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EM ALTAMIRA

Bispo emérito do Xingu vive sob ameaça de morte

Em entrevista Dom Erwin Krautler, que acolheu irmã Dorothy no Pará, faz duras críticas ao governo e diz que ministro do Meio Ambiente "não tem freio, escrúpulo, vergonha"

Imagem ilustrativa da notícia Bispo emérito do Xingu vive sob ameaça de morte camera Religioso austríaco está radicado há 56 anos no Brasil | Vatican News/ divulgação

"A boiada passa, e ela não tem freio, escrúpulo, vergonha", diz Dom Erwin Krautler, 81, bispo emérito do Xingu, à reportagem. Nele ainda não desceu a fala do ministro do Meio Ambiente. Em 2020, Ricardo Salles defendeu aproveitar a pandemia da Covid-19 para "passar a boiada" e afrouxar normas ambientais. "Isso para mim foi uma das expressões mais vergonhosas que um político brasileiro já produziu".

Salles, contudo, não é o único problema: também os parlamentares precisam agir, diz o bispo. Ele preside a Rede Eclesial Pan-Amazônica, signatária de uma carta assinada por lideranças católicas e entregue aos presidentes da Câmara e do Senado na terça (25). Que Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) escutem o papa Francisco e se mexam para "realmar" a economia e não ser conivente com projetos de lei que devastam o ambiente, afirma o texto.

Religioso austríaco radicado há 56 anos no Brasil, hoje morador de Altamira (PA), dom Erwin tem escolta policial por conta de ameaças de morte contra ele. Algo similar acontecia com uma missionária americana que ele acolheu no Pará em 1982. Dorothy Stang foi assassinada em 2005.

"Eliminado você sabe o que é", diz. "Não é dar um beijo no coração, é dar uma bala". A seguir, leia a entrevista com Dom Erwin Krautler

Os bispos da Amazônia entregaram uma carta ao presidente do Senado contra projetos de lei. Por quê?

O PL (projeto de lei) 3729/2004 torna letra morta o licenciamento ambiental no Brasil. É um dos grandes exemplos do tamanho retrocesso que o Congresso quer avançar, essencialmente cruel com povos indígenas e quilombolas. Outra coisa é o PL da grilagem de terras. Quer dizer, invade-se uma área, muitas vezes com violência, e agora [o terreno] está sendo titulado... Pelo amor de Deus, onde estamos? O papa convocou, em 2020, jovens de 115 países e começou a falar numa economia humana, que coloque em primeiro lugar a vida. A economia, do jeito que está andando, é a economia que mata.

O ministro do Meio Ambiente disse em 2020 que era preciso aproveitar que "só fala de Covid, e ir passando a boiada, mudando todo o regramento e simplificando normas". A boiada passou?

Com essas coisas, a boiada passa, e ela não tem freio, escrúpulo, vergonha, é esse o problema. E cada vez mais vamos para o brejo. Não podemos nos dar ao luxo de ficar diante do mundo passando vergonha porque desrespeitamos os povos originários.Às vezes maquiam alguma coisa, dizendo "não é bem isso, não, a gente vai ter cuidado". Mas a gente já sabe pela experiência que tipo de cuidado é. O Congresso, pelo amor de Deus, é a instituição que zela pela vida de todos, de modo especial os mais vulneráveis.

O Congresso anda ocupado com a CPI da Covid. Isso pode atrapalhar?

A gente tem que entender que não existe apenas uma pandemia. A questão das invasões também é uma pandemia. O que está acontecendo em Roraima com os yanomamis, 20 mil garimpeiros levando doenças de branco, é uma pandemia. Tem a pandemia do desrespeito: o avanço inescrupuloso sobre inclusive [demarcações] que a própria Constituição garante. Não é um favor que a gente faz.

O presidente já disse que gostaria de "conversar com indígenas" e "aterrisar" em um garimpo ilegal.

É um absurdo. Nunca vai ter garimpo legal [na região]. O garimpo é o avanço ilegal do pessoal que procura ouro ou minério em áreas que não são permitidas. Então, como que se pode falar de um garimpo legal? Perto dos povos? É absolutamente impensável. Enquanto isso, as doenças de branco estão sendo transmitidas: malária, gripe, agora Covid-19.

Ao menos no discurso oficial, autoridades americanas se dizem otimistas com as novas metas climáticas do Brasil, anunciadas por Bolsonaro na Cúpula do Clima. O que o sr. diria a elas?

Ver para crer, isso eu diria. Falar é fácil. Realizar aquilo que fala... para inglês ver.

No ano passado, o presidente declarou que era preciso ter mais "pólvora" e menos "saliva" contra eventuais sanções impostas ao Brasil por causa da Amazônia. Parecia um recado ao recém-eleito Joe Biden.

Espero e faço votos para que não aconteça isso. É uma vergonha se nós precisarmos de sanções internacionais para cuidarmos daquilo que é nosso. Pelo amor de Deus! O papa chama a Amazônia de coração biológico do planeta. O governo tem que criar vergonha. A responsabilidade é nossa, querida, é do Brasil.

Na carta enviada ao Senado, os bispos dizem que "os olhos do mundo estão observando a política ambiental do Brasil". Como o sr. acha que essa pressão externa deve acontecer?

A gente não perde a esperança. Ela não morre. Não posso dizer outra coisa que: não espero sanções, espero que caiamos na real e assumamos a responsabilidade. Peço até a Deus que estes responsáveis abram a mente e o coração para a Amazônia.

Os governos que antecederam Bolsonaro também eram criticados por suas políticas ambientais. Por que o tema parece estar em segundo plano para nossos governantes?

A devastação é mais antiga do que este governo, só que este governo parece que facilita tudo. A prova disso é esse mote do Salles sobre a boiada. Isso para mim foi uma das expressões mais vergonhosas que um político brasileiro já produziu.

A Comissão Pastoral da Terra registrou em 2020 um aumento de 30% no número de conflitos por terra no Brasil, a maior parte na Amazônia. Ao que se deve o recrudescimento da violência no campo?

Falta de fiscalização, os organismos que têm que cuidar disso estão desmantelados. Há um governo que fecha os olhos. Também fazemos apelo ao Judiciário para realmente assumir sua função. Tem que punir. É a mesma coisa de você estar no carro e passar o semáforo, amanhã você passa de novo. A hora em que você for multado, vai se preocupar mais. As queimadas não são de ontem, a gente pode falar de 40 anos para cá.Mas a maneira como enxerga isso, como um fato, e não se faz nada, isso é novo.

O senhor é um religioso austríaco que chegou na Amazônia em 1965. Como parou aqui?

Boa pergunta. Estou há 56 anos, quase. Nasci na Áustria, mas sou brasileiro e me orgulho de ser. Sou amazônida, toda minha vida foi aqui.

Como acontecia com a irmã Dorothy Stang, o sr. é alvo de ameaças de morte.

Recebi Dorothy [no Pará] em 1982. Quando ela chegou aqui na prelazia do Xingu, contou que queria trabalhar no meio dos povos mais pobres. Eu disse: "A senhora não vai aguentar". Aguentou até o dia em que foi morta. A gente não procura, meu bem, ser ameaçado. Mas quando você toma posição em favor de uma coisa, tem sempre gente que se sente pisado nos pés e reage. Até hoje estou com proteção da PM. São coisas como "esse bispo tem que ser eliminado". Eliminado você sabe o que é, não é dar um beijo no coração, é dar uma bala.

Não é raro chegar numa aldeia ou numa comunidade ribeirinha e se deparar com igrejas evangélicas. Por que a Igreja Católica não conseguiu chegar nos rincões amazônicos como os evangélicos chegaram?

Nosso contingente pastoral é sempre diminuto. Mas não estamos olhando isso como competição. A presença das igrejas evangélicas foi tratada no Sínodo [evento liderado pelo papa em 2019 para discutir a situação da igreja na região amazônica], estamos sempre aquém do que se espera. Temos que nos atualizar nesse sentido, ir onde estão.

O assassinato de Dorothy revelou a força de missionárias que foram lá na ponta, viver ao lado dos trabalhadores do campo. Faz sentido que essas mulheres ainda não possam rezar uma missa ou assumir posições importantes na Igreja, como a que o sr. ocupa?

Estou lutando para que isso aconteça. Muitos de nossos bispos também. Mas isso, naturalmente, numa igreja que abrange o mundo inteiro, não é fácil, não.

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