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Entre arte, cotidiano e reflexões: conheça a arte de Fran Farias, a Sagita Collage

A Vênus de Sandro Botticelli surge com um tucano no ombro direito sob uma vitória-régia, que repousa nas águas de algum rio da Amazônia. Ao fundo, a imponência da lua cheia ilumina não apenas o olhar incompreensível (ou polissêmico?), mas também as tatuag

Imagem ilustrativa da notícia Entre arte, cotidiano e reflexões: conheça a arte de Fran Farias, a Sagita Collage camera Reprodução/ Instagram

A Vênus de Sandro Botticelli surge com um tucano no ombro direito sob uma vitória-régia, que repousa nas águas de algum rio da Amazônia. Ao fundo, a imponência da lua cheia ilumina não apenas o olhar incompreensível (ou polissêmico?), mas também as tatuagens tribais da musa renascentista. No cenário, há ainda um boto rosa que salta atrás dela, uma garça, uma cobra e um pequeno macaco, além de palafitas.

Descrição confusa ou encantadora? A escolha é sua, caro leitor. Independente disto, no entanto, talvez você concorde que a imagem é tão provocativa que chega a parecer surreal. De fato, é isto que busca a paraense Fran Farias, artista de apenas 20 anos que é responsável pela obra que descrevi no início deste texto.

Nascida em Belém e moradora do bairro da Sacramenta, a jovem está ganhando destaque através de suas colagens e por um vigor estético que foge, por vezes, de “clichês amazônicos” ou ainda (re)produções do que se convencionou acreditar que é (seria?) regionalista, paraense ou outro termo semelhante.

Através de uma atenta mirada ao seu perfil profissional no Instagram (@sagitacollage), não é exagero perceber que ela desponta como uma das principais colagistas na Amazônia (e, por que não, do Brasil?), com produções que serpenteiam entre possibilidades estéticas, posicionamentos políticos e mesmo ícones da cultura nacional, regional e pop art.

Tal como Banksy – e aqui não se trata de uma comparação estética ou mesmo imediata, mas sim em relação às provocações e críticas aos cânones da arte e mesmo da sociedade –, ela reúne referências cotidianas, da cidade, “representações” de sentimentos e sensações demasiadamente humanos, ironias e até mesmo reflexões sobre canções consideradas mais populares e “clássicas”, nacionais e/ou da capital paraense. De “As rosas não falam”, de Cartola e “Rapte-me, camaleoa”, de Caetano Veloso, passando por “Flutua”, interpretada por Johnny Hooker e Liniker, até “Ai, menina”, de Lia Sophia e “Ao pôr do sol”, de Teddy Max, Fran mostra que até mesmo o que pode é pop, consumível e comum pode ser inovador e instigante em imagens que mostram o outro e, principalmente, nós mesmos.

Talento pulsante, sua produção é feita exclusivamente e de forma paciente e atenta em seu celular, forma singela que ocorreu desde seu início: “Comecei em 2016 através do paint, de uma maneira completamente alheia, sem pretensão alguma. Comecei a fazer algumas obras e perceber a mágica que é criar uma colagem e do que isso significa quando finalizada. Defino minha arte como um retrato real do que sou, do que ouço e de onde vivo”, afirmou.

Tal percepção não é aleatória. De canções da MPB a filmes e livros como “O Pianista” e “A Lista de Schindler”, equilibrados com bregas, tecnobregas e “pancadões” – algumas das referências que formam seu caleidoscópio cultural –, “Sagita” também se inspira em um dos grandes nomes da colagem no planeta, a grega Eugenia Loli.

Entre arte, cotidiano e reflexões: conheça a arte de Fran Farias, a Sagita Collage
📷 |Fran Farias. Foto de @elias__du__13

“Sempre me inspirei na Eugenia Loli. Acredito que através das artes dela consegui ter a dimensão real do que é e de como é ser uma colagista. Me inspiro ainda, principalmente, nas pessoas que estão perto de mim, nos artistas que eu conheço e convivo, como Felipe Moia, Elias Neto, Cae Jastes, Caio (bonikta), Ariadme e Giovanna Correa”, explica. É a jovem ainda que decreta: “Me inspiro na minha cidade. Na minha própria cultura e em tudo aquilo que habita dentro de mim e vai para fora em cada produção”.

Provavelmente é esta miríade de referências que permite a criação de peças desafiadoras, que acabam provocando grande alcance pela web, em especial as que de algum modo “falam” de Belém ou mesmo de angústias, sonhos, desejos, questões sociais e outros tantos temas apresentados.

“Acredito que arte é uma mescla de coisas e varia de interpretação e significado, dependendo de cada olhar, mas posso dizer que a cada nova produção tento me reinventar como artista”, afirma.

Reinventar a arte e a si mesma é um processo também percebido pelo público, que consome não somente suas publicações na web, mas também interage e não raramente sente-se representado por suas colagens, por vezes as transformando em “mercadorias”.

ARTE (QUASE) NA PELE

Neste processo de reinvenção, da arte e de si, repensar estratégias de divulgação da própria produção é fundamental, em especial via internet. Atenta a isso, “Sagita”, atualmente com mais de 5 mil seguidores em seu perfil no Instagram, termina provocando uma interessante cadeia de acessos e compartilhamentos. Sobre isto, ela afirma que “a tecnologia, não só para mim, mas para os artistas em geral, é extremamente importante, pois é através das mídias sociais que cada um consegue expandir e vender suas criações. A web permite com que nossa arte vá além e chegue em lugares que, sem tecnologia, nunca teríamos a chance de chegar”, sintetiza.

Este ir-além, como se nota, ultrapassa as barreiras do “mundo virtual”. É aí que a obra da jovem se torna mais próxima ainda do público como, por exemplo, através das quase dez exposições coletivas que já participou na capital paraense. Mais que isso: sua arte chegou à pele. Ou quase. Ela também produz camisas cujas estampas são algumas de suas colagens, mostrando que arte e mercado devem caminhar juntos, sem receios, ainda que não seja um processo simples e que nem sempre tenha “dado certo”. Diz ela que “No início foi difícil. Consegui vender apenas uma camisa e isso me deixou completamente insegura com relação ao meu produto, mas hoje entendo que o mercado vende ideias e que ele se reinventa a todo momento. Logo, eu preciso me reinventar também”, confidencia.

Silenciosas, mas estridentes, talvez você já tenha visto alguma destas blusas, que circulam em corpos de pessoas que conhecem e sentem de alguma forma representados pela arte da colagista na capital paraense. Os principais modelos vendidos exemplificam isso e são baseadas nas canções “A Conquista”, de Wanderley Andrade e “Está no ar”, da banda Fruto Sensual. Curiosamente, ambas devem fazer parte de um dos novos projetos da jovem: a série “Histórias baseadas em bregas reais”, que deve ser ampliada para além das publicações no Instagram.

Em um diálogo entre linguagens artísticas, “no fim das contas”, vemos então, além das provocações estéticas de Fran, Belém surgir como cenário, ponto de partida e potência para suas criações. “Belém é uma mistura de várias coisas em uma só, o que se aproxima bastante do meu estilo de arte, uma mistura de inúmeras coisas, elementos, cores... Tudo se une e reafirma a minha identidade visual como artista e como criadora, então posso dizer que a minha cidade é a melhor referência que eu tenho enquanto artista”, explica.

É justamente esta cidade recortada, mas ao mesmo tempo comprimida em diversas nuances, que instiga não somente a produção de Sagita, mas a criação de obras com diversas referências, que incomodam pelas reflexões, vendem pelo caráter quase exclusivo e provocam catarses pela qualidade e criatividade, como uma de suas últimas obras produzidas: uma “amazônica” carta de baralho de Frida Kahlo, com folhas verdes, macacos e pássaros a circundando e tendo em seu centro um coração traspassado por uma flecha. Esta e outras obras instigam uma percepção mais aguçada de quem for observá-las. É a própria artista que afirma que, quem quiser conhecer melhor sua produção “deve perceber que ela é composta por um punhado de coisas. Que não existe uma forma exata, mas que cada uma é feita a partir de um sentimento próprio e que carrega muito significado”.

Assim, as peças de Fran Farias não são apenas o resultado de unir (digitalmente) imagens não raramente díspares, mas criar diálogos, propor reflexões, ressignificar práticas, signos e – por que não?! – nós, humanos. As colagens (re)criam imagens, imaginários, raízes e significados e, em uma simbiose estética e de consumo, unem artista, público e a arte. Por vezes, em poucos clicks.

(Texto publicado originalmente no Caderno Você do Diário do Pará. do dia 05-08-2019. Enderson Oliveira é coordenador de conteúdo no DOL, professor e doutorando em Antropologia)

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