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ARMADOS COM A IMAGEM

Exposição virtual mostra como Kayapós persistem e resistem sem calar a própria voz

O Museu Americano de História Natural (AMNH, sigla em inglês), o Programa de Pós-Graduação em Antropologia de Museus da Universidade de Columbia, ambos localizados na cidade de Nova York, e o Museu Paraense Emílio Goeldi lançaram a exposição “A Câmera É N

Imagem ilustrativa da notícia Exposição virtual mostra como Kayapós persistem e resistem sem calar a própria voz camera Fotografias evídeos de realizadores indígenas se unem à arte tradicional kayapó na exposição montada a partir de parceria internacional com o Museu Goeldi. | Krãkrax Kayapó/Divulgação

O Museu Americano de História Natural (AMNH, sigla em inglês), o Programa de Pós-Graduação em Antropologia de Museus da Universidade de Columbia, ambos localizados na cidade de Nova York, e o Museu Paraense Emílio Goeldi lançaram a exposição “A Câmera É Nossa Arma”, sobre os indígenas da etnia Mebêngôkre (Kayapó). A visitação é inteiramente virtual, incluindo fotos, entrevistas com lideranças, documentários e toda a singularidade da cultura Kayapó.

“Os Kayapó têm uma capacidade fenomenal de incorporar e apropriar armas, adornos, nomes, canções e outros bens culturais capturados de seus inimigos. O uso da câmera como uma arma de autodefesa cultural e territorial parece ser uma nítida extensão dessa tradução antiga dos Kayapó de capturar e apropriar tais troféus de guerra. A câmera virou literalmente uma borduna na mão deles”, compara o antropólogo Glenn Shepard, pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi e um dos idealizadores da exposição.

Tal observação dos pesquisadores, incluindo estudantes e professores da Universidade de Columbia, norteou toda a temática e construção da exposição. Boa parte das fotos e vídeos foram produzidos por Bepunu Kayapó, Djwy Kayapó, Irekako Kayapó, Krãkrax Kayapó e Pat-I Kayapó, completadas com registros feitos também por Glenn Shepard Jr. e o fotojornalista Dado Galdieri.

Glenn Shepard conta que conheceu os kayapó, à diferença de muitos antropólogos, quando eles foram buscá-lo. “Apesar de já ter pesquisado muito sobre eles, quando entrei como curador das coleções etnográficas no Goeldi, que tem coletas muito extensas, como itens de Frei Gil, que trabalhou com eles no final século 19, eles [kayapós] visitaram a coleção, no encerramento do projeto. Eu estava como anfitrião, curador, e o cacique falou ‘quero voltar’, ‘é importante a visita pra conhecer esses objetos antigos’ e queria treinamento. Ele disse que era importante ver as peças antigas, mas também importante dar câmera para os jovens fazerem filmes nas aldeias, para mostrar a cultura viva”, relata. O pesquisador submeteu o projeto, aprovado pelo CNPQ, levando formação em audiovisual para as aldeias.

Talvez a imagem mais importante de toda exposição é o mapa interativo mostrando o território kayapó, que não são um povo originário da Amazônia. Na realidade, eles são do território onde hoje se localizam os estados de Goiás e Mato Grosso. “No século 18, por causa da invasão dos bandeirantes, atacando em busca de ouro, eles [kayapós] foram lutando, sendo empurrados território acima; eles não queriam se entregar para a colonização”.

Foi uma migração de mais de mil quilômetros para o Norte. E tiveram, nesse processo, de guerrear com outros grupos indígenas por novos territórios, além aprender a sobreviver em um ambiente completamente diferente, indo do Cerrado para a Floresta Amazônica. “E fizeram isso por apropriação cultural, capturando tecnologia, nomes, artefatos dos inimigos. A guerra, para eles, é capturar conhecimento também para sobreviver. E faz parte deles. Quando pessoas veem o índio com celular, câmera, erroneamente acusam de não ser mais índio, só que isso faz parte da cultura deles. É uma apropriação sem perder a essência kayapó.”.

A exposição destaca ainda como os kayapós sempre estiveram na linha de frente da resistência dos povos originários do Brasil e contra a destruição de sua biodiversidade; especialmente em situações como a luta contra a hidrelétrica de Belo Monte. “Eles são os grande responsáveis porque a composição original da usina não foi feita. Hoje, ainda é menos impacto do que se tivessem feito o plano original. O Xingu seria igual Tucuruí, uma grande área inundada com grande devastação, o rio Xingu estaria morto já”, aponta Glenn.

Kaya-Pop, cinema e ativismo

O povo Kayapó se autodenomina como “Mbêngôkre”, cuja pronúncia também é ensinada logo no início da exposição virtual. Sobreviventes de séculos de guerra e migração forçada, além de ter como característica a apropriação de novas tecnologias e estilos, incorporando-os de maneiras que são distintamente Kayapó, eles hoje misturam ritmos brasileiros com letras em Kayapó para criar o “Kaya-Pop”. Um dos exemplos trazidos é a música “Jaine ba boj”, do artista Kaya-Pop Bepdjyre, disponível para audição na mostra.

Já os curtas-metragens na exposição apresentam temas variados, como a coleta da castanha-do-Pará, a Festa da Mandioca, assim como uma versão Kaya-Pop do clássico dos Beatles, “Hey Jude”. “Mesmo cineastas novatos produzem filmes de alta qualidade, mas a estética de filmagem é algo bem único, refletindo as normas estéticas dos Kayapó. Os cineastas têm muita habilidade e estabilidade em manusear a câmera, especialmente para filmar as danças circulares. Eles capturam todos os momentos essenciais de cada ritual e fazem um esforço de incluir todos os participantes”, diz Glenn Shepard.

Os índios colaboraram ativamente para chegar ao que deveria ser a exposição.
📷 Os índios colaboraram ativamente para chegar ao que deveria ser a exposição. |Bepunu Kayapó/Divulgação

Pensada para antes da pandemia, a mostra é considerada inovadora em muitos sentidos. “É uma das primeiras exposições que resultaram do novo contexto da pandemia, ela responde a isso. A gente não só fez de forma virtual, mas incorporou no texto da exposição, informações de impacto sobre os kayapós, a morte do Paulinho Paiakan [liderança kayapó, morto em 18 de junho, vítima da Covid-19], a própria exposição foi se transformando em função da pandemia”, diz Glenn.

A mostra tornou-se um exemplo da curadoria de museus no século 21. “Você vê o descaso com os museus no Brasil, colocados como lugar de coisas velhas e ela [exposição] mostra como a museologia no século 21 pode ser dinâmica, respondendo a questões contemporâneas, promovendo um diálogo onde os próprios índios podem apresentar suas vozes”, destaca.

A exposição inclui uma vitrine em 3D, que será inaugurada presencialmente na Sala dos Povos Indígenas da América do Sul, quando o AMHN retornar às atividades, paralisadas em função da pandemia do novo coronavírus. O título faz referência a uma frase de Kiabieti, pioneiro cineasta Kayapó, que participou da filmagem da Constituinte em 1988. “O vídeo é nosso arco e flecha, é nossa arma”, declarou ele em entrevista à National Geographic, em 2015. Ela é também resultado do curso “Culturas em Exposição”, realizado pelo AMNH em parceria com a Universidade de Columbia.

Os pesquisadores destacam ainda a proatividade dos índios em construir a exposição, ao contar, por exemplo, com a colaboração do cineasta Kayapó Pat-I. Ele gravou uma entrevista com o líder Kayapó Kubei, que visitou Nova York em 1990 e conheceu a exposição no AMNH sobre povos indígenas da Amazônia, logo após a sua inauguração, há mais de 40 anos. Kubei lutou junto com ativistas como cacique Raoni e Paulinho Paiakan, no final dos anos 1980, contra a usina de Belo Monte. O ancião fala sobre as suas lembranças da visita ao Museu em 1990 e o seu histórico de ativismo.

VISITE

Exposição virtual “A Câmera É Nossa Arma”

Onde: archaeology.columbia.edu/ video-guerreiros-kayapo

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