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RESISTÊNCIA E CRIATIVIDADE

A arte de empreender nas periferias de Belém

Eles encararam o desafio de montar seus próprios negócios em bairros mais periféricos de Belém e fazem a diferença na realidade das comunidades em que estão inseridos

Imagem ilustrativa da notícia A arte de empreender nas periferias de Belém camera Guilherme Sant’ana empreende com a família no Art Ato. | Divulgação

Distante do centro da cidade, é também no interior dos diversos bairros mais distantes que pulsa uma economia movimentada pelo empreendedorismo. Entre inovações e desafios, quem empreende nos bairros periféricos da cidade consegue fazer a diferença não apenas na vida da sua própria família, mas também na realidade da comunidade em que está inserida. Não à toa, a potência empreendedora das periferias da Região Metropolitana de Belém (RMB) ganha destaque.

A história da família Sant’ana com a tradição da cerâmica icoaraciense data de 45 anos atrás, desde quando o mestre Guilherme Sant’ana se mudou para o bairro do Paracuri. À época, ainda na década de 70, a cerâmica produzida no bairro iniciava o processo de decoração das peças e foi a esta parte da produção que o mestre se dedicou por muito tempo.

Por 15 anos, Guilherme também atuou como professor no Liceu Escola de Artes e Ofícios “Mestre Raimundo Cardoso”, aliando o aprendizado da matemática à cerâmica em uma abordagem interdisciplinar. Apesar da cerâmica nunca ter deixado de fazer parte da vida da família, a atividade passou a ser o foco principal quando a filha de Guilherme, Maynara Sant’ana e o esposo dela, Heitor Sebastian, também decidiram migrar para a área. “Quando eu saí do Liceu a Maynara e o Heitor estavam elaborando o Art Ato. Depois de um tempo, veio a decisão de migrar para a cerâmica e ela passou a ser o foco”, aponta Guilherme.

Guilherme, Maynara Sant’ana, Madson de Almeida e Heitor Sebastian
📷 Guilherme, Maynara Sant’ana, Madson de Almeida e Heitor Sebastian |Mauro Ângelo

Maynara lembra que o Art Ato Estúdio de Tatuagem & Piercing – empreendimento tocado por ela e o esposo Heitor – funcionou em dois endereços no centro de Belém, mas que a ideia sempre foi, após a consolidação da marca, retornar à Icoaraci. Por motivos pessoais, a volta ao bairro de origem foi antecipada e levou o casal a direcionar o foco para a cerâmica, levando uma nova cara ao negócio da família Sant’ana.

“Mesmo no Art Ato a cerâmica sempre esteve presente. A gente usava a cerâmica para servir as comidas, começamos a fazer bate-papos sobre como era produzida a cerâmica e em 2019, último ano em que estivemos no centro, iniciamos com as oficinas de cerâmica também”, lembra Maynara. “Nós sabíamos que tinha um público em potencial para a cerâmica, mas o que nos incomodava era que não conseguíamos vender tanto para o público de Belém”.

Com o foco já voltado para a cerâmica, Maynara e Heitor consideraram que o público atendido por eles era bastante jovem, o que alterava a demanda de consumo. Além das peças já tradicionais, eles passaram a pensar em colares, incensários, amplificadores de som para celular. A inovação tanto na diversidade de produtos oferecidos, quanto na decoração das peças foi o começo da conexão com esse novo público, o que o empreendimento familiar precisava para ganhar um novo gás.

“A cerâmica é a primeira técnica usada pelo homem, houve um período em que tudo era feito de cerâmica, então, pensamos ‘o que mais podemos fazer em cerâmica, do utilitário ao decorativo?’”, lembra Heitor Sebastian, que é artesão desenhista e responsável pela decoração das peças. “A gente conseguiu atingir essa pegada mais inovadora imprimindo na nossa arte o que a gente é. Sebastian é muito da cor, nós somos LGBT, então vimos a cerâmica também como uma ferramenta de comunicação sobre o que a gente é”, complementa Maynara.

LOJA

De volta ao Paracuri, Maynara e Heitor se uniram ao restante da família - os pais de Maynara, Guilherme e Marly Sant’ana, e o sobrinho Madson de Almeida – e inauguraram a loja no bairro. Com a pandemia, foi preciso se reinventar, mais uma vez, e levar as peças produzidas pela Cerâmica Família Sant’ana para as redes sociais e para o delivery. Mais uma vez a inovação deu certo e o fato de tudo isso acontecer de dentro do bairro em que a família se constituiu tem um significado especial.

“Estamos em um bairro periférico dentro de um distrito de Belém. Costumo dizer que aqui no Paracuri nada nos alcança e tudo nos atravessa. Então, se fixar na periferia e criar esses laços possibilita fazer algo para além do dinheiro. O nosso negócio é rentável, mas também nos dá a possibilidade de pensar o futuro”, considera Maynara, ao ouvir do pai a vontade que ele tem de voltar a ver o bairro do Paracuri frequentado por visitantes e turistas interessados na arte e na tradição da cerâmica icoaraciense, tal qual já foi um dia.

“A nossa vontade é que o próprio bairro entenda o potencial que ele tem. Eu posso falar isso, mas se eu mostrar que há possibilidade, sim, de transformar o Paracuri em um polo, é diferente”.

A preocupação e a observação sobre o entorno que a cerca também foi fundamental para a decisão de empreender no caso da microempreendedora Elaine Cristina Portal, 42 anos. Depois de ter criado os filhos no bairro da Terra Firme, ela decidiu que estava na hora de atender a uma demanda que ela própria havia sentido durante a infância dos meninos. “Eu refleti e pensei no que poderia dar certo aqui no bairro. Então, lembrei que quando os meus filhos eram crianças eu tinha dificuldade de encontrar roupinhas para eles, era um segmento que não tinha aqui no bairro, eu tinha que ir para o centro para comprar”, lembra. “Então eu trouxe para cá coisas diferentes em roupas para crianças, marcas conceituadas e foi muito bem aceito”.

Elaine Portal
📷 Elaine Portal |Mauro Ângelo

A ideia de Elaine se transformou na Bela Kids, loja de roupas infantis que há 10 meses oferece uma nova oferta de artigos infantis no bairro da Terra Firme. Ela conta que a decisão de empreender foi abraçada mesmo em meio à pandemia, diante da necessidade de estar mais próxima da família. “Eu sempre trabalhei como vendedora e, no ano passado, eu entreguei o lugar que eu trabalhava e decidi trabalhar para mim mesma porque eu estava com um filho com depressão e ansiedade e eu queria ficar mais em casa”, recorda. “Aqui eu consigo trabalhar desde cedo, fechar na hora do almoço para ir almoçar em casa, então eu posso estar bem mais perto da família”.

Com o filho já recuperado, Elaine segue com novos planos para o negócio recém-iniciado. Além das peças de marcas conhecidas, ela já pensa em diversificar os produtos para atingir um público ainda maior. “Além das peças de marcas conhecidas eu também vou começar a trabalhar com mercadorias mais acessíveis para que possa atender a todo mundo, quem pode pagar um pouco mais e também quem, infelizmente, não pode”, considera. “Eu estou feliz que tudo está dando certo”.

NÚMEROS

- 13,6 milhões de pessoas moram em favelas no Brasil

- R$119,8 bilhões é o valor movimentado, por ano, pelas pessoas que moram em favelas em todo o Brasil.

Fonte: Economia das Favelas - Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras, pesquisa desenvolvida pelos institutos Data Favela e Locomotiva em todos os estados do país.

Terra Firme

Ainda na Terra Firme, a poucos metros da loja de Elaine, outro negócio iniciado no bairro também colhe os frutos do trabalho árduo. Quando a vontade de empreender da jovem Larissa Abreu teve início, o espaço conquistado pela loja de presentes e assessórios Uhh!Lala foi o virtual. Passados dois anos, porém, já em 2019, a loja ganhou o seu primeiro espaço físico às proximidades da rua São Domingos, na Terra Firme. Oferecendo opções de acessórios para celular, perfumes e bijuterias a marca, que também atende por delivery, só cresceu.

Ramilla Abreu
📷 Ramilla Abreu |Mauro Ângelo

Larissa mudou-se para São Paulo e, de lá, consegue enviar os produtos para todo o Brasil, além de manter as atividades em Belém. Funcionária da Uhh!Lala em Belém, Ramilla Abreu conta que, durante a pandemia, o atendimento delivery aumentou ainda mais, porém, a loja física também continua expondo os produtos para os clientes que passam pela rua movimentada. “O que as pessoas mais procuram são os eletrônicos, os fones de ouvido e smartwatches”.

“A periferia cria moda o tempo todo”

A conexão entre duas capitais faz parte da Tinta Preta, grife de estampas autorais inspiradas no grafite, elemento da cultura Hip Hop. A grife nasceu em 2017 do sonho de dois jovens artistas urbanos, Mina Ribeiro, de Belém, e WBS Barros de São Luís (MA) e, desde então, vem criando uma moda inspirada na rua, no cotidiano, nas cores, pessoas e natureza.

Mina Ribeiro
📷 Mina Ribeiro |Divulgação

“A Tinta Preta nasceu do meu sonho e do meu companheiro, como artistas urbanos, de colocar o nosso trabalho em roupas e atender ao nosso público do movimento Hip Hop. São roupas que nos representassem e que é complicado encontrar, então, sempre tivemos esse sonho de levar a nossa arte para uma moda que nos representasse”, diz Mina. “A periferia cria moda o tempo todo e a nossa moda está na rua”.

Mina explica que a Tinta Preta surgiu em São Luís, no bairro do Anjo da Guarda, mas hoje mantém uma sede também em Belém, no bairro do Bengui. É dos ateliês mantidos nas duas capitais que a moda criada por Mina e WBS ganha forma e chega até um público diversificado e que vai além do público inserido na cultura Hip Hop.

WBS Barros
📷 WBS Barros |Divulgação

Durante a pandemia, Mina lembra que as atividades precisaram ser paralisadas, mas que a tecnologia foi a grande aliada para que não apenas o negócio dela se mantivesse, mas também os demais que integram uma rede de fortalecimento em torno do afroempreendedorismo. “Durante a pandemia ficamos com as nossas atividades paralisadas, então, o que nos fortaleceu foi que já tínhamos um material em casa. Com isso, conseguimos fazer uma campanha nas redes sociais, que foi o Social Vírus, em que, na compra de uma peça, a metade do valor seria revertido para ajudar o coletivo Pretas Paridas e a gente conseguiu vender todas as peças e se manter”, explica Mina, que, assim como Maynara Sant’ana, integra o Pretas Paridas de Amazônia, coletivo de mulheres afroempreendedoras. “Essa rede de fortalecimento em torno do afroempreendedorismo também foi e é muito importante”.

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