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Pesquisador aborda doença de Chagas no Pará

Por trás do hábito do consumo de açaí, se esconde o risco da contaminação pela doença de Chagas, transmitida pelo inseto conhecido como barbeiro. Apesar de o Brasil ter recebido da Organização Mundial da Saúde (OMS) a certificação de interrupção da doença

Por trás do hábito do consumo de açaí, se esconde o risco da contaminação pela doença de Chagas, transmitida pelo inseto conhecido como barbeiro. Apesar de o Brasil ter recebido da Organização Mundial da Saúde (OMS) a certificação de interrupção da doença, em maio de 2006, o Pará responde por 98% dos casos da enfermidade no País.

Há 20 anos, o Laboratório de Doença de Chagas do Instituto Evandro Chagas (IEC) estuda o ciclo da transmissão desse mal. À frente das pesquisas, o doutor em Biologia e Parasitologia, Sebastião Aldo Valente, 52 anos, destaca que o melhor caminho para o controle da doença é a pasteurização: a bebida in natura deve passar por um tratamento térmico para sua conservação, feito através de um processo que submete o produto a altas temperaturas e, em seguida, a uma temperatura muito inferior. Esse processo pode modificar as características químicas do produto. Para o especialista, o processo reduziria a transmissão da doença pela ingestão de açaí contaminado pelas fezes do barbeiro.

O DIÁRIO conversou com o pesquisador Aldo Valente, que está no IEC há 35 anos. Para ele, o caminho da pasteurização do açaí não é fácil, aumentará os custos, mas evitará que o Pará deixe de ser o maior produtor do fruto do Brasil.

P: Qual é a situação da doença de Chagas no Brasil?

R: A doença foi controlada no País em 2006, certificada pela OMS. Mas ela é endêmica na Amazônia, sobretudo nos estados do Pará e Amapá.

P: No ranking da doença, qual é a posição do Pará?

R: O Pará é o estado que tem transmissão ativa da doença de Chagas e 98% dos casos registrados hoje no Brasil são originados no Pará.

P: Qual é o ciclo de transmissão da doença?

R: O barbeiro é infectado por um parasita que transmite a doença pelas fezes. Na Amazônia, a contaminação também se dá por via oral, quando a pessoa ingere o açaí contaminado. O barbeiro vive nas palmeiras do açaí. Hoje já foi comprovado, experimentalmente e cientificamente, que o açaí é o principal responsável pela transmissão. Os barbeiros voam do seu ambiente silvestre para dentro dos cestos, sendo triturados junto com o fruto.

P: Em que período a transmissão se intensifica?

R: A doença ocorre entre julho e dezembro, com pico em setembro e outubro. As ocorrências estão entre 100 e 150 casos ao ano. E os índices de mortalidade ficam entre 3 e 5% dos casos.

P: Podemos dizer que o problema está na manipulação?

R: Sim. Apesar do esforço da Secretaria Estadual de Saúde de tentar melhorar as boas práticas da produção do açaí, ainda sim, a quantidade dos pontos de revenda na grande Belém e no Estado do Pará, de modo geral, é maior que a fiscalização.

P: Por que alguns profissionais da saúde não acreditam na transmissão da doença pelo açaí?

R: Ignorância. Infelizmente, há um preconceito contra a tese de transmissão da doença pelo açaí, baseada no pressuposto de que nunca houve uma comprovação cientifica. Mas já houve, sim. E várias. Entendemos que criar esse empecilho não vai resolver o problema. A doença de Chagas pela transmissão do açaí é um fato incontestável.

P: A fiscalização que é realizada hoje é suficiente para controlar a transmissão?

R: A fiscalização sanitária é feita pelos municípios, em parceria com o Estado. Mas não existe braço nem pernas para fiscalizar todos os pontos de venda. No período de entressafra (janeiro a agosto) os pontos reduzem, mas depois esses locais triplicam. Nem mesmo a Vigilância Sanitária sabe quantos pontos de açaí temos na grande Belém. Há uma estimativa de 2.500 a 5 mil.

P: As formas de manipulação exigidas pelos governos estaduais e municipais são suficientes para combater o mal?

R: Ocorreram muitos avanços, mas precisamos de mais. Teve uma iniciativa de fazer o branqueamento do açaí. Mas, mesmo assim, nós tivemos em Ananindeua, no ano passado, um surto de doença de Chagas, com 5 casos, num lugar que tinha recebido a certificação de açaí de boa qualidade.

P: Como é o processo de branqueamento do açaí?

R: O branqueamento consiste em emergir o açaí em uma água quente, de 80 graus. Depois retira e coloca na água gelada. O choque térmico mata os parasitas. Mas o que acontece é que um tanque de branqueamento consome mais energia do que doze chuveiros elétricos. Então, muitos pontos estão deixando de usar, pois a conta de luz está vindo muito alta. O que aconteceu nesse ponto foi isso. Fez o branqueamento em uma parte do açaí e não fez em outra. Agora estamos vivendo uma realidade: tarifas de luz elevadíssimas e os batedores deixando de fazer o branqueamento.

P: Pasteurizar é a melhor política sanitária para o fruto?

R: Com certeza. Isso já ocorre. Todo o açaí que vai para fora do Brasil é pasteurizado. Porém a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não tornou obrigatória a pasteurização para a comercialização nacional. É como se disséssemos mais ou menos o seguinte: os gringos não podem ter a doença pela contaminação do açaí, mas os brasileiros podem. No meu entendimento, a pasteurização é a melhor e mais adequada maneira de evitarmos a transmissão da doença de Chagas.

P: Quais são as barreiras para que o açaí consumido no Brasil seja pasteurizado?

R: A maior de todas é o paternalismo para com o pequeno produtor. O receio de ele não poder comprar o pasteurizador. Mas o que acontece é que a enfermidade ocorre neste segmento. É lá, no processo de manipulação, que está havendo a falha.

P: Quais os entraves para se conseguir pasteurizar o açaí?

R: Quando o Governo impôs a pasteurização do leite na década de 70 teve que enfrentar o poder financeiro dos grandes pecuaristas, mas no final todos saíram ganhando e a saúde pública agradece. (...) Eu não sou contra vender o açaí, mas tem de ter fiscalização.

P: O que falta para iniciar a pasteurizar o açaí no Pará?

R: Falta pulso do Governo Estadual. Ele tem de dar uma ordem sem voltar atrás. A ordem deve ser cumprida. Não deve ter medo de ninguém fechar as ruas em protesto. Tem de obrigar os empresários a investir. Estimular, no mínimo, a concorrência. Dar opção ao consumidor do custo- benefício. Proporcionar incentivos fiscais. Se fizeram com o leite, pode ser feito com o açaí. Dizem que o gosto muda, o gosto não muda. Hoje temos de mudar as atitudes, os pensamentos.

P: Para pasteurizar o açaí o custo seria muito elevado?

R: Sim. Com certeza seria. Isso iria alterar os preços. Para um pequeno produtor seria muito ruim, mas para uma cooperativa não. Mas com um financiamento oficial do Banco do Estado ou mesmo os federais, os custos minimizariam. Não é porque o alimento é popular que eu tenho que consumir com baixa qualidade. Um erro não justifica o outro.

P: Podemos perder o título de maior produtor de açaí?

R: Sim. O dia que uma pessoa de fora do Pará for afetada com a doença de Chagas, transmitida pelo açaí, os olhares do mundo vão se voltar para o manuseio do açaí no Pará e esse ciclo poderá acabar.

P: Esse ano quantos casos da doença já ocorreram no Estado?

R: Os que foram analisados pelo Instituto Evandro Chagas somam 65, até a primeira semana de outubro.

P: Como se dá o risco de morte na doença de Chagas?

R: Isso depende muito de quando o mal é diagnosticado, do estilo de vida de cada paciente e das condições físicas do doente. Até o ano de 2010, se conseguia identificar um caso agudo em até 10 dias. Hoje este período está se fazendo em até 40 dias. Do ponto de vista clínico, isso é uma tragédia, pois a demora no diagnóstico tem contribuído para que estes casos evoluam para a morte.

P: Quais são as regiões do Estado que as pessoas são mais acometidas com a doença?

R: Geralmente, as mais atingidas são onde o consumo de açaí é maior. Não é todo o Estado que consome açaí. No sul, sudoeste paraense, as pessoas não têm o hábito diário, como no Nordeste do Pará, Marajó e Região Metropolitana.

(Roberta Paraense/Diário do Pará)

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