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ESPECIAL 404 ANOS

Tecnológica e sombria: a Belém futurista de Keoma Calandrini

Belém completou 404 anos com uma variedade de símbolos e linguagens que tentam representar (ou representam) uma suposta identidade “amazônico-paraense”. A cidade celebra mais um ano com uma miríade estética, por vezes contraditória, que tenta dar conta da

Imagem ilustrativa da notícia Tecnológica e sombria: a Belém futurista de Keoma Calandrini camera @srkoema

Belém completou 404 anos com uma variedade de símbolos e linguagens que tentam representar (ou representam) uma suposta identidade “amazônico-paraense”. A cidade celebra mais um ano com uma miríade estética, por vezes contraditória, que tenta dar conta da complexidade do que é “ser belenense”, ou, de maneira ainda mais apropriada, do que é ser um paraense da capital.

Entre esses esforços estéticos de representar Belém, o artista visual, ilustrador e designer Keoma Calandrini de Matheus Azevedo, de 30 anos, morador do bairro da Marambaia, que utiliza a linguagem das ilustrações avulsas, divulgadas basicamente pela internet.

A Belém de Keoma é caracterizada por um neon azul e magenta que refulge na escuridão da cidade, típico da estética cyberpunk, indicando sua influência do cinema noir, tanto pelo pessimismo quanto pela estética que se consolidou em filmes como Blade Runner e Tron: uma odisseia eletrônica, ambos de 1982.

Apropriando-se das características da estética cyberpunk, as ilustrações de Keoma transportam espaços, monumentos e prédios históricos da capital paraense para as telas digitais. Ele cria de um conjunto de expressões e conduz o espectador por um trajeto do que poderia ser a Belém no futuro.

Os traços não parecem ser tão distantes do encontrado diariamente ao andar pela cidade. Talvez nem pudesse, justamente por ser este o cotidiano que o ilustrador experiencia e dele se alimenta para compor seu material, como, por exemplo, em uma de suas ilustrações, há uma cidade chuvosa, suja, perigosa e sombria, relegada ao submundo e contagiada pelo ar de suspense e pelo sobrenatural. Uma espécie de ficção científica sobre essa realidade.

O Mercado de Ferro, aparece com suas proporções diminuídas diante da grandiosidade arquitetônica da cidade futurística. Nela, as ilhas e suas silhuetas pequenas e disformes dão espaço ao avassalador crescimento vertical interconectado por pontes que atravessam o rio para interligar, por meio do asfalto, a Belém continental e a Belém insular.

O Ver-o-Peso, cartão postal maior da cidade e estampado com frequência em qualquer eventual oportunidade de referenciar Belém e sintetizar sua multiplicidade cultural, aparece corriqueiramente em sua obra.

O calor, as dificuldades de mobilidade e a invasão das redes de farmácias nos últimos anos também aparecem na Belém futurística de Keoma. Em Bell Hell, o artista abusa de cores quentes e intensas contrastando-as com um clima sombrio, noir, sempre presente.

Elas remetem ao calor da cidade, não apenas pela temperatura que facilmente atinge seus 30° em menos de quatro horas após o nascer do sol, mas principalmente pelo mal-estar que ele causa quando somado aos problemas urbanos.

Os ônibus lotados, caros e barulhentos, sem corrente de ar ou sistema de refrigeração, com vendedores de fones de ouvidos, bombons, escova de dentes, “Canela de velho” e toda a sorte de itens oferecidos aos passageiros em um trajeto da viagem.

É possível encontrar, ainda, na ilustração uma “cidade em chamas”, ardente em aleatoriedades factuais frenéticas e escancaradas nos escombros do sistema BRT.

O imbricamento de temporalidade e espacialidades pode ser visto em suas ilustrações sobre Belém, quando, por exemplo, une o centro histórico da cidade ao Entroncamento.

É uma característica marcante na obra de Keoma, que insere à Praça do Relógio, em vez das icônicas e coloridas edificações em Art Noveau, o prédio Office e seu copo da Cerpa em neon. Talvez, é possível visualizar uma tentativa de incluir aquela imagem ao imaginário da Belém atual, uma cidade que também é (pós)moderna, urbana e periférica.

Na obra de Keoma, o tempo é fluidez. O espaço é constantemente desterritorializado. Em suas ilustrações é comum o rio se apossar de uma parte maior da localidade, envolvendo, por exemplo, o simbólico relógio (da Praça do Relógio) que incapaz de expressar sequer seu próprio tempo, não sustenta o fardo de apontar o tempo de toda uma cidade.

As linhas reúnem elementos fluentes de um espaço transmutado, misturando lugares, linguagens e tempos, gerando um auto reconhecimento carente de firmeza, que ora apoia-se na tradição, ora na modernidade, e, na maior parte do tempo, no passado e em algum sentido mais familiar capaz de trazer segurança e sentimento de pertença.

É assim que Keoma observa o presente de Belém para enxertar os exageros estéticos, distópicos, geradores de estranhamento, capazes de promover reflexão e dor, mas que não se afastam dos simulacros de existência também familiares.

Hiperbolicamente, ele pinta a urbe e reconfigura seus espaços sem renunciar a seu passado. Seria um romântico? Sem rótulos ou definições taxativas, ele apresenta um futuro que talvez seja exatamente o superlativo do agora, de um presente manchado e tocado por esse passado que carrega, porque sem ele, ou fora dele, é preciso confessar que nada mais parece fazer sentido.

O artista visual reflete em muitos aspectos a cultura contemporânea e as suas formas de representação: estéticas, como a cyberpunk, que possibilitam mostrar um lugar sem, no entanto, negar o já existente, mas que evidenciam outras faces de sua realidade; e dolorosas, pois desorganizam a noção de tempo e de espaço e fragilizam a ideia de que há um corpo de imagens permanente, imutável, capaz de determinar definitivamente o “local”, como o estandarte de uma identidade sonhada.

Keoma Calandrini, vivendo no agora, na Belém de hoje, olha para o passado com a pretensão de viver o futuro. Em sua arte, a grande cidade amazônica se impõe. São imagens tão poderosas que delas o artista nem tenta escapar. Ele e sua obra são capazes apenas de constrangê-las, denunciá-las por meio do exagero e da retirada de suas máscaras. O que, convenhamos, já é mais do que suficiente para atualizá-las.

Uma homenagem a Belém? Por certo que sim.

Texto especial para o DOL de Daniela da Costa, Ana Cláudia Nascimento, Ulysses Penna e Danilo Caetano, com revisão de Ângelo Cavalcante.

Tecnológica e sombria: a Belém futurista de Keoma Calandrini
📷 |Demax Silva/ DOL
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