maré está vazia, a total falta de condições do porto é evidente. Mesmo que ali desembarquem diariamente centenas de pessoas com açaí retirado das ilhas, além de passageiros comuns.

Para se ter acesso aos barcos, é preciso se equilibrar por cima de duas estreitas colunasde concreto feitasdeponte. O comandante Wladimir Lima, 41, também sonha com umportomais seguropara buscar edeixar os alunos eprofessores que transporta, em oito viagens diárias, entre a Praça do Pescador, em outro ponto do Ver-o-Peso, e a Ilha das Onças.

"A gente tem que dar um jeito. Para por trás das lanchas e as pessoas vão passando por dentro”. Ainda assim, ele conta porque não troca o transporte fluvial pelo rodoviário. “De barco eu levo 20 minutos de Belém até aqui na ilha”, estima. “Por causa do trânsito, meus parentes que moram no Benguí (bairro distante cerca de 11 km do Ver-o-Peso), não levam menos de uma hora só pra chegar aqui na feira”, calcula.

Raimunda da Silva e a neta (Foto: Fernando Araújo/Diário do Pará)

Com todos os ensinamentos que lhe renderam a habilitação de comandante de embarcação, Antônio Carlos hoje transporta, diariamente, agentes de saúde que atuam na região da Ilha das Onças. Para que a viagem seja sempre tranquila e segura, Antônio conta que a relação de confiança dos passageiros para com o comandante é fundamental.

“Tem hora certa para navegar. Final da tarde não dá para ir pela baía. E se não dá, não adianta forçar”, ensina. Mas nem sempre é possível driblar o risco. O comandante lembra que, de todas as vezes que já cruzou a Baía do Guajará, uma lhe marcou de forma especial.

Antônio Carlos saiu da Feira do Açaí, acompanhado pelo neto de 14 anos, em direção à Ilha das Onças. Antes que conseguisse chegar ao destino, porém, o rio agitado fez com que a embarcação naufragasse. Para que o barco não ficasse totalmente submerso, Antônio se jogou na água e manteve o neto em cima do barco. Foi preciso esperar por meia hora até que outro veículo aparecesse e os resgatassem.

“O meu desespero maior era com o meu neto, mas deu tudo certo e tivemos apenas perdas materiais”, diz. Hoje, o neto de Antônio Carlos já se tornou, também, um comandante. Assim como os dois filhos do patriarca. A filha manobra com facilidade a voadeira. “Eu já passei de geração para geração. Os nossos rios são o nosso meio de transporte”.

MEDO

“Nas ilhas, a primeira coisa que a criança aprende é a remar e a nadar”, atesta a dona de casa Raimunda da Silva, 70. Moradora do Furo do Nazário, na Ilha das Onças, desde o nascimento, a senhora não fugiu à regra. Ainda muito pequena já circulava pelas águas, única maneira de sair de casa para ir a qualquer lugar. Hoje, porém, mantém uma relação de certo medo com o transporte fluvial. “A gente vai ficando de idade e começa a sentir medo de tudo”, reitera.

Como até hoje a única forma de sair de casa continua sendo pelos rios, ela acaba ficando a maior parte do tempo no próprio espaço. Quando precisa, a qualquer custo, sair da residência, ela espera no trapiche pelo barco que transporta passageiros. Raimunda não possui barco próprio. “A vida toda aqui é de barco. Não tem outro transporte”, lembra.


(Foto: Fernando Araújo/Diário do Pará)

Potencial ainda é pouco aproveitado

Se para os ribeirinhos a agilidade proporcionada pelo transporte fluvial é evidente, para quem vive na cidade tal potencial ainda fica um pouco abafado pela predominância do transporte rodoviário. Se considerada apenas a área da Região Metropolitana de Belém (RMB), é possível constatar que existem recursos naturais suficientes para interligar o transporte de passageiros de Belém para, pelo menos, outras três importantes regiões: Outeiro, Icoaraci e Mosqueiro.

Banhados pela mesma Baía do Guajará navegada por centenas de ribeirinhos da região das ilhas, os distritos concentram, juntos, cerca de 200 mil habitantes – segundo dados divulgados pela Prefeitura Municipal de Belém (PMB). Muitos dos quais precisam se deslocar cotidianamente para o centro da capital paraense, seja para trabalhar, ir aos centros comerciais ou ter acesso a certos serviços públicos.

Na grande maioria das vezes, tal percurso é cumprido nas já sobrecarregadas vias terrestres. Para se ter uma ideia do efeito do trânsito neste itinerário, uma viagem em ônibus de linha saindo do centro de Icoaraci até o Bosque Rodrigues Alves, na avenida Almirante Barroso, pode levar até 2h em dias de semana - seguindo o trajeto da avenida Augusto Montenegro.

Geólogo da Gerência de Recursos Naturais e Estudos Ambientais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mário Ivan Cardoso aponta que, no que depende dos recursos naturais, a utilização do transporte fluvial de Belém para tais distritos é absolutamente viável. Tal interligação com o transporte fluvial poderia contribuir para amenizar o fluxo de carros nas vias terrestres da capital.

“O transporte via fluvial para Mosqueiro, Outeiro, Icoaraci não é problema. E quando eu falo em Mosqueiro, incluo também Santa Bárbara, que também faz parte da RMB”, aponta. “É uma saída, sem dúvida nenhuma, importantíssima. Mas teria que se viabilizar isso através de infraestrutura adequada”.

(Cintia Magno/Diário do Pará)

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