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Belém, 400 anos... Ou danos?

Imagine que você irá receber amigos, vizinhos, familiares e mesmo desconhecidos em sua casa. Às pressas, e sem paciência e competência necessárias, você organiza a recepção. Cobre algo que considera feio, limpa parcialmente as áreas da casa que julga mais

Imagine que você irá receber amigos, vizinhos, familiares e mesmo desconhecidos em sua casa. Às pressas, e sem paciência e competência necessárias, você organiza a recepção. Cobre algo que considera feio, limpa parcialmente as áreas da casa que julga mais bonitas ou serão mais utilizadas, esconde outras, ensaia as desculpas do tipo “não reparem na bagunça”, cozinha algo com esmero para que todos se deliciem e não observem tanto os problemas.

Tenta ser agradável, faz sorrir, lembra de histórias passadas para fortalecer a ideia de seus resquícios tornam o presente de algum modo bom, brinca com as crianças na esperança de que elas vejam – e façam, preferencialmente – algo de melhor, mas não mais sob sua responsabilidade. A reunião prossegue e a bagunça, a desorganização e a sujeira não somente continuam, como vão piorando. O calor castiga, o cansaço aflige, mas você prossegue a festa, até mesmo de forma automática, sem se divertir de fato.

Sim, caro internauta, a festa são os 400 anos de Belém. Ela é sua casa e, ao final desta terça-feira (12) e mesmo no fim deste ano, os problemas da cidade continuarão. A festa cessará, as dificuldades não. Compreender isso, e não escondê-las em festejos vazios, talvez seja um caminho para entender melhor e mesmo ajudar de algum modo a capital paraense.

“A cidade de Belém tem se tornado cada vez mais terra de todos e de ninguém do ponto de vista cultural e econômico, e poucos se importam com isso. Cresce sem planejamento, a gerar um processo de urbanização precário e improvisado. Isso implica em uma conflagração social diária vivida por quem nela habita, o que faz ressaltar mais seus conflitos. É uma das piores por critérios econômicos e, sobretudo, sociais, resultando em uma das cidades brasileiras mais violentas e uma das mais injustas”, destaca Mauro Maia, contabilista, jornalista e professor.

Cidade partida: há várias Beléns em uma mesma cidade. A repetição de clichês e o "incessamento" de alguns locais e costumes pode dificultar maior atenção e cuidado com novos hábitos e melhorias que poderiam ocorrer na capital paraense. (Foto: Cezar Magalhães).

O resumo feito pelo pesquisador apresenta os motivos para tais problemas e, em cadeia, seus resultados, que são de várias ordens: econômicos, sociais, intelectuais, de (falta de) limpeza, de ordem e de educação. Em resumo, talvez de "desamor" e mesmo “desesperança” que marcam a população, muitas vezes indiferente à cidade.

“Belém é uma das cidades mais antigas da América, tem uma história de sangue e desaparecimento de povos pela colônia por causa das possibilidades mercantis da Amazônia. Ao mesmo tempo, acho que pela mesma história de desesperança, é uma cidade profunda na sua expressão humana, e falo dos artistas, escritores, músicos e a cozinha, a comida.”, define Diego León Blanco, colombiano que faz mestrado em Antropologia na Universidade Federal do Pará (UFPA), apontando para a força da cultura do município.

Cultura. Talvez esta seja a grande força de Belém. Fala-se muito de produção cultural, mas quase nada de gestão é referido. Com isto, espaços, ações, atividades de artistas somem ou permanecem à míngua. Esta parece ser nossa única riqueza, ou ao menos a mais visível, audível e palatável. Este seria o motivo, de acordo com o professor e compositor Henry Burnett, para ainda comemorar algo nestes 400 anos: "as promessas inscritas nas artes da cidade, que ainda não as merece". A afirmação do paraense, para muitos “ofensiva” e dura, busca provocar uma reação de fato, não somente no poder público como também na população.

A soma de falta de planejamento urbano, resignação e ignorânica com a realidade que não se vive resulta em imagens como esta, que se perpetua há séculos em Belém. Foto: Maycon Nunes.

Indo além, talvez haja outro motivo para comemorar neste dia 12 de janeiro: a possibilidade de aproveitar a data e começar a reescrever a história da cidade. Isto mesmo. Para Relivaldo Pinho, doutor em Antropologia, que assina em parceria com a publicitária Yasmin Pires o filme "Fisionomia Belém" (2015), "o que há para comemorar, não no sentido comum que estas datas representam, mas no que poderia ser, é a possibilidade de um recomeço. Não aquele papo de rediscutir, de debater a cidade. Acho que a grande mídia tem que reconhecer que a cidade tem sérios problemas econômicos e sociais e que eles poderiam enfocar de outra maneira", enfatiza.

>> Veja galeria de imagens de alguns dos problemas de Belém

Com isto, talvez alguns problemas que tomam conta da cidade poderiam ser diminuídos. Um destes seria a quantidade de lixo que infelizmente já faz parte da paisagem da capital do estado. Para o uruguaio Martin Perez, 31 anos, mestrando em Artes na UFPA, este é um dos principais pontos negativos da cidade. "Destaco o problema de lixo, a falta de espaços públicos de diversão e, principalmente, a situação dos moradores de rua, sua condição de vida", explica.

Outro grande problema a ser enfrentado é a violência. Para isso, é necessário compreendê-la de acordo com o pensador alemão Walter Benjamin, para quem ela é um meio e não um fim. Isto faz perceber o quanto há problemas que devem ser resolvidos antes de pensar somente em retaliações e revides.

Por inúmeras razões, à cada ano mais pessoas vão "morar" nas ruas de Belém. Relegadas a condições praticamente desumanas, poucos se importam e buscam de algum modo compreendê-los e ajudá-los. Foto: Maycon Nunes.

"A necessidade de fazer frente a violência urbana, esse problema crônico das grandes cidades brasileiras, é uma obviedade e é preciso ter coragem para dizer que as vias para a solução ou amenização dessa realidade já deveriam ter sido tomadas há décadas, mas não foram, o que nos leva a uma constatação que é mais um lamento que uma sugestão: não existe solução à vista", determina Henry.

A população talvez esteja acostumada aos problemas e a resignação é um dos principais. Para o chileno Luis Aravena, 28 anos, publicitário, especialista em Marketing Digital, "Belém é uma cidade com um potencial gigante, mas infelizmente isso não é aproveitado. Não serei eu quem vai falar que hospitais, ruas, segurança não funcionam em Belém, porque isso todo mundo já sabe, infelizmente. A população se acostumou a morar com isso", lamenta.

Há soluções?

Diante deste panorama nada animador, marcado pela desesperança, fica o questionamento: como mudar isto? A grande "solução" é bem clara: educação. Não somente educação institucional, mas também da história da cidade e seu patrimônio. Não se ama o que não se conhece, então conhecendo melhor a cidade - e estranhando-a também, já que há várias "Beléns" que não acessamos -, é possível amá-la e não desrespeitá-la e agredi-la, como comprovam a quantidade de lixo depositado à cada esquina e as "cusparadas" raivosas direcionadas ao solo que são feitas rotineiramente.

“O desconhecimento e a ignorância em relação à memória da cidade - os ícones que podem assegurar relação afetiva com Belém - colocam em risco sua própria identidade histórica e cultural”, antecipa Mauro Maia.

Desorganização urbana, poder público presente apenas em propagandas de placas de obras que duram anos, lixo e abandono tomam conta de grande parte da fisionomia contemporânea de Belém. (Foto: Maycon Nunes)

O processo é amplo e passa também pelos modos de representação da cidade, como se fosse uma só e não uma "cidade partida", para se referir ao livro de Zuenir Ventura. "Fico muito preocupado quando abrem um concurso para definir qual o símbolo de Belém e você tem cinco opções, como se Belém pudesse ser resumida - e qualquer outra cidade - através da mangueira ou outro símbolo qualquer", destaca Relivaldo Pinho, referindo-se à repetição e "incensamento" de algumas representações da cidade.

Belém vai bem além e a população deveria (re)conhecer mais isto. Seria um bom início e faria não somente o prosseguimento da "reunião em casa" ser mais interessante, mas também traria a certeza de que o próximo século pode ser melhor e pode ter mais motivos para comemorar.

(Enderson Oliveira/DOL)

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