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Pará tem 200 mil crianças trabalhando

Tu gostas de vir para cá?” A cabeça baixa, o olhar entristecido procura no vazio um apoio. O sorriso tímido toma as feições e nenhuma palavra consegue ser dita. Nem é necessário. Sentado sobre um caixote de frutas em meio ao frio das cinco da manhã e, sem

Tu gostas de vir para cá?” A cabeça baixa, o olhar entristecido procura no vazio um apoio. O sorriso tímido toma as feições e nenhuma palavra consegue ser dita. Nem é necessário. Sentado sobre um caixote de frutas em meio ao frio das cinco da manhã e, sem perspectiva de iniciar o dia dentro de uma escola, a lida do menino de aproximadamente dez anos de idade começa às 3h, quando sai de rabeta da região das ilhas em direção à Feira do Açaí, no turístico Mercado do Ver-o-Peso.Acompanhado por um adulto que volta e meia se ausenta para tentar vender parte da mercadoria nas proximidades, a criança tem o tempo todo diante dos pés um caixote repleto de pequenos pacotes recheados com taperebás.

Na indicação mais clara de que nenhuma porção ainda havia sido vendida nas duas horas de trabalho já decorridas, a expressão de esperança se renova cada vez que o primeiro sinal de interesse na mercadoria é apresentado. “Tá R$2,50!”, informa, respondendo o mínimo necessário a cada questionamento. “A gente fica até vender tudo”.Sob o olhar distante do adulto que o acompanha, o menino se agacha em frente ao caixote e começa a reorganizar as mercadorias. Equilibra os pequenos sacos com frutas e se esforça para deixá-los mais à vista de possíveis compradores, ainda que, em grande parte do tempo, eles tenham maior interesse nos peneiros de açaí dos vendedores vizinhos. Quando questionado se a ida à feira na madrugada se repete todos os dias da semana, a espontaneidade faz com que a primeira reação seja a de afirmação com um balançar da cabeça para cima e para baixo, mas até que as palavras saiam pela boca a razão parece perceber a ‘necessidade’ de relativizar. “Nem todo dia”, as palavras saem lentas, como que ‘patinando’ diante da afirmação.Passados alguns minutos de conversa, mais que o necessário para se informar sobre a mercadoria e decidir pela compra ou não, o bate-papo é interrompido por quem identifica a necessidade de camuflar o trabalho da criança.

Diante da primeira distração, o menino atende ao gesto discreto que vem do escuro próximo, se levanta, abandona pela primeira vez o caixote de frutas e segue em direção a um grupo de pessoas aparentemente conhecidas. Aguarda o momento mais oportuno para voltar à obrigação.Em meio à movimentação tradicional de uma das feiras mais características da capital paraense, não é preciso muito esforço para flagrar exemplos claros de trabalho infantil. À medida que o tempo se arrasta pela madrugada, basta um pouco de atenção para perceber que, aos poucos, uma ou outra criança vai surgindo entre os homens e mulheres apressados.

ESTATÍSTICAS

Aos onze, o menino agitado que se estica sobre o tapume montado em uma das barracas da feira da Terra Firme não esconde a agilidade em separar e montar os saquinhos com verduras que são pendurados para chamar a atenção dos consumidores. Ainda por volta das 7h da manhã de uma quarta-feira, enquanto outras crianças passam uniformizadas e conduzidas pelos pais em direção à escola, o dia do menino na feira teve início ainda mais cedo, às 6h. A preparação das verduras para venda é apenas a primeira das missões do dia. “Ele ajuda”, justifica a mulher que trabalha junto com a criança.

A ideia errada de ‘ajuda’ é bem conhecida pela educadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Movimento Cedeca-Emaús), Laiane Conceição Silva. Tendo a história repetida anos depois pelo menino desconhecido que passa a manhã trabalhando na feira da Terra Firme, Laiane foi apresentada ao significado da palavra ‘responsabilidade’ também aos onze anos de idade. “A minha mãe era doméstica e trabalhava o dia todo. Eu cuidava da minha irmã mais nova, da casa, da comida...”, recorda, hoje já consciente de que o que fazia era mais do que ‘ajuda’, era trabalho. “Às vezes, os pais podem pensar que aquilo é só uma ajuda, mas não. O tipo de trabalho infantil mais comum é justamente o doméstico, que muitas vezes não é identificado porque acaba sendo considerado ‘ajuda’”.

Diante das necessidades de uma criança de cinco anos de idade, da obrigação de ter a casa arrumada até a hora do retorno da mãe e de reparar o alimento que cozinhava no fogão, Laiane poucas vezes tinha tempo até para sentir falta dos direitos que cabe a toda criança e adolescente. Direitos, porém, que, sem dúvida, lhe fizeram muita falta. “O que eu mais sentia falta era da minha liberdade de ir brincar, estudar. Mas, no momento em que o trabalho infantil está acontecendo, a criança acaba não pensando nessa liberdade porque o cansaço é muito maior”, reflete. “A criança acaba correndo perigo porque ela está perdendo parte da sua infância e da adolescência. Criou-se a ideia de que o trabalho infantil se caracteriza mais nas carvoarias, na roça, mas o maior índice de trabalho infantil está na região urbana”, explica a educadora.

(Diário do Pará)

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