Caso o laboratório Pfizer consiga nos Estados Unidos a
aprovação para o uso emergencial da vacina contra a Covid-19, e em seguida peça
a liberação urgente também no Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária) terá o prazo de 72 horas para avaliar a solicitação.
Se não ocorrer o exame nesse período, a autorização será
automática, segundo especialistas ouvidos pelo jornal Folha de S. Paulo.
Essa forma de atuação da Anvisa está prevista na lei 14.006 de 2020, que foi aprovada para o período da pandemia da Covid-19 em meados deste ano.
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A Anvisa, porém, contesta essa interpretação dos
especialistas consultados pela reportagem, sob o argumento de que a lei se
aplica apenas a vacinas que tenham passado por processo de registro nas
agências estrangeiras e não vale para os casos de liberação urgente.
O debate ocorre ante a expectativa de que nas próximas horas
a vacina da Pfizer tenha o uso emergencial autorizado nos Estados Unidos pela
agência americana FDA (Food and Drug Administration), o que abriria a
possibilidade de, na sequência, a fabricante pedir a análise rápida da Anvisa.
A utilização urgente da vacina já foi aprovada no Reino
Unido, e a aplicação das doses já começou em seu território, mas a agência de
saúde britânica não consta na lista da lei 14.006.
De acordo com o texto legal, a Anvisa tem 72 horas para
examinar requerimentos de autorização excepcional e temporária para a
importação e distribuição de produtos considerados essenciais ao combate à
pandemia.
A letra da lei estabelece que, para ocorrer a liberação, é
preciso que os produtos tenham sido "registrados" por pelo menos uma
de quatro autoridades sanitárias estrangeiras mencionadas em seu texto, e
"autorizados à distribuição comercial" de seus países.
Além da FDA americana, estão incluídas no texto legal apenas
outras três agências de saúde estrangeiras: a EMA (European Medicines Agency),
da Europa, a PMDA (Pharmaceuticals and Medical Devices Agency), do Japão, e a
NMPA (National Medical Products Administration), da China.
Procurada pela Folha, a Anvisa enviou nota com um
posicionamento no sentido de que o termo "registrados" deve ser
interpretado de forma restritiva, e não abrange os casos de aprovação para uso
emergencial no exterior.
Para a agência, a lei "se refere a produtos com
registro nas mencionadas quatro autoridades regulatórias sanitárias
estrangeiras, ou seja, tanto o mencionado prazo quanto a própria lei não se
aplicam às vacinas para combate ao Covid-19 que apenas tiveram uso emergencial
por elas autorizado pelas referidas autoridades regulatórias sanitárias
estrangeiras".
Todavia, especialistas em direito sanitário e administrativo
ouvidos pela Folha dizem que a interpretação da Anvisa está equivocada e que a
lei se aplica também às vacinas autorizadas de forma emergencial pelas
autoridades de saúde citadas na lei 14.006.
Segundo o advogado e professor titular da Faculdade de Saúde
Pública da USP Fernando Aith, "o registro em termos de regulação sanitária
é entendido no sentido mais amplo, e a autorização emergencial não deixa de ser
uma forma de registro".
Aith afirma que a agência nacional "está fazendo uma
interpretação extremamente restritiva e literal, que não dialoga com a própria
concepção da Anvisa sobre o termo 'registro', que é uma concepção que abarca
várias possibilidades".
O professor cita como exemplo a modalidade em caso de doença
rara, na qual o registro pode ser feito antes mesmo da fase três de testes do
produto.
O especialista avalia que esteja ocorrendo uma politização
do tema. "A Anvisa está querendo ser mais realista que o rei, obedecendo a
uma agenda política do governo federal", diz.
O diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano Peixoto
de Azevedo Marques Neto, especializado em direito administrativo, também
critica a posição da Anvisa.
"Não faria sentido excluir da regra vacinas aprovadas
de forma emergencial numa lei editada para fazer frente à situação emergencial
da pandemia", afirma.
O professor ressalta ainda que, "se a agência tem
fundadas preocupações quanto a um medicamento ou vacina, é simples: nas 72
horas do prazo, ela nega o registro de forma fundamentada".
O médico e advogado sanitarista Daniel Dourado, que é
pesquisador do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris, lembra que o
presidente Jair Bolsonaro chegou a vetar o trecho da lei que estipula o prazo
de 72 horas, mas o Congresso derrubou o veto, e a regra entrou em vigor.
"No debate da inclusão desse prazo no Congresso, a
lógica foi a de agilizar o processo. Acrescentar um dispositivo para acelerar,
mas esperar o registro definitivo em outro país, que demora três ou quatro
meses, não faz sentido".
"A interpretação da lei tem que ser extensiva. Devemos
interpretar como registro qualquer liberação que venha dessas agências
estrangeiras", completa Dourado.
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