Cuidado. Aquele comentário nas redes sociais, publicado em momento de ânimos acalorados ou por simples “brincadeira”, pode ser usado contra você no tribunal. Assim como a “ostentação” em sites de relacionamentos pode complicar sua vida em uma demanda judicial. Quem alerta é a advogada especialista em Direito Civil Sabrina Dourado, 35 anos. Professora e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia, Sabrina vem se debruçando sobre o tema das redes sociais como fonte de provas em demandas judiciais. Em Belém para uma série de palestra, a advogada falou sobre como se proteger de processos e como agir caso você seja o alvo da agressão.
P:As redes sociais têm sido usadas como fontes de provas em vários processos. Qual a fundamentação jurídica para esse uso?
R:A fundamentação jurídica é variada. Nós temos um código de direito processual civil que nos dar possibilidade de autorização das mais variadas provas eletrônicas. Desde a oitiva de testemunhas por meios eletrônicos, a realização de audiências usando ferramentas eletrônicas como Skype, até a utilização de postagens em redes sociais como meio de prova.
P:Muita gente ainda faz uma distinção entre mundo virtual e mundo real e se sente mais livre no mundo virtual. Quais os riscos desse comportamento?
R:A gente não pode distinguir o que se compreende como mundo virtual hoje, do nosso mundo real efetivo. Essas são realidades que se misturam. Nós temos hoje uma série de ferramentas eletrônicas que nos permitem publicizar o nosso dia a dia, as nossas aquisições. Isso não pode ser desprezado, especialmente em um contexto de um conflito. O nosso judiciário tem utilizado muito dessas ferramentas para checagem, por exemplo, do nosso possível padrão social, das nossas condutas, da razoabilidade daquilo que nós dizemos acerca de nós mesmos e dos outros. Não dá mais para distinguir as duas realidades, elas existem e são observadas em conjunto.
P: Então, tudo o que se posta nas redes pode ser usado contra nós?
R:A todo instante podemos estar produzindo provas contra nós. Apesar de existir a garantia de não produzirmos prova contra nós mesmos, a gente acaba fazendo isso, a partir do momento que a gente publiciza um comentário agressivo acerca do outro, faz uma chacota pública ou exibe um padrão social. Uma pessoa que posta fotos em restaurantes caros e viagens e depois vai à Justiça pedir um serviço gratuito, por exemplo, pode ter o pedido negado em razão dessas postagens.
P: As redes sociais têm sido um celeiro de discurso de ódio contra negros, mulheres e gays. Como conciliar liberdade de expressão com combate a esse discurso? RA própria constituição e os nossos sistemas jurídicos têm de criar, sim, ferramentas que nos permitam o exercício da nossa liberdade, mas sem esquecer o respeito mútuo. Sem deixar de se observar a dignidade da pessoa humana. Hoje, a gente já tem várias demandas judiciais que buscam repreender aqueles que atuam sob o manto do anonimato. A liberdade não pode ser um palco aberto para a violação aos direitos e às garantias fundamentais, nem do outro indivíduo, nem da sociedade como um todo.
P: Crimes, como racismo, têm a mesma gravidade penal dentro e fora da internet?
R:Na esfera penal, a gente observa sempre a incidência do tipo penal. A ferramenta probatória em si não é relevante.
P: Qual o limite entre liberdade de expressão e o crime de opinião, digamos assim?
R:É muito difícil esse limiar. É uma linha muito sensível. A liberdade de expressão deve ser exercida, mas sempre observando o respeito ao próximo. Eu acho que a partir do momento que o sujeito começa a se utilizar de palavras agressivas, de expressões injuriosas, caluniosas, desrespeitosas e ultrapassa a esfera do campo da personalidade do outro, aí a gente já começa a ter problemas na esfera criminal também.
P: Uma nova demanda judicial diz respeito ao vazamento de imagens íntimas, como ocorreu com a atriz Carolina Dieckman. A lei tem sido efetiva na punição desses casos?
R:A lei tem sido aplicada de forma extremamente rígida, seja em relação ao sujeito responsável pelos vazamentos das informações, seja em relação àquele que disseminou as informações. Já existem delegacias e órgãos específicos para repreensão de crimes que são praticados na internet.
P: Por outro lado, essas redes sociais como Facebook, resistem em quebrar o sigilo de pessoas suspeitas de crimes...
R:Esse é um problema que a gente enfrenta hoje. Toda realidade nova traz consigo uma série de questões que são jurídicas e não jurídicas. Há valores que realmente precisam ser preservados, como a intimidade, a vida privada de um usuário. Mas particularmente acho que quando se observa condutas que infringem a ordem social como um todo, devemos pensar com mais cuidado sobre a validade da quebra desse sigilo.
P: Então a senhora é a favor da quebra do sigilo?
R:Em casos extremos, sim. A gente tem casos de violência contra menores, de violência sexuais, condutas delituosas que vão gerar incidências de tipos penais graves. O interesse público e o bem-estar integral de crianças e adolescentes merecem uma atenção especial em detrimento dessa privacidade. Mas veja, em momento algum eu estou dizendo que a privacidade das pessoas deva ser devassada, mas que devem ser observados casos concretos em que isso seja necessário para preservar um bem maior para a sociedade em geral.
P: Quais as suas dicas para o usuário das redes sociais?
R:Ter muita atenção ao que publiciza, ao que se comenta nas redes sociais. Já que há o risco de a gente acaba externando um posicionamento que não é bem aquilo que a gente desejava externar e que não é tão facilmente compreendido.
P: E o que fazer quando você é vítima de alguma agressão nas redes?
R:Imediatamente fazer o print da tela e, querendo proteger, ainda, de forma mais específica a prova, fazer a documentação por meio de uma Ata Notarial. A Ata Notarial é um instrumento público. Qualquer cidadão pode se dirigir ao cartório. Ela tem um custo, mas você pode lavrar um documento que vai te dar uma proteção para uma possível demanda judicial. O tabelião competente vai fazer a certificação de que realmente havia um comentário agressivo no perfil tal que foi feito às tantas horas, em tal dia. Isso traz uma segurança maior para a prova eletrônica, que é tão fácil de deletar e de deturpar.
(Rita Soares/Diário do pará)
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