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O drama dos concursados no Pará

Lady Diana das Neves Pinheiro sobrevive como manicure. Ganha R$ 20 por cliente. O dinheiro é a única renda para as despesas da casa simples, de dois cômodos de madeira, no bairro do Curió-Utinga, em Belém, onde ela mora com o filho de 17 anos. “Nem tod

Lady Diana das Neves Pinheiro sobrevive como manicure. Ganha R$ 20 por cliente. O dinheiro é a única renda para as despesas da casa simples, de dois cômodos de madeira, no bairro do Curió-Utinga, em Belém, onde ela mora com o filho de 17 anos.

“Nem todo dia dá. Tem mês que quase não dá nada. Em datas comemorativas é quando dá um troquinho maior, mas nada comparado a você trabalhar e ter o salário fixo todo mês”.

Lady Diana está há cinco anos na batalha para entrar na vaga de Serviços Gerais, do concurso da Secretaria Municipal de Educação (Semec), da prefeitura de Belém, realizado em 2012. Ela é apenas uma das centenas de concursados no Pará que aguardam pelo direito de serem nomeados.

Atualmente, 23 concursos públicos estão abertos e em vistas de perderem a validade em órgãos do governo do Estado e das prefeituras de Belém, Ananindeua e outros municípios no Pará, segundo dados da Associação dos Concursados do Pará (Asconpa).

Sem a nomeação, os problemas financeiros vêm se acumulando e o que deveria ser uma solução acabou se tornando problema. “Quando a prefeitura abriu esse concurso, ela ofereceu, para o cargo que eu fiz, 600 vagas. Fui lá, me inscrevi, estudei, paguei cursinho, fiz, passei, me classifiquei e estou há cinco anos tentando entrar em uma vaga que por lei é minha”, desabafa.

“É um sacrifício que a gente faz e fica frustrado. Eu estou desempregada esse tempo todo”.

Nesses cinco anos, concurseiros na mesma situação de Diana chegaram a ser convocados, mas não foram empossados. “Ele [prefeito] convocou por que a Justiça determinou. E a justificativa dele foi de que entendeu que a ordem do juiz que era só a de convocar. Se fez de besta diante de um mandato. Resumindo: a gente fica igual bola de ping-pong, um joga pro outro”, reclama.

Os gastos para realizar o sonho de entrar no serviço público não foram poucos. “O cursinho custou, na época, R$ 300 e a inscrição foi R$ 35. Fora isso, a gente vem gastando com o processo. Se for colocar no bico do lápis...”.

Protesto de concursados não nomeados no município de Jacundá, interior paraense. (Foto: Divulgação/Asconpa)

Lady Diana diz que se sente enganada pelo poder público. “Com certeza. A gente vai lá, gasta dinheiro, que muitos de nós não temos. Tem gente que pede emprestado pra ir fazer [concurso], com a esperança de um emprego e já se passaram cinco anos e nada”.

O pior, segundo ela, é ver a vaga para qual foi aprovada sendo ocupada por temporários. “A prefeitura diz que não tem verba para chamar os concursados, mas tem para manter um temporário. Não tem verba para chamar a gente, que somos donos das vagas, mas tem para ser ocupada por outras pessoas que não se esforçaram, que não fizeram concurso público”.

Em meio à batalha para garantir a nomeação na vaga conquistada, Lady Diana diz não perder a esperança. “Eu me sinto furtada do meu direito. Eu sinto como se ele [prefeito] estivesse roubando uma coisa que é minha, que eu conquistei. Que lutei pra conquistar. A gente fica muito triste porque a luta é muito grande. Em que a gente olha pra Justiça e diz: cadê ela?”.

MPT e MPE atuam a favor dos concursados

Concursados da prefeitura de Igarapé-Açu protestam e denunciam nomeação de temporários. (Foto: Divulgação/Asconpa)

O sonho de passar em um concurso público tem sido cada vez maior entre os brasileiros. A busca pela estabilidade profissional, pela estabilidade financeira e pela qualidade de vida só cresce.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por ano, cerca de 5% da população brasileira, 10 milhões de pessoas, buscam uma vaga no serviço público.

Em meio aos desafios, esforço e dedicação por uma vaga concorrida ainda está o medo de passar e não ser chamado.

Para atuar no combate às fraudes da administração pública e em favor dos concursados, a Coordenadoria de Combate às Irregularidades na Administração Pública, do Ministério Público do Trabalho, vem agindo desde 1993.

“Por meio de notícias de irregularidade, o MPT tem atuado para tentar fechar acordo com os estados, municípios, os órgãos”, explica o procurador Sandoval Alves da Silva.

No Pará, há atuações do MPT contra o poder executivo do Estado; a Assembleia Legislativa; contra o Tribunal de Contas do Estado; Tribunais de Contas dos municípios; Câmara Municipal de Belém; contra vários órgãos do município de Belém e contra quase todos os municípios paraenses. Algumas das ações contam ainda com a parceria do Ministério Público do Estado.

Segundo o procurador, o objetivo tem sido o de “tentar desenvolver acordos para que eles efetivem concursos e tirem as formas mais conhecidas de burlar o concurso ou mérito no acesso ao cargo como temporários, excesso de cargo em comissão, terceirização sem extinção do cargo. Tirar a oportunidade e roubar o mérito de quem deveria ser servidor”.

Sandoval explica que o MPT atua ainda responsabilizando pessoalmente os gestores que cometem irregularidades na administração pública.

“As sanções são muitas. A mais conhecida civilmente é pedir indenização. Posso pedir para que o gestor seja pessoalmente responsável a indenizar os cofres públicos por ter utilizado a maquina estatal em benefício próprio, em benefício de apadrinhamento, de forma a tentar comportar questões partidárias”, diz.

“Temos ainda a ação de improbidade administrativa. Ele pode ficar inabilitado para ocupar a função por um período de oito anos, pode perder o cargo, pode vir a indenizar”, completa. “O administrador muda, o Estado não. E é o Estado quem tem a obrigação de contratar e de dispensar aqueles que foram contratados irregularmente”.

EXPECTATIVA DE DIREITO

Há alguns anos, a aprovação no concurso público não era garantia de posse. Entendia-se que a nomeação era critério de oportunidade avaliado pela administração pública e assim, encerrado o prazo do concurso, quem não fosse nomeado perderia o direito de exercer o cargo e a administração pública estaria livre para realizar novo concurso. Era a mera expectativa de direito.

Mas segundo Sandoval, tanto o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já afirmaram que as pessoas que receberam aprovação dentro do número de vagas têm direito adquirido.

“Se tinham dez vagas ofertadas no edital, até o décimo ele tem direito a ser chamado. Pronto e acabou. Agora, e além dos dez? ele pode vir a ter direito. Qual é o caso? Se, por ventura, aquela instituição, órgão, estado ou município tiver uma contratação precária”, explica.

“Está acima das vagas, mas tem temporário? Por que não chama o concursado? Tem cedido em excesso? Se sim, por que que não chama os aprovados? Se constatar a necessidade que o órgão precisa, mas está utilizando mão de obra precária em detrimento de um aprovado no concurso público, aquele concursado tem direito a ser nomeado, chamado para ocupar aquele cargo”, garante o procurador.

Para quem está nessa situação, o procurador do trabalho dá algumas orientações. “Se ele quer proteger o próprio interesse, tem que procurar um advogado, ir à Justiça, entrar com uma ação para que ele seja chamado. Além disso, ele pode dar a notícia de irregularidade ao Ministério Público. O MP não vai proteger o fulano individualmente, mas toda a coletividade que estiver sendo abrangida. O MP vai pedir para que aquela instituição chame tanto quantos bastem para ocupar as contratações precárias, irregulares e fraudulentas”.

Processos Seletivos: uma forma de burlar os concursos?

Quem acompanha os sites e seções de concursos já deve ter notado a quantidade de processos seletivos simplificados, os PSSs, abertos.

Diferente do concurso público, nesses casos, a contratação do servidor se dará de forma mais simples, rápida e objetiva, através de provas e títulos e podendo ocorrer através de análise de currículo. A previsão dessa modalidade de ingresso, na esfera federal, encontra-se na Lei 8.745/93, reprisada nas esferas e regionais por leis estaduais.

O procedimento é usado na seleção de profissionais para atender as necessidades de contratação temporária de excepcional interesse da administração pública. Mas há quem veja que os PSSs são mais uma forma de contratar servidores sem a necessidade de concurso.

José Emílio Almeida, presidente da Associação dos Concursados no Pará (Asconpa), classifica esses processos seletivos como “inconstitucional” e “ilegal”.

“O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou ação civil contra todos os processos seletivos. Os PSS são instrumentos de contratação político-partidária, onde os candidatos são avaliados por currículo e sem a realização de provas”, argumenta.

Recentemente, Janot pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare inconstitucionais trechos de lei do Pará que possibilitam a contratação temporária de profissionais, sem concurso público, para suprir falta ou insuficiência de pessoal para execução de serviços essenciais.

Concursados da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc) exigem nomeação. (Foto: Divulgação/Asconpa)

Para a PGR, a Lei Complementar 7/1991 do Pará abre espaço para que a mera carência de pessoal em serviços essenciais (saúde, educação, segurança pública, entre outros) seja suprida por servidores contratados sem concurso. Segundo Janot, a norma “tem causado distorções graves na admissão de trabalhadores no Pará”.

O procurador Sandoval Silva lembra que cargos criados pela Constituição, como o agente de endemias e agentes de saúde, exigem um processo seletivo simplificado. “Esse processo seletivo se equipara a um concurso público. Então, eu estou contratando como servidor efetivo. Assim, se o processo seletivo for para temporário, ele é um critério objetivo de mérito, moralmente aceitável para contratar temporário. Agora, se ele é para cargos como agente de endemia e saúde, ele tem uma equiparação a concurso público e não tem nada de inconstitucional”.

Desmotivação, estresse e ansiedade

A inércia para as nomeações nos concursos públicos causam problemas que vão além do financeiro. A saúde dos concursados também corre o risco de ficar abalada com o grande desgaste físico e emocional. Até casos de depressão podem ser diagnosticados. A psicóloga do trabalho Bianca Nascimento explica como essa situação prejudica a saúde dos concursados.

Veja a entrevista:

DOL: Que tipo de problemas essa situação pode acarretar aos concursados?

Bianca Nascimento: Trata-se de grande investimento emocional, cujas consequências podem variar desde frustação, desmotivação, estresse, ansiedade até uma depressão, conforme o funcionamento de cada indivíduo.

DOL: Quais os traumas mais comuns?

BN: Entre as principais possibilidades de traumas estão desânimo para participar de outros processos seletivos de concurso, depressão por ter sido aprovado e atribuir muita expectativa de mudança de vida com tal aprovação, mas isso demorar ou não acontecer; descrédito de novos processos seletivos.

Bianca Nascimento, psicóloga do trabalho: Fazer a leitura atenta do edital ajuda a lidar melhor com a realidade do processo e estar ciente das etapas. (Foto: Arquivo pessoal)

DOL: O embate pode desgastar demais quem busca garantir seus direitos?

BN: Tal processo pode ser extremamente desgastante. Haja vista que a pessoa primeiro investe tempo, abdicando de outros diversos fatores de sua vida para se dedicar aos estudos e conseguir passar. Porém, ao passar não tem assegurado seu direito e, por vezes, vê-se em outro embate e forte envolvimento emocional: a ação judicial, agora novamente com o custo financeiro, considerando que grande parcela dessas pessoas deixa suas fontes de renda para ter tempo de estudar. Fato que pode, inclusive, motivar o indivíduo a fazer empréstimos e se endividar, agravando a situação emocional.

DOL: Que tipo de atitudes os candidatos podem tomar para não terem a saúde debilitada em caso de um stress como este?

BN: Fazer a leitura atenta do edital ajuda a lidar melhor com a realidade do processo e estar ciente das etapas, períodos e possibilidades desta seleção. Além disso, equilibrar suas atividades de modo a garantir um tempo para si, realizando alguma ação prazerosa, que possa auxiliar a manter a saúde emocional.

DOL: Que mensagem você deixa para as pessoas que estejam nessas condições?

BN: Preparem-se para as possibilidades boas (ser chamado logo após a aprovação) ou ruim, lidar com a necessidade de buscar auxílio judicial. Isto é, estar consciente a respeito das possíveis consequências e se planejar, ainda que financeiramente. Isso ajuda a diminuir a ansiedade e se organizar emocionalmente para lidar com possíveis percalços.

Asconpa e a luta pelos concursados do Pará

Na luta para garantir a nomeação de aprovados em um concurso do governo do Estado, realizado em 2008 para vários órgãos, nascia em 2009 a Associação dos Concursados do Pará (Asconpa). A entidade localizada no movimento popular, cobra os direitos dos concursados através da luta organizada e ações judiciais de forma gratuita.

“Fazíamos manifestações, protestos na Augusto Montenegro e foi dando certo. Depois, outros concursados pediam orientação, como organizar os protestos e acionar o Ministério Público e a Justiça. Assim, foi surgindo a Associação”, lembra José Emílio Almeida, presidente da Asconpa.

Segundo ele, de 2009 para cá já houve êxito em mais de 30 mil nomeações de concursos do Estado, prefeituras, além de tribunais e Ministério Público.

A grande dificuldade para as nomeações dos concursados, de acordo com ele, se dá por conta dos favores políticos. “A administração não nomeia porque as vagas que deveriam ser de concursados já tem destino às trocas por favores políticos. Nos municípios é muito comum ver o prefeito querer anular o concurso e destinar as vagas para temporários”, critica.

Emílio desaprova também a terceirização. “A administração pública vai ser desobrigada a fazer concurso público”, analisa. “Prevejo muita luta, muita necessidade de organização, independente de partido político”.

José Emílio Almeida, presidente da Asconpa: "Nos municípios é muito comum ver o prefeito querer anular o concurso e destinar as vagas para temporários." (Foto: Divulgação/Asconpa)

E mesmo com a luta para as nomeações e com as dificuldades que podem crescer com as terceirizações, Emílio aconselha a quem deseja entrar no serviço público a não desistir. “Se abrir um concurso, faça. Lute pela vaga. É um direito adquirido seu”.

Outra orientação é que o concursado procure a Asconpa, através do Blog dos Concursados, da página da Asconpa no Facebook ou pelo e-mail [email protected]. A associação não cobra mensalidade, é sempre na base da coleta e os advogados fazem o serviço com o preço abaixo do mercado.

Posicionamento dos órgãos públicos

Sobre as pendências nos concursos públicos no âmbito do Estado do Pará, Prefeituras de Belém, Ananindeua e Igarapé-Açu, o DOL entrou em contato com as secretarias responsáveis e solicitou nota em resposta aos problemas referentes as nomeações.

A Secretaria Estadual de Administração do Estado (Sead), assim como a Semec e a Prefeitura de Ananindeua não responderam, até o fechamento desta reportagem, nenhum dos e-mails que foram enviados.

Em relação ao concurso do município de Igarapé-Açu, a reportagem conseguiu falar com o prefeito Ronaldo Lopes (SDD) que respondeu afirmando que o certame realizado em 2016 será cancelado visto que o governo passado realizou sem verificar o orçamento municipal e que o ato de nomeação, ocorrido no final do ano passado, fere os princípios da Lei 101/2000 que trata da responsabilidade fiscal.

"O ato de nomear os concursados, ao final do governo em 26 de dezembro do ano passado foi um ato retaliatório da gestão como forma de revanchismo por ter perdido as eleições. A Lei de Responsabilidade Fiscal torna a nomeação ato nulo no pré e pós eleições", disse o prefeito por telefone.

O chefe do Executivo afirmou ainda que a licitação do concurso tinha vícios e que por isso está sub júdice no Tribunal de Justiça do Estado

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