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ARTE

Artista relembra ditadura e luta pela democracia

No marco dos 58 anos do golpe militar, artista relembra ditadura e necessidade de continuar lutando pela democracia.

Imagem ilustrativa da notícia Artista relembra ditadura e luta pela democracia camera Performance da artista Lúcia Gomes chama atenção para o golpe militar. | Divulgação

Todos éramos estudantes naquela época. Eu era o presidente da União Acadêmica Paraense (UAP), formada pelos universitários, e que fazia parte da União Nacional dos Estudantes (UNE).

No dia 1º de abril de 1964, a UAP foi cercada por tropas do Exército, comandadas por José Lopes de Oliveira. Ele já entrou dando um tapa em um amigo meu, o José Seráfico de Carvalho, colega da Faculdade de Direito. Os estudantes foram colocados de frente para as paredes, com os braços pra cima e eles iam quebrando tudo”, relembra o agora publicitário e escritor Pedro Galvão, sobre o dia seguinte ao golpe militar que depôs o presidente João Goulart.

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Sua narrativa sobre aquele dia e os 21 anos de ditadura que se seguiram também estão no livro “Relatos Subversivos” (2004), em que divide suas memórias junto a estes colegas de UAP, entre eles, nomes bem conhecidos hoje, como João de Jesus Paes Loureiro e Ruy Antônio Barata. “Foi um golpe mesmo. Essa palavra, não estou falando ideologicamente. Foi um golpe o que os golpistas chamam ‘revolução’. E chamam assim porque revolução é uma palavra bonita, honrosa, nobre. Mas foi um golpe o que instituiu a ditadura. Eu fui o primeiro estudante a ser preso. Todas as lideranças estudantis foram perseguidas, muitos se esconderam, outros fugiram do país ou foram presos”.

E no momento em que há um regime discricionário, militar, aponta, “sempre há um prejuízo para as atividades artísticas”, mas elas foram renascendo aos poucos. “As pessoas que produzem música, poesia, os romancistas, costumam ter uma perigosa tendência à esquerda. Não é universal, claro que não, mas é natural. Veja Caetano, Gil, que vieram pouco depois; Chico, que teve que renomear músicas por conta disso; os shows, espetáculos, passaram a ser monitorados de perto. A ditadura é uma coisa muito cruel, qualquer ditadura”, destaca.

Wanda Monteiro, que vem se debruçando sobre a história do pai, o romancista Benedicto Monteiro, em uma trilogia iniciada com o lançamento, este mês, de “Chão de Exílio” (2022), contribui lembrando o engajamento dele mesmo diante do isolamento empreendido pelos instrumentos de censura a pensadores como ele. “A resistência era para haver espaço para falar, porque não havia, era um silêncio total, um apagamento da voz, em todas as áreas. Em suas obras, ‘Verde Vagomundo’ (1972), ‘O Minossauro’ (1975), ‘A Terceira Margem’ (1983) e ‘Aquele Um’ (1985), o Benedicto encontrava nas alegorias e recursos literários formas de trazer na ficção a voz de denúncia dele próprio. O personagem central de sua tetralogia, Miguel dos Santos Prazeres, era quase um alter ego para ele ter voz”, conta a escritora.

O escritor paraense Benedicto Monteiro em conversa com o então presidente João Goulart, deposto pelo golpe dos militares
📷 O escritor paraense Benedicto Monteiro em conversa com o então presidente João Goulart, deposto pelo golpe dos militares |Arquivo de família

Benedicto era próximo de Dalcídio Jurandir, que tinha sido perseguido, mas ido para o exílio fora do país. Ele conseguiu espaço em editoras de São Paulo e Rio de Janeiro, através dos amigos Lúcio e Clarinha Abreu, e tinha cumplicidade com Ruy Barata e o livreiro Raimundo Jinkings, com quem foi preso, mas eles estavam todos isolados após o golpe. “Eles foram todos isolados e apagados. O Benedicto cumpriu exílio na própria pátria. E não só ele, a família cumpriu junto. Os dez primeiros anos da ditadura foram um campo de exílio sofrível. E por isso ele é um fenômeno, que mesmo assim rompeu barreiras sendo traduzido na Holanda, Alemanha, Estados Unidos, sem nenhum tipo de recurso, nem financeiro, em uma época de comunicação por cartas”, lembra Wanda.

Para ela, nos dias atuais a questão mudou de face porque a resistência não é mais para falar, mas para evitar o apagamento da história. “O que está acontecendo hoje no Brasil é uma deturpação dos significados das palavras, uma tentativa de apagar a história, não contar o que aconteceu, especialmente em relação ao golpe. É a destruição causada por um governo e setores oligárquicos do Brasil, pois esse governo não fica de pé sozinho, está sustentado por interesses. Hoje, todo foco de resistência da arte, para nós, autoras, atrizes, artistas plásticos, cineastas, em todo os espectros da arte, é dar voz às coisas que precisam ser reverberadas, e sobretudo evitar o apagamento da história”.

HORA HERZOG

Artistas dedicados a isso na atualidade, além da própria Wanda Monteiro, com seu “Chão de Exílio”, são o poeta e artista visual Ney Ferraz Paiva, autor da exposição “A Hora Herzog”, recentemente montada na Casa Namata, que trata da ditadura no país em paralelo com a política atual; e Lúcia Gomes, que tem realizado, nos últimos três anos, uma série de performances que repudiam essa tentativa de apagamento da história, reprodução da censura e perda de direitos na atual democracia.

“O tempo todo, pelo que a história demonstra, a atitude do artista é sempre de resistência em relação ao Estado. Falando de Belém, se for pensar nos aparelhos de cultura, tudo é muito improvisado, a disposição é essa, de colocar sempre na dificuldade. A gente fica lidando com essa espécie de loteria que revitaliza o Theatro da Paz, mas deixa cair o Olímpia. Essa dinâmica do improviso se mantém, é um dispositivo de Estado. E passaram dez, vinte anos, daqui a pouco você atravessou todo um momento importante de uma geração que teve que atuar dessa forma. E por melhor que seja o período, sempre há uma reação contra o espírito da arte”, diz Ney.

Ele aponta como foram significativos gestos de bravura como o do jornalista, professor e dramaturgo Vladimir Herzog, torturado e assassinado pelo regime militar brasileiro, e lembra nomes como a paraense Eneida de Moraes. “Ela é um caso impressionante, de uma mulher de extrema coragem e sensibilidade artística. Quando sai de Belém, em 1929, e vai para o Rio, se filia ao Partido Comunista e começa uma série de lutas, sempre mobilizada pelos direitos da população brasileira. É presa onze vezes. Como você faz isso? Você faz porque cabe ao artista fazer, não é que ele escolhe. No livro da Wanda, ela fala desse exílio na própria terra, que o Benedicto viveu, e é isso. Criamos uma história de resistência e bravura que precisamos engendrar no dia a dia”.

RESISTÊNCIA

Para Lúcia Gomes essa mobilização no meio artístico “é extremamente atual quando temos um presidente que homenageia torturador; enquanto existem pessoas que suspiram pelo novo AI-5. Mais do que nunca, artistas precisam estar unidos e fazendo obras que toquem, relembrem esse tempo de horror e execrar o golpe de 64”. Entre as performances mais recentes dela, está “Pelo julgamento dos golpistas e torturadores de 64-85” (2019) e “1964BR1985”, que fala do início do golpe, quando se encerra a Constituição. “Nesta, envio minhas fotos 3x4 e peço para as pessoas colocarem dentro do vaso sanitário, para relembrar um tipo de tortura daquele período. Não é agradável, mas é uma forma de relembrar o terror no Brasil que foi o golpe, a ditadura”.

A artista lembra que na Argentina, desde 2002, existe o Dia Nacional da Memória Pela Verdade e Justiça, no dia 24 de março, para repudiar os horrores que o regime ditatorial causou no país vizinho. “E por que o Brasil também não tem essa data? A gente precisa começar a lutar por esse dia”, diz ela. “A gente só vai ficar tranquila à medida que se reconhecer que aquele foi um período de terror e que eles sejam julgados, mesmo mortos, mesmo idosos, que os torturadores e golpistas sejam julgados pela Justiça brasileira”.

Wanda lembra as palavras do pai, de que “você só ama o que conhece e só pode defender aquilo que ama”, e questiona: “como você vai defender a democracia se quase não conhece esse processo, se acredita nas desinformações jogadas sobre essa massa estudantil, de que a ditadura não existiu, quando não sabe que ela é constantemente ameaçada? Escrever essa trilogia não foi só para falar do legado do Benedicto, mas fazer o que ele faria hoje, trazer à tona a história, fazer com que ela não morra. E é a minha função, de escritora, dar testemunho do meu tempo também”.

Para esta data, Pedro Galvão, de experiência viva e ocular, reforça a mensagem que já havia deixado em “Relatos Subversivos”. “A lição que nos fica é esta: ditadura nunca mais. A liberdade é um bem irrenunciável. Nada vale o medo. O medo de pensar, de falar, de contestar, de agir, de escrever (...) E se algum valor tiver esse depoimento, seja o deixar o alerta para os jovens de agora: é dentro das democracias que devemos sonhar, sonhar e participar, sonhar e lutar pela construção de uma sociedade aberta e clara”.

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