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'Desigualdade é nosso pecado capital", afirma historiador José Murilo de Carvalho

Se você já assistiu a uma aula ou leu um livro de História, já deve ter deparado com um texto ou citação do autor José Murilo de Carvalho, 77 anos, um dos maiores historiadores brasileiros. Entre seus livros mais famosos, está “Os Bestializados”, em que d

Se você já assistiu a uma aula ou leu um livro de História, já deve ter deparado com um texto ou citação do autor José Murilo de Carvalho, 77 anos, um dos maiores historiadores brasileiros. Entre seus livros mais famosos, está “Os Bestializados”, em que descreve como o povo assistiu à Proclamação da República, exemplo de fato histórico que excluiu a massa e que, ao contrário do que prometia, não provocou mudanças profundas na estrutura da sociedade brasileira, marcada pela desigualdade. Também cientista político, Murilo de Carvalho esteve em Belém para uma palestra na qual traçou um cenário da instabilidade política que acompanha a democracia brasileira desde sua origem. O historiador recebeu o DIÁRIO para uma conversa sobre o Brasil do passado e o país que temos hoje.

P - A História, como escreveu Karl Marx, se repete?

R - Não. Há uma dinâmica histórica. Cada momento tem sua especificidade. Isso não significa que não haja certas continuidades, tendências. Mas cada conjuntura tem seus ingredientes próprios que o historiador tem de levar em conta.

P - Algumas pessoas têm associado a polarização da sociedade atual com o que ocorreu nos anos de guerra fria e com o golpe militar no Brasil em 1964. O senhor vê similaridades?

RAlgumas coisas estão presentes. Uma delas é que se mantém no Brasil o conflito em torno da distribuição de renda. Mas dois ingredientes fundamentais, que existiam naquele momento, não existem hoje. Um deles é a interferência militar na política, que era endêmica desde a Proclamação da República. Outro era a Guerra Fria, que afetava profundamente a atitude das pessoas e servia para manipular o medo do comunismo. Esses dois fatores, que foram fundamentais em 1964, não estão presentes. Isso mostra claramente que pode haver certas similaridades, mas em circunstâncias completamente diferentes.

P - Em algumas manifestações, aparecem pessoas pedindo intervenção militar no Brasil. Como o senhor analisa esse tipo de situação?

R - Os militares não têm interesse nenhum em se meter em política. Acho que devem permanecer assim.

P - Como as novas mídias influenciam os fatos?

R - Os mecanismos de participação, de envolvimento dos cidadãos na política, se alteraram radicalmente com a chegada das redes. Nos anos de 1960, nem televisão tinha direito. Prevalecia mesmo era o rádio e a imprensa. A reação à posse do Jango (João Goulart, o vice- presidente que assumiu com a renúncia de Jânio Quadros em 1961), por exemplo, era noticiada pela Rádio Guaíba, do Rio Grande do Sul. Hoje está havendo uma alteração radical, que ninguém está conseguindo perceber até onde vai isso. Os gregos chamavam a praça pública de debates de Ágora. Eu creio que a nova Ágora são as redes sociais, onde todo mundo entra, fala, às vezes com uma virulência extraordinária, e isso já tem afetado as políticas públicas, porque qualquer político acompanha e pode tomar decisões a partir daí.

P - O senhor está presente nas redes sociais?

R - Não. Eu não aguento. Não é para mim (risos). Talvez daqui a algum tempo. Mas nem sei como os historiadores vão trabalhar com isso (o conteúdo das redes). É uma quantidade imensa de dados, e dados voláteis. Uma fonte importante para os historiadores, por exemplo, eram as correspondências. E elas acabaram.

P - Olhando a História do Brasil de 1822 (ano da Independência) para cá, como é que o senhor define o nosso País? O que é o Brasil?

R - Boa pergunta. Também gostaria de saber (risos). Mas nós temos certos pecados capitais que deixam rastros até hoje. Fomos colonizados por Portugal que não estava, naquela época, na vanguarda do desenvolvimento científico, ou mesmo no que diz respeito aos avanços na representação política. Tivemos a escravidão, que durou até fim do século 19. Isso deixou marcas profundas em nossos valores. Tivemos aqui uma sociedade patriarcal, escravocrata e, além disso, uma distribuição de terras feita de maneira muito desigual e até ilegal. Isso criou grupos da população muito desfavorecidos, para usar uma palavra bastante light.

P - E há salvação para nossos pecados capitais?

R - É um processo muito lento. Mas está havendo mudanças. Veja o caso das mulheres. Essa é uma das áreas que tem havido avanços. Quando fui estudante, por exemplo, praticamente não havia mulheres em cursos como Medicina e Engenharia. Há claramente um avanço nisso. As coisas mudam muito lentamente, mas mantendo um pouco essa estrutura hierarquizada, que é difícil tirar.

P - A gente vê grande interesse por livros que falam sobre o nosso passado, como os do jornalista Laurentino Gomes entre os mais vendidos. Como o senhor avalia esse procura?

R - Existe um interesse crescente. Uma das coisas que tenho falado é que historiadores brasileiros não escrevem para um público grande. Acho importante que a gente realmente saia da tribo. Isto é, pare de escrever apenas para o nosso grupinho, tentando escrever de maneira difícil, complicada e tendo inclusive certa má vontade em relação a textos que são simples, que são acusados negativamente de serem textos jornalísticos e não de História.

P - Tem uma rixa entre historiador e jornalista?

R - Olha, eu como historiador escrevo para as revistas especializadas que contam ponto nas avaliações Aí vem Laurentino, Lira Neto (jornalista autor de uma biografia de Getúlio Vargas), que escrevem de maneira acessível e vendem feito água. Os historiadores brasileiros não querem escrever nem biografia, porque acham que isso não é um gênero nobre da História. Quem escreve biografia então? Jornalistas. Eu venho defendendo, sem nenhum êxito, que é preciso escrever para a revista especializada, mas também para o público. Isso é até uma obrigação cívica.

(Rita Soares)

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