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Pesquisadora fala sobre violência contra mulher

Maria Luzia Miranda Álvares, 75 anos, é uma referência quando o assunto é a luta pelos direitos das mulheres no Pará. Doutora em Ciência Política, coordenadora do Grupo de Estudos Eneida de Moraes da Universidade Federal do Pará (Gepem/UFPA), Luzia é uma

Maria Luzia Miranda Álvares, 75 anos, é uma referência quando o assunto é a luta pelos direitos das mulheres no Pará. Doutora em Ciência Política, coordenadora do Grupo de Estudos Eneida de Moraes da Universidade Federal do Pará (Gepem/UFPA), Luzia é uma desbravadora. A luta começou dentro de casa. Educada em colégio de freira, casou jovem e tudo indicava que seguiria o script escrito pela sociedade para as mulheres de sua geração.

Com os filhos criados, porém, resolveu voltar a estudar. Fez mestrado, doutorado, tornou-se professora universitária, escritora e, há 30 anos, está nas ruas lutando por igualdade de gênero. Nas últimas semanas, o tema da violência contra a mulher ganhou visibilidade diante do estarrecedor caso de uma adolescente de 16 anos, vítima de um estupro coletivo no Morro São José Operário, Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Após a violência, a jovem teve o corpo desacordado exposto nas redes sociais. O caso dividiu opiniões. Houve manifestações de solidariedade, mas também críticas a um suposto comportamento de risco da garota. Nesta entrevista ao DIÁRIO, Luzia Miranda Álvares comenta o caso, explica o que é a cultura do estupro e fala das lutas feministas na atualidade.

P: O estupro coletivo no Rio de Janeiro reacendeu o debate sobre a violência contra a mulher. Como a senhora avalia as discussões em torno do tema?
R: A situação da violência contra as mulheres tem sido um tema recorrente. Por várias décadas, os movimentos de mulheres têm organizado discussões e pleiteado o reconhecimento de que há um submundo social que repercute como “natural” qualquer ato de violência praticado contra elas. O ditado “em briga de marido e mulher não se mete a colher” se constituiu num pesado discurso machista para camuflar a violência cometida dentro de casa. O movimento começou a conscientizar as mulheres de que essas atitudes não faziam parte do “contrato”, e as denúncias contra os casos de violência começaram a ocorrer.

P: Tem se falado muito em cultura do estupro. O que seria e como se manifesta?
R: As feministas norte-americanas e canadenses cunharam essa expressão na década de 1970. A cultura do estupro se manifesta com a predominância da violência sexual contra as mulheres, em sociedades cujas normas estão definidas pelos modelos de representação femininos, onde a hierarquia de poder sobre elas se inscreve como “normal”. Ou seja, é uma sociedade que considera as mulheres como objeto sexual e os homens são incapazes de se controlar diante de uma mulher. A cultura do estupro se institucionaliza por meio disso e dos comportamentos que são determinados para os dois gêneros.

P: Na prática, isso pode levar a episódios como o da garota do Rio?
R: A divulgação do ato praticado contra a adolescente de 16 anos, submetida à violência sexual e exposta pelos próprios criminosos nas redes sociais, representa, primeiramente, o escárnio às mulheres, que eles consideram “um gênero de segunda categoria”. Nesse caso, representa a cultura machista que se traduz em um aprendizado que vem de um sistema patriarcal que se instalou, se reorganiza em cada época e se inova, criando representações cujos modelos definem os tipos sociais de homens (que devem dominar) e mulheres (sem poder, dominadas).

P: Muitas mulheres ficam caladas porque temem ser responsabilizadas...
R: As mulheres são culpabilizadas pelo seu modo de ser. No vestir, no comportar-se desta ou daquela maneira, no falar, no brincar, no lazer. Enfim, o modelo feminino estabelecido faz delas as culpadas pela violência que as acomete. A submissão a essa cultura, de um modo geral, leva a interpretações jurídicas nem sempre favoráveis às mulheres, apesar de as leis estarem ao seu lado. É nessa perspectiva equivocada que se instala a cultura machista e cujo processo final é o feminicídio.

P: Essa violência costuma ficar impune?
R: A impunidade representa uma parte da culpa. É a omissão de todos nós, que fazemos parte dessa sociedade, pois deixamos de agir sobre esses atos cruéis. E os que praticam assumem um tom de deboche e consideram que a vítima é responsável por esses atos selvagens. A sociedade costuma achar que o estuprador foi levado a isso, pelo modo de ser da “mulher fácil”.

P: O que a senhora recomenda às mulheres?
R: Nossa posição, diante de tudo isso, é denunciar, protestar, quebrar os elos dessa corrente, ligada a um modelo social que nos vitimiza e mata. É trazer à tona a cultura patriarcal que está aí ainda viva, submetendo os comportamentos e criando vítimas em nome da “ordem social”.

P: É comum vermos mulheres reproduzindo discursos machistas. Por que isso acontece?
R: As mulheres que fazem parte desse ambiente e que foram submetidas às normas institucionais existentes como a família, a escola e a religião, de um modo geral, tendem a reproduzir o que foi definido secularmente pelo sistema patriarcal, como “modos de meninas” e “modos de menino”. Após o estupro físico, a vítima continua a ser estuprada simbolicamente.

P: Quais são as atuais bandeiras das feministas?
R: São múltiplas. E todas convergem para o fim da violência doméstica. É preciso denunciar. As mulheres não podem silenciar diante da violência. Elas devem avançar para construir o debate amplo sobre o que leva ao estado de violência num ambiente onde ela espera estar protegida, no seu lar. Temos todas de fazer nossa “lição de casa”, que é garantir os meios de desenvolver os direitos das mulheres, que são os direitos humanos.

P: As mulheres ainda ganham menos no mercado de trabalho. Como mudar essa realidade?
R: Há uma clara evidência de que o mercado de trabalho obedece ao status quo, que separa trabalho qualificado, do homem, e não qualificado. Nesse ambiente, estão as mulheres secularmente. Já houve muitas mudanças, mas há muito ainda o que se conquistar.
(Rita Soares/Diário do Pará)

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