Governo desrespeita pacientes com câncer

Na saída de casa, no bairro da Terra Firme, em Belém, a autônoma Maria Regina Silva levou consigo apenas os documentos pessoais da sogra. Ciente de que durante toda a noite a dormida seria na porta do Hospital Ophir Loyola, referência no tratamento de câncer no Pará, nada de muito valor poderia lhe acompanhar. Papelão estirado no chão frio, só o que resta, além da espera pelo amanhecer do dia, é a sorte. “Tem que passar por isso e ainda corre o risco de não conseguir”.

Com a sogra debilitada pela doença para a qual faz tratamento, Maria Regina é a “procuradora” na luta pelo atendimento médico. Luta essa que inicia ainda na noite do dia anterior. “Tô desde 22h de ontem. Quando tem que marcar consulta, sabe que tem que vir pra dormir”, convencia-se, já por volta de 4h. Sem que o papelão encontrado para o descanso tivesse o tamanho suficiente, a dormida seguia sentada pelos poucos instantes em que a cabeça, entregue ao cansaço, não tombava para o lado. “Só são duas fichas pra dermatologista. Sempre tem que dormir, sempre é isso. Essa nossa saúde pública... só Jesus”.

Ainda que leve, o cochilo é sempre interrompido ao menor sinal de movimento na rua escura. Ainda que acompanhada por um número considerável de pacientes que enfrentavam a mesma situação na madrugada de ontem, o medo pela violência exacerbada era inevitável. “O medo é muito. De vez em quando passa gente e a gente fica com medo de fazerem alguma coisa com a gente”, desabafa, sem deixar de lembrar que a última visita à portaria do hospital ocorreu há pouco mais de 24 horas.

“Eu vim ontem (quarta-feira). Cheguei 3h e quando chegou na minha vez, já tava preenchida a vaga. Desde junho que a gente tá tentando entregar uma biópsia que a minha sogra fez e não consegue. Ela mora em Marapanin, tem 70 anos... tá lá esperando”.

Também à espera, a única proteção garantida à dona de casa Elza Dallacqua é a do lençol fino. Do município de Altamira, Elza chegou à fila em busca de quimioterapia para uma amiga que faz tratamento no local. Apesar do pouco tempo de acompanhamento, a visita à noite de espera também não é a primeira. “Essa amiga está com câncer e a gente veio pra tentar marcar uma quimioterapia pra ela. Moramos na transamazônica, em Altamira”, reforça. “Na situação em que ela está, não tem como ela vir enfrentar isso aqui. Eles disseram que só distribuem duas fichas por dia, é um absurdo!”.

Já na segunda noite seguida de sono interrompido pelos vendedores que, já conhecedores da presença constante da fila de pacientes durante a madrugada, passam a todo momento oferecendo café da manhã, toda a atenção de Elza é voltada para a busca da certeza do agendamento. “Ontem (quarta-feira) chegamos aqui 4h e conseguimos marcar só um outro exame que ela precisava. Aí tivemos que voltar hoje pra ver se conseguíamos agendar a quimioterapia. Chegamos 0h”, contabilizava.

“Eu tô acreditando que hoje a gente vai conseguir porque fomos os primeiros a chegar pra quimioterapia. Aqui quando as pessoas chegam vão logo perguntando o que as pessoas estão esperando pra marcar, se já tiver mais de duas pessoas esperando todo mundo já sabe que não vai mais conseguir. Vão embora”.

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(Diário do Pará)