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Belém de dentro para fora e de fora para dentro

"Por sua história e características, Belém tem muito a ensinar a outras cidades. Mas hoje, em razão de seus graves problemas, é ela que mais necessita olhar para outras experiências de transformação urbana e dialogar com elas". A afirmação do contabilist

"Por sua história e características, Belém tem muito a ensinar a outras cidades. Mas hoje, em razão de seus graves problemas, é ela que mais necessita olhar para outras experiências de transformação urbana e dialogar com elas".

A afirmação do contabilista, jornalista e professor Mauro Maia retrata um panorama de atraso de uma cidade que já esteve conectada com a vanguarda "estrutural" nacional e mesmo mundial, mas que, por uma série de fatores, se perdeu pelo caminho e hoje sofre com inúmeros problemas, principalmente em sua fisionomia e seu espaço, cada vez mais conturbado e modificado pela necessidade mobiliária e outras ações.

Observar para exemplos de cidades de outros estados e mesmo de outros países pode colaborar para reflexões e mesmo tomadas de decisão na capital paraense. É uma grande oportunidade para conhecer ações que deram certo e que vão bem além da espera (muitas vezes sem um retorno satisfatório) por melhorias, tão comum na capital paraense.

Neste panorama, observar a capital do país talvez seja revelador. "Ainda que seja uma cidade muito jovem, Brasília pode fornecer alguns exemplos de convivência civilizada entre as pessoas, das pessoas e a vida da cidade, que têm resultado em maior qualidade de vida. O trânsito, as ciclovias, os parques e seus diversos equipamentos culturais são alguns de seus exemplos, que funcionam bem. Olhar para tudo isso já pacificaria em muito a cidade de Belém", sugere Maia, que reside atualmente na capital candanga.


Com uma área menor que metade de Belém e com população pouco superior, Curitiba-PR há décadas optou por apostar em áreas verdes e seguir um modelo de desenvolvimento sem agredir a natureza. O exemplo poderia ser repetido em Belém, cada vez com menos árevores e mais quente. Foto: Maurilio Cheli/Prefeitura de Curitiba

A necessidade de uma mudança estrutural no espaço urbano, da construção, não somente de ciclovias, mas de maior civilidade para respeitar os espaços dos ciclistas, é uma das necessidades apontadas por outro pesquisador, o antropólogo colombiano Diego Andrés León Blanco, que mora em Belém desde 2013. Para ele, a criação de maior número de ciclovias não encerraria-se em si mesma, mas poderia colaborar para outras melhorias. "Acredito que Belém deveria pensar mais nos seus cidadãos; mais bike e menos carros, mais cinema e teatro e menos polícia. Bogotá, com todos seus problemas, nas últimas décadas tem pensado nos jovens e nas suas potencialidades, e nesse caminho a violência diminui" (sic), explica.

Ainda para Diego, "outro avanço importante em Bogotá tem a ver com a mobilidade: caótica pelo seu tráfego, hoje tem uma das maiores ciclovias do mundo! Além disso, uma ou duas vezes por ano fazem 'o dia sem carro', em que todo mundo usa o transporte público ou usa a bicicleta. Isso muda paulatinamente a cultura da cidadania", destaca. O exemplo de Bogotá não é aleatório: a capital colombiana também implantou em 2000 o sistema de Bus Rapid Transit (BRT), criado em Curitiba-PR ainda na década de 1980, juntamente com as "estações tubo".

>> Veja também: Belém, 400 anos... Ou danos?

Atualmente, cerca de 180 cidades no mundo já utilizam ou mesmo estão em obras para receber o sistema BRT. Em Bogotá, por exemplo, as obras iniciais duraram apenas três anos, com uma malha bem superior a aguardada em Belém, restrita em um primeiro momento à avenida Augusto Montenegro e Almirante Barroso, que um dia - espera-se - sairá do papel e do cotidiano cansativo de quem enfrenta a avenida diariamente. Na capital colombiana, atualmente são 1.989 ônibus, 134 estações em 112,9 km de corredores exclusivos. O preço do transporte também é acessível. O BRT de Bogotá possui doze linhas e as passagens custam cerca de 1800 pesos colombianos, o equivalente a cerca de R$1,60, R$1,80.

Indo além, as estações tubo (onde para entrar é necessário pagar) poderiam também ajudar e reduzir o número de assaltos nos coletivos bem como agilizaria o tráfego, uma vez que a população não iria se aglomerar nas ruas, já teria pago e precisaria somente entrar pela lateral do veículo.

Acima, o atual mapa do BRT em Bogotá, na Colômbia, cuja metade da malha viária ficou pronta em apenas três anos. Abaixo, o projeto do BRT em Belém, em que as obras nas avenidas Almirante Barroso e Augusto Montenegro se arrastam desde o mandato do ex-prefeito Duciomar Costa. (Imagens: Divulgação)

Os exemplos dos nossos "hermanos" - muitas vezes ignorados, por questões linguísticas ou mesmo por certa fixação com países europeus ou da América do Norte - vão além. Para o uruguaio Martín Perez, que mora em Belém há cinco meses e cursa mestrado em Artes na UFPA, comparar Belém e Montevidéu é ago difícil, ainda que a capital uruguaia seja "lembrada" na paraense. "Incrivelmente, por mais que pareça contraditório, Belém me lembra muito a Montevidéu. A dimensão da cidade, a relação com o rio, a cidade velha...", cita. Apesar disto, Martín reconhece que "são realidades muitos diferentes, pelo qual é difícil fazer paralelos. Talvez, acho que desde o governo poderia fazer mais campanhas sobre não jogar lixo na rua e, ao mesmo tempo, disponibilizar lugares onde jogar o lixo", sugere destacando o papel dos governantes da cidade, mas também da população.

O lixo que assola a cidade, incomoda moradores e assusta turistas, poderia começar a ser resolvido com medidas simples, como uma lei que puna quem atire os detritos nas ruas, bem como recipientes mais altos para depositar o lixo e não atirá-lo ou deixá-lo no chão. Com isso, o risco de animais rasgarem as sacolas seria menor, bem como o mau odor. Além disso, o risco de provocar entupimento de valas e bueiros, situações comuns na fisionomia da cidade, seria bem menor.

Tal problema, que é potencializado com as fortes chuvas que banham a capital do estado, também é destacada pelo chileno Luis Aravena, de Santiago, 28 anos, publicitário, especialista em Marketing Digital, que morou em Belém por dois anos e atualmente reside em Barcelona, na Espanha. "Positivamente destaco as pessoas. Em Belém é muito fácil você ter amizades, as pessoas são muito carinhosas. De negativo para mim, que venho de um país bastante seguro, é sem dúvida a falta de segurança e planejamento. Não entendo por exemplo como as ruas enchem de agua todos os anos se todo mundo sabe que em Belém chove sempre, e ainda ninguém faz nada, esse tipo de coisas se me faz dificil de entender", lamenta.

Em uma única imagem, um retrato comum em várias trechos de Belém: a ausência de ciclovias em áreas periféricas, o lixo que toma conta da cidade e os alagamentos comuns na capital paraense, que fazem parte do cotidiano dos moradores. Foto: Maycon Nunes.

Do velho continente às novas oportunidades

"Respondo essas questões de Berlim, onde estou vivendo por um ano. Vamos nos permitir as comparações, que talvez sirvam não para equiparar realidades, mas para pensar um pouco além dos limites da nossa cidade. Belém, São Paulo e Berlim. Para minha geração, e para a geração anterior, São Paulo foi um paradigma de cidade civilizada. Ir para São Paulo foi um movimento quase obrigatório para muitos de nós. Quase 20 anos depois dessa migração, o que eu posso dizer? Que do ponto de vista urbanístico - afinal o assunto aqui é a cidade - não vejo nenhuma diferença entre o caminho que leva do centro de São Paulo a Guarulhos ou do centro de Belém a Ananindeua. No meio do espaço urbano, ou seja, dentro desses espaços ocupados por milhares de carros, só uma visão nos desespera: o de que devemos passar rápido, porque se pararmos podemos desaparecer. Essa é talvez minha forma "poética" de dizer que o espaço urbano hoje é o lugar do medo e da morte. São Paulo e Belém se equivalem, elas fracassaram como lugar de exercício da civilidade". A dura afirmação é do músico e pesquisador paraense Henry Burnett aponta para a necessidade de olhar para o "berço da civilização moderna", o que tavez possa ajudar a atentar para problemas que ainda persistem na capital do estado e só podem ser resolvidos com educação e respeito.

"Berlim... lugar ocupado por estrangeiros de todos os lugares do mundo, um lugar que lembra em cada esquina uma cidade do interior do Brasil, e mais do que isso: nenhum brinquedo quebrado, nenhum ônibus depredado, nenhum banco público destruído, um lugar estranhamente silencioso ocupado por mais ou menos 4 milhões de habitantes, onde se pode ser gay, preto, branco, ateu, carismático, evangélico ou seja lá o que for sem que ninguém tenha coragem de indagar sobre as razões de suas escolhas. Um lugar sobretudo partilhado por quem tem e por quem não tem grana, onde o Estado funciona regulamentando a distribuição de riquezas para que os ricos não pareçam tão ricos e os pobres não pareçam tão pobres, pelo menos para o visitante ocasional que sou. Um lugar sem porteiros... Ideal? Não, mas sem dúvida um lugar que, a despeito de ter promovido a maior catástrofe da história da humanidade, é hoje uma cidade onde se respira liberdade e respeito", confidencia Burnett.

Avenida Torstrasse, no centro de Berlim, próxima a um dos centros comerciais da cidade. Imagine a avenida Presidente Vargas assim... Foto: Henry Burnett

A analogia a um "lugar sem porteiros" aponta para uma cidade em que a segurança é mais ampla e o controle é menor. Em Belém, onde os índices de violência só fazem crescer, a referência é uma verdadeira utopia. Apesar disto, é necessário problematizar estes exemplos e não cair no lugar comum de que a grama do vizinho sempre é a mais bonita ou sofrer com a saudade de um tempo que não se viveu, como em geral é referida a Belle Époque do século XIX e XX. Mesmo na "era de ouro" do estado e da cidade, haviam inúmeros problemas. Ainda assim, as cidades europeias, seus governos e hábitos, podem incentivar alguns costumes aqui, principalmente no que diz respeito a educação e respeito pelo outro e pelo espaço público.

"Um amigo visitou Berlim e outras cidades da Europa, como Amsterdã, e me disse que tinha odiado Berlim porque era suja e não parecia a Europa. Na hora não consegui formular, mas depois me ocorreu o seguinte: para ele talvez, Europa seja sinônimo de limpeza (o que é sempre um perigo e pode levar a comportamentos racistas) e Berlim, nesse sentido não parece mesmo com uma cidade da Holanda, mas ela não parece também com nenhuma cidade de grande porte da Alemanha. A meu ver, Berlim possui todas as qualidades que já descrevi acima, com uma dose essencial de caoticidade, que faz com que ela não seja uma vitrine de limpeza, mas um lugar onde coabitam as tensões internacionais e a vida pública. Belém hoje parece ter invertido isso, tem mais caos à vista que civilidade, e é preciso urgentemente reencontrar sua vocação de metrópole cosmopolita e cidade amazônica", finaliza Henry.

(Enderson Oliveira/DOL)

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