Uma figura esguia saiu do elevador do hotel Hilton de São
Paulo. Ela se dizia feminista e foi uma decepção para o público masculino que a
esperava, pelo menos de acordo com relato do jornal Folha de São Paulo, em 18 de outubro de
1977.
"Pálida, nervosa e magra demais", a atriz holandesa
Sylvia Kristel, protagonista da franquia de dramas eróticos
"Emmanuelle", visitava a capital paulista para divulgar seu filme
"Porque Agrado os Homens".
Dois dias depois, em Brasília, Kristel não decepcionou
ninguém. A ditadura proibia os filmes em que a atriz tirava a roupa, mas isso
não impediu que parlamentares arenistas e emedebistas comentassem cenas de
"Emmanuelle". No Congresso Nacional, "todos correram para ver a
atriz".
Kristel morreu em 2012, aos 60 anos. Na madrugada do último
domingo, o mito em torno de seus filmes, ainda vivo em 2019, aumentou em 150% a
audiência da Band no horário. "Emmanuelle 2: A Antivirgem", de 1975,
marcou o retorno do "Cine Privé", faixa clássica de filmes pornôs
soft, na madrugada de domingo.
O "Cine Privé" foi ao ar de 1995 a 2010. Depois de
uma tentativa frustrada de voltar com a sessão em 2012, agora a Band atinge um
pico de 1,4 no Ibope, ganhando até do bispo Edir Macedo na Record. Uma semana
antes, no mesmo horário, a Band marcou 0,4 ponto com o "Cinema na Madrugada"
-filmes de todos os gêneros.
Mesmo com a boa audiência, parece contraditório que o canal
aberto retome o "Cine Privé". Hoje, em poucos cliques, é possível
encontrar conteúdo explícito e de graça na internet.
"O futuro é vídeo por demanda, streaming, aplicativo no
celular. Não tem mais isso de filme na TV", diz Clayton Nunes, CEO da
maior produtora de filmes pornográficos no país, a Brasileirinhas. "Isso
para a molecada não é nada. É para gente que não tinha a pornografia. Vão
passar clássicos que o pessoal quer rever."
A Brasileirinhas sobrevive só com as 25 mil assinaturas em
seu site, que funciona desde 2007 no mesmo esquema da Netflix, em que o
consumidor paga e tem acesso aos filmes.
Há seis anos, eles não fazem mais DVDs e também pararam de
vender para canais a cabo. De 70% a 75% do público, que gera cerca de 2 milhões
de acessos mensais, veem Brasileirinhas no celular.
Há também o reality show Casa das Brasileirinhas, espécie de
"Big Brother pornô" que mostra, em tempo real, atrizes gravando cenas
de sexo, tomando banho ou malhando.
A intenção do retorno do "Cine Privé", diz a Band,
é apostar na nostalgia, resgatar a faixa erótica que fez sucesso na
adolescência de muita gente e atender aos muitos pedidos de telespectadores. No
passado, o pornô light da Band chegou a bater a Globo e figurou entre os
programas de maior audiência do canal.
Hoje, o público do "Cine Privé" é de homens com
idade entre 30 e 50 anos. Os filmes continuam os mesmos de antigamente -entre
eles, "Adeus Emmanuelle", de 1980, e "Sedução à
Meia-Noite", de 1994- e a emissora não pretende renovar o catálogo.
Mas a ideia da Band é aproveitar o apelo da faixa erótica
para levar esse público mais velho ao Sex Privê, canal a cabo do Grupo
Bandeirantes que vive um reposicionamento no mercado, com conteúdo explícito. O
"Cine Privé" agora tem uma apresentadora que tira dúvidas sobre sexo
enviadas ao Instagram do canal.
No primeiro dia, o Sex Privê viu aumentar em milhares os
seguidores na rede social.
"Isso é um desespero. Pornografia em canal a cabo acho
que acabou. Se o Sex Privê fizer um aplicativo, pode até ser", opina
Nunes, da Brasileirinhas.
Mas o pornô de TV a cabo não está exatamente jogado às
traças e já pode ser acessado pela internet. Em meio à crise econômica, ele tem
mantido um faturamento estável nos últimos anos –ainda que sem crescimento
relevante.
"É uma posição nem um pouco invejável", diz
Mauricio Paletta, diretor da Playboy do Brasil, grupo que é dono da maioria dos
canais de sacanagem na televisão fechada.
O único concorrente que Paletta lembra é o Grupo
Bandeirantes. A situação pode ser a de um David frente a um Golias, mas o canal
da Band agora tem na manga um truque para fisgar assinantes.
Os brasileiros que tiveram "Emmanuelle" como marca
da adolescência hoje estão a poucos cliques de uma miríade de pornografia
gratuita e explícita. Mas, segundo Paletta, não querem arriscar pegar vírus em
seus computadores e morrem de medo de clicar num spam disfarçado.
O Sexy Hot, canal do grupo Playboy, tem 55% de seus
espectadores entre 25 e 39 anos.
A indústria do pornô sofre com sites grátis como Pornhub e
XVideos, que funcionam como o YouTube. "Tenho funcionários para tirar meus
vídeos de lá todos os dias", diz Nunes, da Brasileirinhas.
Mas, nos últimos meses, alguns produtores vêm conseguindo
fazer dinheiro com os sites gratuitos de streaming.
A HardBrazil, pequena produtora responsável por filmes como
"Fábio Gump, o Comedor da História" e "As Revelações de
Sandy", começou licenciando conteúdo para a TV, mas desde dezembro
monetiza obras no XVideos.
O fundador, Fabio Silva, diz que um filme para um canal
fechado costuma sair em torno de R$ 5.000, com cessão de direitos por cinco
anos. Uma cena simples, de menos de dez minutos, num site de streaming, pode
render R$ 5.000 em um mês, se tiver visualizações.
Silva, de 41 anos, é um apreciador saudoso do "Cine
Privé" -um oásis em meio à escassez pornográfica dos anos 1990. "Com
16 ou 17 anos, a gente não tinha nada. Você via uma calcinha pendurada no varal
e ficava doido. Hoje, a molecada vê o que quiser", comenta.
Mesmo que a produção nacional de pornografia seja
majoritariamente hétero e voltada ao público masculino -na Brasileirinhas, 75%
dos assinantes são homens-, o Brasil é o terceiro país do mundo em proporção de
mulheres consumindo vídeos no Pornhub.
"Elas perceberam que as cenas eram feitas pela visão
masculina, com a atriz subjugada, atos de violência", diz a diretora e
atriz Mayanna Rodrigues. Diante disso, vêm surgindo um nicho de pornô
"mais suave, mas sem deixar de ser explícito, só mais natural".
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