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Canteiros de Morte: Perigo na Construção Civil

Foi a gota d’água. Insatisfeitos com as condições degradantes ao qual estavam submetidos, dezenas de trabalhadores de uma obra interditaram o km 14 da rodovia BR-316, no município de Marituba, Região Metropolitana de Belém (RMB), para exigir, além do reaj

Foi a gota d’água. Insatisfeitos com as condições degradantes ao qual estavam submetidos, dezenas de trabalhadores de uma obra interditaram o km 14 da rodovia BR-316, no município de Marituba, Região Metropolitana de Belém (RMB), para exigir, além do reajuste salarial e pagamento de benefícios, um item essencial para o exercício de sua atividade: segurança.

O caso ocorreu no dia 20 de novembro de 2014, quando um dos trabalhadores despencou de um andaime e sofreu politraumatismo. Não morreu por milagre, porém, permaneceu vários dias internado em um hospital da região.

Além disso, na semana anterior, a mesma obra havia sido paralisada pelo mesmo motivo. O caso ganhou repercussão e atestou a realidade vivida pelos trabalhadores da Construção Civil: homens e mulheres expostos a todo tipo de perigo e sem a certeza de que baterão o ponto no fim do expediente.

Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Construção Civil é o setor de Indústria que mais cresce no Brasil, mas o seu crescimento é proporcional ao risco de morte entre os trabalhadores. Atualmente, o setor ocupa o 2º lugar em número de mortes por acidentes de trabalho, atrás apenas do transporte rodoviário de cargas.

No último levantamento da Previdência Social, o Brasil registrou 717.239 acidentes de trabalho, em 2012, sendo que 22.330 foram relacionados à construção de edificações - e 177 deles resultaram em morte. O número representou um crescimento de 28,26% em relação a 2011 e cerca de 40% em relação a 2010.

“A maioria dos órgãos, incluindo os oficiais do governo, levam em consideração apenas os casos ocorridos entre trabalhadores com carteira de trabalho assinada”, destaca Gilmar Piedade, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Belém (Sticmb). “Sabemos que os trabalhadores irregulares são os que estão mais expostos ao perigo, principalmente no interior do Estado, e que muitos desses casos sequer chegam às autoridades.”

Em 2013, apenas na RMB, foram registradas 13 mortes por acidente de trabalho na Construção Civil. Já entre os meses janeiro e setembro de 2010 em todo o Pará, por exemplo, foram registrados 400 acidentes de trabalho e quatro vítimas fatais.

“Todo dia acontecem acidentes, alguns deles fatais. Gostaríamos de evitar esses casos, mas existe uma dificuldade tanto para dialogar com as empresas, quanto para conscientizar os trabalhadores sobre os riscos que estão submetidos”, destaca Piedade.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e a Norma Regulamentadora 18 (NR18) especificam uma série de condutas e medidas a serem tomadas nos canteiros de obras, a fim de garantir a segurança de todos.

Uma das determinações básicas é o uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), como capacete e vestimentas específicas. Entretanto, segundo o Sticmb, muitas vezes os equipamentos obrigatórios são deixados de lado.

“Nós realizamos fiscalizações constantes nos canteiros de obras e observamos que existe uma negligência quanto ao uso dos EPI. Embora a maioria dos trabalhadores queira garantir sua segurança, muitas vezes não o fazem por omissão das empresas, que não fornecem os equipamentos adequados”, acrescenta Piedade. “Itens fora do prazo de validade e equipamentos fora dos atuais padrões de segurança são muito comuns de se encontrar.”

Segundo o Sticmb, os acidentes mais comuns registrados no setor da Construção Civil são quedas, soterramentos, choques elétricos e intoxicações. Na maioria das vezes as causas são ausência de EPI, buracos e fossos sem sinalização, infiltrações nas obras, fiações expostas e exposição à grande quantidade de tintas e produtos químicos.

Também é grande a frequência de trabalhadores que contraem doenças no meio ambiente de trabalho, em especial as respiratórias e a leptospirose.

“Todos os acidentes, mesmo os pequenos, causam consequências. As maiores incidências que recebemos são de lesão por esforço repetitivo (LER), problemas de coluna e doenças estomacais, devido à comida e água de má qualidade”, afirma Daniela Schusterschitz, presidente do Stcimb. “Mas há casos mais graves, como perda de audição ou visão, fraturas, desmembramentos e invalidez.”

A DOR DE QUEM SENTIU NA PELE

“Eu era presidente do sindicato da Construção Civil, vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e diretor da Federação Nacional quando tudo ocorreu. Tive que parar tudo para iniciar meu tratamento. Minha vida toda mudou nesta hora.”

Este é o relato de Moacir Martins, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil no Pará. Há 10 anos foi diagnosticado com hanseníase, doença bacteriana contraída no ambiente de trabalho.

“Trabalhei durante anos como operário, vivendo em canteiros de obras sujos, sem condições de higiene e segurança. Certa vez, em um congresso, acordei com umas pintas no braço, parecidas com picadas de mosquito. Lembrei que o Pará estava com uma incidência muito alta de hanseníase e fui fazer o exame, que atestou a doença”, lembra Moacir.

O ex-sindicalista tinha uma variação rara da doença, que afetou os nervos e causou paralisia parcial do corpo. “Quando chegou ao nervo, parei de andar, não podia fazer nada sozinho. Acabei entrando em uma depressão muito grave. Não conseguia sequer falar com minha família”, lamenta. “Vendo que eles também estavam sofrendo com a situação, escrevi uma carta para que eles lessem, porque eu já não tinha forças para falar.”

Moacir ficou cerca de um ano sem conseguir andar, passou por quatro cirurgias - uma delas para retirar parte do nervo de uma das pernas - e tomou medicamentos por dois anos. Naquela época, as despesas da família - incluindo os remédios - eram arcados pela esposa e com auxílios dos diretórios sindicais.

“Com o tempo e o tratamento eu me recuperei. Hoje, perto do que eu estava, estou melhor. Mas vou manter algumas sequelas para sempre, como não conseguir andar direito”, destacou.

Atualmente, Moacir faz palestras e atua como assessor sindical no município de Barcarena, no nordeste paraense, onde o ramo da extração mineral é forte.

“Os riscos do trabalho são ainda maiores no interior do que na capital, pois, apesar de ter menos trabalhadores, apresenta um ambiente mais perigoso”, revela. “Quando pensamos em acidente, geralmente pensamos em algo físico, como queda ou cortes, mas o índice de doenças é altíssimo, principalmente em regiões como Barcarena, onde há grande concentração de produtos químicos.”

OUTROS CASOS DE GRANDE REPERCUSSÃO

“A NR18 é uma excelente norma. Se 50% dela fosse cumprida, quase não haveriam acidentes de trabalho. Mas a ganância foi mais alta e o empresário não liga para a segurança do trabalhador. Foi o que aconteceu no caso do Raimundo Farias”, ressalta Moacir, fazendo referência ao desabamento de um edifício em construção ocorrido em 13 de agosto de 1987, que resultou na morte de 38 trabalhadores, incluindo uma mulher grávida, e um menino de 5 anos, no que ficou registrado como o maior acidente da Construção Civil na história do Pará.

Localizado na rua Diogo Moia, próximo da avenida Visconde de Souza Franco, no bairro do Umarizal, em Belém, o edifício Raimundo Farias foi projetado inicialmente para ter apenas quatro andares. Contudo, devido à procura, mais oito lajes a mais foram construídas.

Segundo o depoimento de César Costa, um dos operários que trabalhou na obra, os novos pisos foram construídos sem o devido reforço à base da estrutura, que acabou desmoronando e atingiu parte de uma igreja no terreno vizinho, matando uma criança.

Em 2011, outro caso abalou a capital paraense: um edifício em construção de 32 andares - localizado na travessa 3 de Maio, também no bairro de São Brás - desabou na manhã do dia 29 de janeiro, após forte chuva.

O acidente matou três pessoas, desabrigou várias outras e provocou danos estruturais em imóveis no raio de um quarteirão. Na época, muitos acreditaram que a tragédia só não foi maior porque o acidente aconteceu em um fim de semana.

Já em 02 de agosto de 2013, o operário Alexandro Xavier despencou do 10° andar de uma obra localizada na travessa Barão do Triunfo, no bairro do Marco, em Belém. O trabalhador não usava EPI e morreu ao atingir o solo. Segundo o Sticmb, os operários haviam denunciado a falta de segurança dias antes do acidente.

Meses antes, em 07 de março de 2013, os trabalhadores José Jair Rodrigues e Diogo Nascimento Barros morreram em uma construção na vila de Itupanema, no município de Barcarena, no nordeste paraense. Ambos trabalhavam em um guindaste que se rompeu e os esmagou junto com a carga.

O operário Robson Silva das Neves também foi uma vítima fatal. No dia 19 de novembro de 2014, o trabalhador foi a óbito após ser atingido na cabeça por um pontalete (uma peça de madeira) que despencou de uma obra localizada na avenida Almirante Barroso, também em Belém.

ALÉM DO SOFRIMENTO, A DEMORA DOS PROCESSOS

Após sofrer um acidente, tanto trabalhadores quanto famílias que perderam um ente querido encaram um novo problema: ingressar com processos na Justiça para conseguir o pagamento de benefícios e indenizações das empresas.

O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8), que abrange os estados do Pará e do Amapá, registrou 1.970 ações no setor apenas nos dois primeiros meses de 2015. Em 2014, foram 15.134 ações e, em 2013, 13.034.

“Vi muitos colegas hospitalizados, sofrendo durante meses e até anos, aguardando o resultado de um processo. Eu mesmo só fui ter o resultado do meu processo anos depois do acidente”, acrescenta Moacir.

O processo envolvendo o incidente do prédio Raimundo Faria também demonstra a demora que essas ações podem levar para serem concluídas. Apenas em 13 de fevereiro de 2014, 27 anos após a queda do edifício, a Justiça condenou os três réus a pagarem indenização à família do menino soterrado.

Na maioria dos casos, o próprio trabalhador entra com o processo pelos danos adquiridos. Às vezes recorre ao apoio jurídico do sindicato, mas é bom destacar que outros órgãos também podem tomar essa iniciativa, como a Delegacia Regional do Trabalho (DRT), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT).

“O MPT realiza fiscalizações ao lado o MTE para identificar irregularidades e denúncias de meio ambiente de trabalho nocivos, ou ainda analisar casos em que já houve um acidente”, afirma Sílvia Silva, procuradora do MPT da 8ª Região. “Se for identificado que não foi algo individual, mas uma situação que colocou em risco diversos trabalhadores ou até toda a coletividade, então abrimos um procedimento administrativo.”

Apenas em 2014, o MPT da 8ª Região ajuizou 42 ações civis públicas no setor da Construção Civil, número superior ao ano de 2013, que encerrou com 27 ações.

“Constatada a irregularidade, o MPT faz recomendações para que os problemas sejam sanados. Se o problema persistir é feita uma ação civil pública pedindo, além da solução, uma indenização por danos coletivos”, acrescenta a procuradora.

As ações também podem incluir a interdição de espaços ou maquinário usado nas obras e o embargo da construção. “Devemos garantir um ambiente de trabalho saudável e equilibrado. O trabalhador acidentado sofre danos irreparáveis, o empregador sofre sanções, pagamento de reclamação trabalhista e reparação individual, e em caso de óbito é paga uma pensão que poderia ser investida na sociedade. Todos perdem neste cenário”, destaca Sílvia.

COMO DEVERIA SER?

“Muitas vezes a empresa deixa de qualificar o trabalhador para operar determinada máquina. Não faz o isolamento corretamente, não protege os trabalhadores contra queda ou mesmo deixa de oferecer o EPI completo. Aí então o acidente ocorre”, continua a procuradora. “Ter um corpo técnico qualificado e não descumprir nenhum item da NR 18 é essencial.”

O Brasil é o quarto país em número de acidentes de trabalho no mundo, atrás apenas da China, Estados Unidos e Rússia. Segundo os profissionais que atuam na área, as principais causas dessa colocação no ranking são a banalização das ocorrências e a falta de prevenção.

“A lei obriga obras com mais de 50 operários a ter um técnico de segurança. As empresas também precisam ter um programa de prevenção que reconheça os riscos e faça ações para preservar a integridade do trabalhador”, afirma Leila Lima, tecnóloga em Segurança do Trabalho.

Noções de legislação, treinamento para o uso de mecanismos e a cobrança da empresa e dos trabalhadores pelo uso dos EPI são medidas simples, mas que ajudam a prevenir acidentes e salvar vidas.

TEXTO: Gustavo Dutra e Kleberson Santos

MULTIMÍDIA: Daniela Braga

COORDENAÇÃO GERAL: César Modesto

EDITORIA EXECUTIVA: Bernadeth Lameira

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