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É preciso olhar para as pessoas atrás dos males

O tratamento das doenças psiquiátricas sempre foi um desafio para a ciência e para os profissionais de saúde. Por vezes envoltos em preconceitos e polêmicas, esses tratamentos vêm passando mudanças nas últimas décadas. A mais significativa foi o fim dos

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O tratamento das doenças psiquiátricas sempre foi um desafio para a ciência e para os profissionais de saúde. Por vezes envoltos em preconceitos e polêmicas, esses tratamentos vêm passando mudanças nas últimas décadas.

A mais significativa foi o fim dos manicômios que isolavam os pacientes do convício social. Hoje a tendência é humanizar o atendimento e ajudar usuários dos serviços de saúde mental a se inserirem na sociedade.

O tema foi debatido na semana passada por profissionais do Brasil e do exterior, na Universidade Federal do Pará, em evento organizado pelo Instituto Trieste - que atua na busca de alternativas para o tratamento de pacientes de esquizofrenia - e o Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região (Pará e Amapá). O DIÁRIO ouviu a presidente do CRP, Jureuda Guerra, para comentar esses desafios. Confira:

Diário do Pará: Que mudanças podemos destacar nos últimos anos nos tratamento das doenças psiquiátricas?

Jureuda Guerra: A perspectiva do olhar, do que antes era a periculosidade. E hoje já começa a diminuir essa obsessão da cura. Já se começa a entender que as pessoas podem ter uma vida saudável, fora de uma internação manicomial, fora da exclusão da sociedade.

Diário: O medo em relação ao doente mental está diminuindo?

Jureuda: Acho que a sociedade está mais tolerante, embora contraditória, às vezes, quando ainda apresenta comportamentos intolerantes. Mas sinto que em relação à pessoa que tem um sofrimento psíquico, a sociedade passa a ter um pouco mais de respeito.

Diário: Ainda é comum encontrar pessoas que defendem a internação?

Jureuda: A história da psiquiatria tem, no mínimo, 300 anos. Os primeiros hospitais psiquiátricos eram quase minicidades. O hospital psiquiátrico tem a porta de entrada, mas não tem porta de saída. Então, a gente precisa romper com isso, acabar de vez com a perspectiva da internação psiquiátrica e criar mecanismos, criar CAPS [centros de atenção psicossocial]. As pessoas que sentem essa nostalgia da internação na verdade querem uma resposta para a doença imediata. Querem que a doença seja curada, quando não vai ser. Não tem uma cura, mas você pode apreender a conviver com ela. Os familiares também precisam apreender a conviver com a doença mental. Não é só um tratamento medicamentoso, mas todo um envolvimento da pessoa com a sociedade, proposta inclusive de inserção no trabalho, política pública para que essa pessoa possa ter uma vida minimamente feliz, que ela possa conviver em sociedade. Trancafiar, excluir, não dá resultado.

Diário: As estruturas governamentais que temos hoje atendem bem um paciente em crise?

Jureuda: Não. Hoje se a gente for pensar em nível de Brasil, são vários modelos. O Brasil adota um modelo a partir dos anos 2000, que é a lei que finaliza o hospital psiquiátrico. A partir daí, a gente tem, em vários Estados brasileiros, um tipo de reforma e nós deixamos muito a desejar. Muita coisa já foi feita, mas precisa melhorar.

Diário: O que, por exemplo, a gente precisa melhorar?

Jureuda: Precisamos melhorar a quantidade de serviços de atenção à saúde mental para criança e para o adolescente, que é uma clientela diferenciada. É preciso oferecer, serviços que atendam usuários de álcool e droga, que também é uma clientela diferenciada e precisa de atendimento especifico. E não é apenas o tratamento medicamentoso. A gente precisa entender porque as pessoas sofrem, que vozes são essas que ela escuta e não bloquear esse delírio, essa necessidade que a pessoa tem de expressar através do delírio. Isso pode ser feito através da arte, da pintura, de uma série de coisas, e não estamos fazendo isso. A pessoa precisa ser respeitada, inclusive, na sua loucura.

Diário: Ano passado vimos parentes e pacientes denunciando maus-tratos no Hospital Gaspar Vianna...

Jureuda: A história da psiquiatria e da saúde mental é marcada pelo poder do saber, pelo poder do médico psiquiátrico. E esse poder faz com que as pessoas lidem com o corpo do outro de qualquer jeito, incluindo trancafiar, amarrar, tirar da pessoa a liberdade. Hoje a gente chama isso de maus-tratos. É uma violação dos direitos humanos, mas no passado já foi permitido. A história da psiquiatria foi assim, de tortura, através do eletrochoque...

Diário: Profissionais ainda recomendam eletrochoque?

Jureuda: Há quem acredite que dê resultado. Eu não. Sou psicóloga. Acredito em outras possibilidades. A descarga elétrica pode ajudar a sair de uma crise, de uma depressão profunda, mas vai apresentar outros problemas colaterais. A gente precisa é saber lidar com o sofrimento psíquico, apresentar alternativas que sejam inclusivas. Os serviços de saúde mental precisam conversar com o paciente sobre a melhor forma de atendimento para ele. Não se pode achar que existe só uma forma de tratamento. Não existe receita de bolo. A família precisa entender, participar e os técnicos, a equipe de saúde, precisam conhecer individualmente cada paciente.

Diário: Alguns transtornos do comportamento parecem ter se tornado moda, a exemplo da bipolaridade, da hiperatividade, déficit de atenção...

Jureuda: Está havendo o que a gente chama de medicalização da vida. Há uma patologização da vida, do comportamento. A gente já fala em síndromes das pernas ansiosas, daquelas pessoas que estão conversando batendo com a mão, ou então síndrome dos irmãos que brigam. Então, estamos patologizando as relações. As crianças brigam por uma falta, talvez, de limite, ou porque veem os pais brigando. Aí, não se não se avalia o todo e já se vai logo dizendo que criança precisa ser medicada. No caso da criança dita, por exemplo, algumas se enchem de açúcar o dia inteiro. Os pais não as deixam descer para brincar no pátio ou na rua, porque não pode. A criança fica na frente da televisão ou no tablet. Fica cheia de energia. Quando chega à escola e vai correr, brincar, não pode... é hiperativa... Antes as crianças podiam correr, brincar de bola, brincar. O que antes era da infância, da brincadeira, hoje também está se patologizando. Isso é um perigo para a sociedade, um perigo para o futuro. Porque a gente está entupindo crianças de medicação que a gente não sabe quais são os efeitos colaterais para vida adulta. Isso é perigo.

Diário: E os casos de transtorno bipolar ?

Jureuda: Verdadeira moda. Se a pessoa está chorando, por que está chorando? Se está muito alegre, por que está muito alegre? As pessoas fica sem saber qual é limite, qual é a medida.

Diário: Quais as recomendações a senhora daria para os pacientes psiquiátricos e principalmente para os familiares?

Jureuda: O familiar da pessoa que está em crise, da pessoa que apresenta um transtorno mental precisa conhecer a doença do seu ente. Precisa conhecer o comportamento daquela pessoa, precisa saber que aquela pessoa não é apenas um sintoma da doença, mas pensar no indivíduo. Olhar, que além dela ter um diagnóstico, há um ente querido. É aquele filho; a esposa, ou é um pai, que precisa de um tratamento, que precisa de um acompanhamento, seja psicológico, médico, um acompanhamento terapêutico, mas que não pode perder de vista a pessoa. Não olhar só o diagnóstico. Olhar a pessoa que está por trás da doença.

(Diário do Pará)

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