O advogado paulista Luciano Caparroz Pereira dos Santos já
estava em ritmo de festas de final de ano quando ele recebeu, em 28 de
dezembro, o telefonema de um suposto funcionário do site de vendas de veículos
onde havia postado anúncio para venda de um carro.
Ele forneceu o código de segurança que apareceu no visor do
celular, conforme solicitou o suposto funcionário, e só na continuação da
conversa percebeu que estava sendo vítima de um golpe cada vez mais comum no
país: o sequestro de contas do WhatsApp.
Algo nada trivial nessa história, porém, é um detalhe que
pode revelar uma falha no sistema de segurança da WhatsApp. "Eu tinha
senha dupla. Eu não estava só com uma senha. Já estava com duas, mas, mesmo
assim, ele conseguiu destravar."
Procurado desde a tarde da última terça-feira (14), o
WhatsApp não respondeu aos questionamentos da reportagem. Não informou se os
criminosos conseguiram, de fato, furar o bloqueio de segurança de duas senhas,
principal recurso do aplicativo para evitar fraudes.
O procedimento de duas senhas, ou verificação em duas
etapas, é fortemente recomendado pelo WhatsApp como forma de prevenir abusos,
como a empresa se refere a esse tipo de golpe.
A história de Santos é novidade até para a polícia de São
Paulo. O delegado Carlos Henrique Ruiz, titular da Delegacia de Investigações
Sobre Fraudes Patrimoniais Praticadas por Meio Eletrônico, disse desconhecer
caso semelhante e não sabe dizer como seria possível isso acontecer.
Santos diz não ter fornecido a segunda senha. "Não
tenho a menor ideia de como conseguiram. Talvez, com a primeira senha alterada,
se pode alterar a segunda via email, posteriormente", disse Santos.
Os casos mais comuns de sequestro de conta acontecem,
segundo o delegado, quando o próprio usuário fornece a senha enviada pela
WhatsApp, como fez Santos. Mas todos que conhece foram em contas que não
possuem a segunda etapa de confirmação, que pede uma senha de seis dígitos.
A reportagem falou com outras vítimas de golpe, como a
fisioterapeuta Denise Brigido e o médico Carlos Aburad, que tiveram as contas
sequestradas recentemente. Ambos não tinham a verificação em duas etapas e só
decidiram adotá-la após o problema.
Os criminosos conseguiram os dados de Aburad em um site de
comércio de produtos. Um suposto funcionário do site ligou para o médico e
pediu que informasse o código que apareceria em sua tela. O golpe idêntico ao
ocorrido com o advogado Santos.
"Ele pediu para confirmar detalhes do anúncio do carro
e, ao final, pediu para confirmar um código. A partir desse código, ele clonou
meu WhatsApp e bloqueou do meu telefone", disse.
A ligação que ele recebeu ocorreu poucos minutos após postar
o anúncio.
O golpe sofrido por ele fez outra vítima. "Na hora eu
nem desconfiei. Era uma pessoa que jamais teria motivo para desconfiar. Só fui
solidária. Cinco ou dez minutos depois, a mulher dele começou a mandar mensagem
para todo mundo dizendo que o WhatsApp dele tinha sido clonado. Liguei rápido
no meu banco, mas disseram: 'acabaram de sacar", disse a jornalista Debora
Pinho, que transferiu R$ 2.340 a pedido do estelionatário.
"Eu me senti uma idiota. Parece uma coisa tão real, tão
próxima, que você não vê maldade. Outra coisa que contribuiu para o golpe é que
hoje as pessoas não se falam mais pelo telefone. É WhatsApp o tempo todo, e
você nem pensa em ligar para confirmar", diz ela.
Já com Denise os criminosos foram mais engenhosos. Eles
encontraram o número de telefone dela no Instagram, em que faz críticas de
livros (embarcandonaleitura), e se passaram por produtores de um programa de
televisão convidando-a para uma entrevista.
"Eu respondi, falando que tudo bem. Eles falaram que
iam mandar os dados por email, mas tinha que passar o código [de confirmação]
pra eles. Aí, eu caí. Na hora não me liguei que era o código de acesso ao
WhatsApp em outro aparelho", disse. "Na hora eu já fiquei sem acesso
ao app pelo meu celular. Tentei entrar várias vezes, mas o WhatsApp bloqueia se
você tenta muito. Mas eles ficam conectados", afirmou ela.
Todos os contatos da fisioterapeuta receberam pedidos de
dinheiro. "Eu desconfiei porque a pessoa me chamou de senhor, a Denise não
me chama assim. Também pedi para falar por telefone, a pessoa também disse que
não podia. Então, desconfiei", disse o jornalista Alfredo César Souza.
"Eu sempre ligo para confirmar", disse ele.
A história de Denise é muito semelhante à contada pelo
jornalista da Folha Marcos Nogueira, que teve a conta sequestrada após falso
convite para participar de uma festa.
Nos questionamentos enviados ao WhatsApp, a reportagem
enviou o nome de Luciano Caparroz e o número do celular dele usado para acesso
ao aplicativo de mensagens. A assessoria de imprensa da empresa informou que os
dados foram enviados ao departamento responsável. Até a publicação deste texto,
não houve resposta.
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