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Médica quebra tabus após ser assediada e agredida

"A primeira delegada que soube do meu caso nem olhou pra mim. Ela se negou a me receber. Eu me senti desprezada, humilhada. Naquele momento, muitas mulheres teriam desistido de levar a denúncia adiante, porque a gente já chega na delegacia com medo. Minha

"A primeira delegada que soube do meu caso nem olhou pra mim. Ela se negou a me receber. Eu me senti desprezada, humilhada. Naquele momento, muitas mulheres teriam desistido de levar a denúncia adiante, porque a gente já chega na delegacia com medo. Minha família e meus amigos não me deixaram desistir” (Foto: Wagner Santana)

Na semana em que o Brasil assistiu, horrorizado, ao desenrolar da denúncia por assédio feita pela figurinista Susllem Tonani contra o ator global José Mayer, um emblemático caso de agressão contra uma mulher foi julgado, em Belém. A vítima foi a médica paraense Myriam Ruth da Silva Magalhães, 23 anos (leia sobre o caso, à direita). Há 1 ano, ela estava com um grupo de amigas, curtindo uma noite de domingo, em um bar.

Myriam conta que, no local, foi abordada pelo lutador de de jiu-jitsu Airton Carneiro. Ele tentou agarrá-la, mas ela o empurrou e foi agredida com um soco. A ação foi tão violenta, que a moça ficou com o olho roxo. Ela não se calou. A então estudante de Medicina denunciou a agressão nas redes sociais e levou o caso à Polícia.

Nesta entrevista exclusiva ao DIÁRIO, concedida 2 dias após a decisão da Justiça que condenou o agressor a pagar cestas básicas, Myriam, que se formou em Medicina e agora faz residência em cirurgia geral, fala do medo de ser julgada e do desamparo que sentiu. Mas garante: “Hoje, me sinto mais corajosa para falar o que sofri e encorajar outras mulheres a denunciar casos de violência”.

Em algum momento, você temeu fazer a denúncia da agressão?
Sim. Senti medo do que as pessoas iam pensar de mim. De acharem que eu queria me promover de alguma forma, ou que eu estava inventando, porque sempre tem alguém que questiona. Tive medo de o caso me afetasse profissionalmente. E tive medo de ser julgada.

Em que momento você decidiu que iria denunciar a violência?
Na hora que aconteceu, meu impulso foi denunciar, porque sabia que aquilo estava muito errado por todo meu histórico familiar. Mas só me senti segura quando vi que minha família ia me apoiar, independente do desfecho. As mulheres da minha família são mulheres muito fortes. Minha mãe teve uma infância difícil e ela sempre me inspirou. Desde pequena eu percebi o quanto a mulher precisa se impor.

Um fato que marcou nesse caso é que você não foi recebida na Delegacia da Mulher. Como você se sentiu nesse momento?
A primeira delegada que soube do meu caso nem olhou para mim. Não ouviu o que tinha acontecido da minha boca. Ela se negou a me receber. Naquele momento, muitas mulheres teriam desistido porque a gente já chega com medo. Acho que na cabeça dela, eu poderia estar bêbada e aquilo não tinha importância. Mesmo que eu estivesse bêbada, não justifica a atitude. Ela estava em um lugar de acolhimento. Acho que tem de receber quem chega. Eu me senti desprezada, julgada, humilhada. Mas a minha família e meus amigos não me deixaram desistir.

A partir daí como que se deu o processo da denúncia?
No dia seguinte, procuramos a Delegacia de Crimes Comuns, mas os delegados estavam em greve, então não conseguimos registrar o boletim de ocorrência. Tivemos de voltar no dia seguinte. Ai sim fui recebida por um delegado, que nos recebeu e registrou o boletim. Só fui fazer o exame de corpo de delito, 3 dias depois.

Diante de tantos problemas, muita gente teria desistido...
Acho que, com um pouco menos de esclarecimento ou menos apoio, eu também teria desistido. Se a gente parar para pensar, a realidade das mulheres é de estarem sozinhas em horas como essas. E você se ver sozinha e não receber acolhimento, a tendência é desistir. Passam mil coisas pela nossa cabeça. Medo de que possa acontecer de novo, medo de que o agressor te procure, de que as pessoas achem que você é a errada.

Você já tinha passado por uma situação de assédio ou violência antes?
Assédio acho que a gente sofre todo dia, mas violência não. Diante do assédio, a sensação é de desconforto e revolta. Estar andando na rua e ouvir coisas obscenas. Muitas vezes, a gente está só e quer reagir, mas não consegue.

Além de fazer a denúncia, você também levou o caso para as redes sociais.
A minha mãe estava muito revoltada, fez um desabafo e me perguntou se podia. Eu concordei, porque eu acho que se a gente não fala, as pessoas não sabem. E se elas não sabem, nada muda. No início, eu sabia muito bem a proporção que isso ia tomar. Conheci muitas mulheres que vieram falar comigo, contaram que tinham passado por situação parecida e não tinham tido coragem de denunciar. Alguns homens também falaram comigo. Houve uma mobilização tão grande, que me serviu de lição. Algumas pessoas me julgaram, questionaram se eu estava falando a verdade. Mas eu sei que estou falando a verdade e fazendo a coisa certa. Então, sigo em frente.

Que avaliação você faz do caso da figurinista que denunciou o ator José Mayer por assédio sexual?
Sinto muito orgulho. Nós, mulheres, estamos criando coragem para denunciar a violência, que muita gente não sabe ou finge que não sabe. A gente sempre pensa que violência é coisa que acontece na novela, na casa do outro. Quando alguém passa por isso e tem coragem de denunciar, nos dá mais força. Agora, afastar o José Mayer da televisão não resolve tudo. Será que ele realmente tomou consciência do que fez ou está apenas tentando salvar a imagem? O ideal é que esse tipo de coisa não aconteça mais.

O seu agressor foi condenado a pagar cestas básicas. Como você avalia essa decisão da Justiça?
Ainda estou digerindo. Fiquei um pouco decepcionada. A Justiça tratou como agressão leve. Mas não foi leve. Fisicamente, não foi uma agressão leve. Psicologicamente, não foi uma agressão leve. Teve impacto na minha vida acadêmica. Na época, eu ainda era estudante. Foi doloroso. Pra mim, não foi leve.

O que você diria para outras mulheres que já passaram ou estão passando por situação semelhante?
Tenham coragem e acreditem que a gente é capaz, mesmo que outras pessoas digam que não. Muitas vezes, numa relação, as pessoas ao nosso lado nos fazem acreditar que somos fracas, não somos boas o suficiente e a gente acredita. Nenhuma mulher merece ser agredida, física ou psicologicamente.


Airton Carneiro (Foto: Reprodução/Facebook)

Condenação do agressor: 5 cestas básicas

No dia 10 de abril do ano passado, um domingo, a então estudante de Medicina Myriam Ruth da Silva Magalhães saiu para se divertir com amigas. O lugar escolhido foi o bar Toca Restô, ponto de encontro de jovens na capital paraense. Myriam chegou ao local por volta de 20 horas e foi direto para mesa que havia reservado com as amigas. Assim que as jovens chegaram ao local, um grupo de rapazes se aproximou e colocou bebidas sobre a mesa.

Myriam e as amigas ficaram incomodadas, chamaram os seguranças, mas os rapazes não se afastaram. Myriam denunciou que um deles, o lutador de jiu-jitsu Airton Carneiro, tentou agarrá-la por trás. Ela o empurrou. Irritado, ele a agrediu. A estudante levou um soco no rosto, caiu no chão e foi chutada. Myriam precisou enfrentar um longo caminho para denunciar a agressão. Na Delegacia da Mulher, a denúncia foi recusada. Ela não desistiu. Levou a denúncia a uma delegacia comum. O caso ganhou repercussão nas redes sociais. Na última quarta-feira (5), Airton foi processado pela agressão. Ele foi obrigado a pagar 5 cestas básicas a entidades carentes.

(Rita Soares/Diário do Pará)

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