Nunca houve um governador do Pará como o tucano Simão Jatene. No ano passado, diz o balancete de dezembro que está no site da Secretaria da Fazenda (Sefa), as receitas do Governo Jatene somaram R$ 24,860 bilhões, mas ele gastou R$ 25,448 bilhões. Ou seja, torrou R$ 587 milhões a mais do que poderia, deixando um rombo de proporções nunca vistas ao seu sucessor. O buraco já visível no balancete é apenas a ponta de um déficit que o novo governo estima em R$ 1,5 bilhão.
No entanto, e por mais incrível que pareça, talvez nem seja essa a pior “herança” deixada pelo ex-governador. Tão ou mais grave é o sucateamento da rede pública, provocado por oito anos seguidos de investimentos tão reduzidos que atingiram, comprovadamente, os piores níveis dos últimos 28 anos e, talvez, de toda a história do Pará.
Segundo os balanços gerais do Estado (BGEs) e o balancete de dezembro, entre 2015 e 2018 Jatene investiu, em média, 6,30% ao ano, de tudo o que gastou. Foi a pior média de investimentos dos governadores paraenses desde 1995 – o ano do BGE mais antigo que está online. E mais: a segunda pior média de investimentos, desde 1995, também é de Simão Jatene: 6,46%, entre 2011 e 2014.
Centenas de carteiras apodrecem em espaço da Seduc. (Foto: Thiago Gomes/Ag. Pará)
O resultado é visível em todo o Estado: escolas caindo aos pedaços, penitenciárias superlotadas, falta de saneamento, falta de equipamentos para a polícia e para as unidades de saúde.
Pudera: é com o dinheiro de investimentos que são construídas ou ampliadas as obras públicas (prédios, estradas, sistemas de água e esgoto) e que são comprados os equipamentos para a rede pública. Assim, quanto menores os investimentos, piores as condições dessa rede, principalmente em estados pobres e de considerável crescimento populacional, como é o caso do Pará.
O mais intrigante é que nenhum governador paraense teve tanto dinheiro disponível quanto Jatene. De 1999 a 2002, as receitas do então governador Almir Gabriel, também tucano e já falecido, somaram pouco mais de R$ 37 bilhões, em valores atualizados pelo IPCA-E de dezembro último. Mesmo assim, Almir investiu, em média, 13,55% de tudo o que gastou. De 2007 a 2010, as receitas da então governadora Ana Júlia Carepa, do PT, somaram R$ 69,8 bilhões. E ela investiu, em média, 8,87% da despesa total. Já as receitas de Jatene somaram R$ 97,6 bilhões, de 2015 a 2018. Mas o que ele investiu, em média, ficou em 6,30%. O mesmo vale para o governo dele, entre 2011 e 2014: mais de R$ 91 bilhões em receitas, mas apenas 6,46% em investimentos, em média.
Ao contrário do que tem dito nas redes sociais, o ex-governador também não pode alegar que esse baixo investimento se deveu à diminuta receita per capita (por habitante) do Pará. É que nenhum dos governadores que o antecederam teve uma receita per capita tão grande quanto a dele.
INVESTIMENTO
Mas todos investiram muito mais. Em 1990, a receita per capita do então governador Hélio Gueiros (já falecido) ficou em apenas R$ 519,51 atualizados, mas ele investiu 24% - diz a mensagem que enviou à Assembleia Legislativa. Em 1991, a receita per capita do então governador Jader Barbalho, hoje senador, foi ainda menor: R$ 475,14. Mas ele investiu 21%. Já em 1998, na sua melhor marca, o então governador Almir Gabriel investiu 16,57%, apesar de possuir uma receita per capita de R$ 1.731,72. Em 2010, também em seu melhor desempenho, a governadora Ana Júlia Carepa investiu 11,15%, com uma receita per capita de R$ 2.595,68.
E Simão Jatene? Em seu melhor desempenho, que foi durante a campanha eleitoral do ano passado, Jatene investiu apenas 9,35%, apesar de possuir uma receita per capita de R$ 2.920,18. Ou seja: cerca de 6 vezes maior que a dos ex-governadores Hélio Gueiros, que investiu 24%, e Jader, que investiu 21%; e superior às receitas por habitante de Almir Gabriel e Ana Júlia, que também investiram mais do que ele (16,57%, Almir e 11,15%, Ana Júlia). E mais: em sua pior marca, que foi em 2016, os investimentos de Jatene ficaram em apenas 4,37%, o menor percentual de um governador em pelo menos 28 anos, apesar de a receita per capita ter atingido R$ 2.924,70, uma das maiores de todo esse período.
Naquele 2016, quando o Pará bateu no fundo do poço, o investimento inferior a R$ 1 bilhão chegou a ser menor, em termos nominais e sem atualização, até ao que o próprio Jatene investiu dez anos antes, em 2006. Foi como se o Pará recuasse no tempo, apesar de todo o expressivo crescimento populacional desde então (mais de 1 milhão de novos habitantes).
Também não vale ao ex-governador ir buscar justificativas na crise econômica mundial: os investimentos de Ana Júlia, que obteve uma média superior a dele, também ocorreram durante a crise mundial. E quanto aos investimentos de Hélio Gueiros e Jader Barbalho, nem se fala: ambos enfrentaram uma hiperinflação que fazia com que os preços subissem 3,4 vezes por dia, reduzindo a pó qualquer orçamento público ou familiar. O fato é que, além do sucateamento da rede pública e da ampliação do déficit de atendimento à população, ainda será preciso medir, no futuro, o impacto desses baixos percentuais na própria economia paraense.
Piores percentuais estão em governos de Jatene
A coisa toda é tão impressionante que Jatene “conquista” nada menos que 7 de 10 colocações, em um ranking dos piores percentuais de investimento dos governadores paraenses, entre 1990 e 2018, ou seja, ao longo de 28 anos. Ana Júlia leva o 6º lugar, por 2007; Almir leva o 3º e o 9º lugares, por 1995 e 1996. Mas Jatene “vence” o 1º,2º,4º,5º,7º,8º e 10º lugares, pelos baixos investimentos de 2011 a 2017 – ou seja, praticamente a totalidade de seus dois governos.
A exceção foi o ano eleitoral de 2018, quando ele tentou eleger o seu sucessor, o deputado estadual Márcio Miranda, e os investimentos atingiram 9,35% da despesa. Mesmo assim, esses 9,35% não figuram nem entre os 10 melhores percentuais desses 28 anos e estão abaixo do que ele mesmo prometeu.
PROMESSA
“Um governo que não se dispuser a usar pelo menos 10% do que tem nos cofres em investimentos não terá feito absolutamente nada” – disse Jatene, em abril de 2011, ao lançar a sua Agenda Mínima.
Na ocasião, ele prometeu destinar a investimentos pelo menos 10% das receitas de sua administração. Tais receitas somaram mais de R$ 188,6 bilhões (atualizados), entre 2011 e o final do ano passado. No entanto, os investimentos ficaram em R$ 11,7 bilhões, ou apenas 6,24% do total.
NÚMEROS - Veja o dinheiro (receitas) que cada governador do Pará teve disponível, de 1995 até o final do ano passado, e quanto cada um investiu em média, por ano, em relação a tudo o que gastou. Os números foram extraídos dos balanços gerais do Estado (BGEs) e do balancete de dezembro, documentos oficiais que registram todas as despesas e receitas do Governo. A atualização monetária foi realizada pelo DIÁRIO, com base no IPCA-E de dezembro último. A média de investimentos também foi calculada pelo jornal. 1- Jatene: 4,37%, em 2016 |
(Ana Célia Pinheiro/Diário do Pará)
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