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Profissionais de contação de história em Belém mantêm tradição da oralidade

O fato de uma prática tão antiga como a contação de história permanecer na vida das pessoas e que profissionais ainda trabalhem processos de criação e prática dela é porque “a presença do outro” continua sendo fundamental no processo de se transmitir co

O fato de uma prática tão antiga como a contação de história permanecer na vida das pessoas e que profissionais ainda trabalhem processos de criação e prática dela é porque “a presença do outro” continua sendo fundamental no processo de se transmitir conhecimentos, valores, afetos e elementos culturais de geração para geração. Isso é o que acreditam os muitos nomes que permeiam essa cena em Belém. Entre eles, a atriz e contadora Adriana Cruz, que este mês trabalha a formação de novos contadores durante uma oficina que segue até o dia 29 no Sesc Boulevard.


Por meio da contação de histórias, ela destaca, cria-se um processo de identificação com o lugar de onde se vem e com quem se é. “Quando eu conto uma lenda da Iara, do boto, da Matinta, eu estou sendo responsável por uma herança que recebi da minha comunidade, do lugar onde eu cresci e estou entregando a outros para que eles inventem e aumentem, mas que eles continuem contando”, diz Adriana.

E cada um terá sua opinião, mas, para Adriana, o papel do contador de histórias é afetar. “Fundamentalmente, o contador de histórias precisa te afetar e te trazer afetos, te transformar e te revelar memórias”, define. E porque ela demanda escolhas estéticas e éticas, a prática da contação é vista como uma linguagem artística, ainda que muito democrática. Na oficina ministrada por ela, por exemplo, estão profissionais da pedagogia à antropologia e o teatro. “O que eles têm é de estar imbuídos desse desejo de estar e de afetar o outro, de pensar e se preparar para isso”, orienta.

A pedagoga Luciana Oliveira, 25, conta que sempre foi movimentada pela arte, pelo corpo, e que enxerga na contação de histórias um bom caminho para se aproximar das crianças do ensino infantil até o fundamental, com as quais trabalha. “É um elemento que todo pedagogo deveria aprender, porque possibilita o contato com nossos ancestrais, nossa história e é um caminho para se repassar isso”, diz ela, que participa da oficina.

Mestrando em Antropologia, João Marques, 26, que também participa das aulas, considera que mesmo com uma profissão como a dele há afinidades com a contação de história. “A antropologia trabalha muito com contar histórias de outras pessoas. E de outra forma que não a acadêmica, a contação tem um processo com o qual as pessoas que fazem Antropologia aprendem isso”, afirma.

TRANSFORMADOR

Adriana Cruz considera que sua trajetória como contadora de histórias inicia logo em seu nascimento. Com avó e um pai que contava muitos causos, sempre existiu uma ancestralidade para ela carregar consigo e, por anos, isso foi se desenvolvendo de uma maneira mais intensa. “Quando entrei para o teatro, descobri que era a única coisa que eu sabia fazer. E dentro desse processo de cena, de teatro, eu fui construindo meu trabalho de contação de história”, diz.

Mais adiante, com o programa “Catalendas”, do qual participava do elenco e tinha transmissão para todo o Brasil pela TV Cultura, passou a conversar muito com os parceiros de elenco sobre narrativas, oralidade e sobre como colocar isso em cena com bonecos – o que já vinha desenvolvendo antes com a Cia. In Bust de Teatro com Bonecos. “Tudo isso foi convergindo de forma a me construir como contadora”, considera. E com esses anos de experiência, ela tem uma visão bem abrangente do mercado que espera esses novos contadores.

“O contador de histórias pode estar em qualquer lugar: na escola, na livraria, no shopping, na praça, na sala de casa. Espaço para ele tem muito. Basta descobrir como e onde ele vai fazer o seu processo de trabalho”, garante Adriana, que costuma fazer suas contações em todos os lugares possíveis, desde um trapiche na beira do rio até o palco de um teatro.

Para ela, esse é um campo de trabalho sempre aberto porque existe uma necessidade muito grande de que se mantenham vivos os afetos, as presenças. “Eu sei que o livro é muito rico, que o celular e a internet são processos de conhecimento e construção de pensamentos cheios de possibilidades, mas nenhum deles substitui a presença, o afeto, o estar diante do olhar do outro”, analisa. E para quem deseja seguir nessa área, não ela manda um recado. “Não vai dar para encarar só como um emprego, porque contação de história é um processo que te transforma”, avisa.

HELIANA BARRIGA É REFERÊNCIA PARA CRIANÇAS E CONTADORES

Se existe uma grande referência em contação de história no Pará, pode-se dizer que ela é a escritora e musicista Heliana Barriga. Prestes a completar 40 anos de carreira, o que inclui a publicação de livros de grande sucesso como “A Perereca Sapeca” e “A Abelha Abelhuda”, são várias as gerações de crianças que foram encantadas com seu jeito simples e muito alegre de compartilhar histórias. “Nosso papel é guiar a criança até um estado de alegria e segurança com relação a seu momento de ser criança. A criança tem confiança no contador e nos escritores”, pontua.

A revelia de toda responsabilidade como uma contadora-escritora, ela diz que é simplesmente uma pessoa feliz por viver disso e para isso. “Hoje tirei um momento para ir ao rio Inhangapi [no nordeste paraense] contar histórias para o rio. Sempre estou lapidando esse ‘eu’ interior e exterior”, afirma.

O começo da carreira de Helianna foi acompanhada de sua “mala sem fundo” que, cheia de livros e brinquedos, era levada até bibliotecas e escolas, e de onde até hoje ela acredita que tira suas histórias e criações em geral. “Eu comecei com a mala sem fundo em 1987 e as crianças daquela época hoje são pais e mães que me cobram novas histórias e apresentações. Já fiz show de juntar crianças cujos pais foram aquelas crianças de 1987. E acho legal as crianças verem o encantamento dos adultos ao seu lado. As crianças fazem o que veem e ver os pais lá, encantados, é muito bom para elas, que se sentem mais confiantes e felizes”, diz.

Atualmente, ela se dedica ao show “A Arte de Ser Criança”, em que mescla contação de história, música e dança, e cada apresentação alimenta a obra “O Livro que Dança”. “A ilustradora paraense Nairama começou a desenhar esse show e a partir das ilustrações eu venho colocando o texto. Hoje, eu já trabalho em cima da minha obra”, comemora Heliana, que também apresenta o programa “A Arte de Ser Criança com Heliana Barriga”, transmitido todo sábado, às 11h, pela radioweb IdadeMídia.Org.


Heliana Barriga se orgulha de, há quatro décadas, viver da e pela própria obra. Foto: Divulgação

GRUPO FORMADO HÁ DEZ ANOS AINDA TEM MUITA HISTÓRIA PELA FRENTE

Belém está muito bem povoada de contadores de história, começando lá em Heliana Barriga até outros nomes como Ester Sá, Zezé Caxiado, Paulo Demétrio, Tetê Vasconcelos, Andréa Cozzi e ainda uma grande leva que acabou de sair de oficinas e cursos como o que Adriana Cruz agora ministra. Inclusive, pelo fato de alguns nascerem em grupo, acabam permanecendo assim, juntos. É o caso do Ayvu Rapyta, que começou em 2008 com uma turma de professores em uma oficina de contação e que agora completa seus dez anos com ainda mais histórias para contar.

“Nós acabamos nos firmando e indo além das apresentações em escolas, onde começamos. Também passamos a ter pessoas de áreas além da educação, como eu, que sou da área da saúde, e um músico que nos acompanha em apresentações líteromusicais”, destaca Gilvanete Situba. Juntos, eles realizam principalmente apresentações voluntárias, sem cachê, assim como promovem rodas literárias em parceira com universidades.

O grupo tem histórias autorais em seu repertório e preza pelo compartilhar: “A gente divide o poema, uma historia, até na mesma contação, sem perder o ritmo”, diz Gilvanete. Mas, em especial, eles se dedicam a promover a literatura do Pará. “Acabamos sendo pesquisadores de histórias, inteirados de quem está lançando livros, poemas, e também resgatando obras esgotadas, trazendo histórias esquecidas de volta”, destaca Gilvanete. Nessa garimpagem, ainda apresentam ao público suas próprias referências, como Juraci Siqueira e Heliana Barriga.

“A gente percebeu que, quando chegava com esses autores, a maioria das pessoas não conhecia, mesmo muito deles sendo premiados e conhecidos fora do estado”, comenta Gilvanete. Foi assim que eles começaram, em 2015, o projeto “Vozes Literárias”, no canal do grupo no YouTube. Trata-se de um conjunto de minidocumentários em que entrevistam esses autores e contadores de referência. O mais recente foi com Antônio Juraci Siqueira e o próximo será José Ildone, autor de Vigia, com mais de 50 anos de escrita.

Para eles, apresentar autores e formar novos contadores é fundamental para que um alimente a existência do outro. E mais: eles veem em Belém um grande potencial para a contação de histórias. “Todo ser humano é um contador em potencial, mas nós, com nossas lendas e causos, somos um prato cheio. Fora daqui, os contadores amazônicos são vistos de maneira especial por isso, são muito valorizados por seu repertório. Quanto mais contadores estiverem povoando os espaços, praças, bibliotecas, livrarias, mais a cidade tem a ganhar”, garante Gilvanete.


Celebrando dez anos em 2018, o grupo Ayvu Rapyta realiza principalmente apresentaçãos voluntárias, sem cachê. Foto: Divulgação

(Lais Azevedo/Diário do Pará)

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