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CULTURA

Orgulho: Castelinho comemora centenário

Depois do registro dos centenários do economista Celso Furtado, do radialista e escritor Edyr Proença, do poeta Ruy Barata e de Clarice Lispector (temos outros na fila), a página deste domingo abre espaço para os cem anos de nascimento do jornalista Carlo

Imagem ilustrativa da notícia Orgulho: Castelinho comemora centenário camera Mestre no bordado dos detalhes, escrevia escondendo as informações proibidas, mas, nas entrelinhas, buscando passá-las ao leitor | Divulgação

Depois do registro dos centenários do economista Celso Furtado, do radialista e escritor Edyr Proença, do poeta Ruy Barata e de Clarice Lispector (temos outros na fila), a página deste domingo abre espaço para os cem anos de nascimento do jornalista Carlos Castello Branco (1920-1993), celebrados em 25 de junho.

Política, literatura e jornalismo são os três pilares que definem a vida de Castelinho, cujos escritos estão entrelaçados aos principais acontecimentos políticos do Brasil durante as décadas em que assinou a mais importante coluna tendo como cenário os desdobramentos brasilienses. Por isso, a biografia “Todo Aquele Imenso Mar de Liberdade: A dura vida do jornalista Carlos Castello Branco”, de Carlos Marchi, lançada em 2015, conta também um tanto da história da imprensa e do ambiente político brasileiro compartilhado por seu biografado, entre as décadas de 1940/90.

Membro da Academia Brasileira de Letras, eleito em 1982, Castelinho conviveu com os principais personagens da nossa política, atravessou períodos turbulentos, como a renúncia de Jânio Quadros, de quem foi secretário de Imprensa, e o golpe militar de 1964, quando o país mergulhou novamente numa ditadura (cruzou também o Estado Novo, de Vargas) que duraria até 1985.

Ele começou sua carreira em Minas Gerais, para onde, piauiense de nascimento, se mudou. Formou-se em direito mas logo começou a trabalhar nos Diários Associados. Foi em Minas que se aproximou de Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Pelegrino, e da literatura. Sempre sonhou tornar-se romancista, mas a carreira na imprensa se impôs. “Eu não me sentia identificado com o jornalismo, tinha aspiração de ser escritor, pela convivência com aquele grupo mineiro. Lia muita literatura, passei a ter uma certa aspiração literária, de me realizar literariamente. Escrevi uns contos, um romance, mas continuei sempre muito vinculado ao jornal. Aí me casei, comecei a ter filhos, passei a ter minha vida muito prisioneira ao negócio do jornal. Quando verifiquei numa certa altura da vida, aos quarenta anos, eu não era escritor, era jornalista. Aí aceitei a situação.” Castelinho morou depois no Rio e em Brasília, cidade onde consolidou sua carreira.

Nas mais de oito mil colunas (“Coluna do Castello”) que escreveu no “Jornal do Brasil”, pôs em prática seu talento com as letras e o jornalismo, driblando a censura (ou por ela tolerado) e desenhando o panorama político num momento de exceção e de poucas notícias acessíveis ao grande público. Era o texto mais lido e influente do país. “Ter sido jornalista político durante duas ditaduras o obrigou a aprofundar as análises, definir as informações essenciais, escrever escondendo as informações proibidas mas de maneira a passar a informação ao leitor. O enfrentamento de duas ditaduras o fez amar, acima de tudo, a liberdade de informação e de expressão”, afirma Carlos Marchi.

“Mestre no bordado dos detalhes, Carlos Castello Branco ensinou o Brasil a desvendar entrelinhas a fim de compreender o jogo do poder numa época em que tudo o que o poder queria era esconder o jogo”, escreve Dora Kramer. “Exímio contador de histórias, Carlos Marchi não esconde nada – nem mesmo o que possa soar constrangedor – sobre a trajetória do homem que virou símbolo insuperável da crônica política exercendo a arte de ouvir, a capacidade de discernir, o poder de armazenamento da memória, a preservação do espírito de independência, a habilidade no manuseio das palavras e o foco na defesa da liberdade, ao longo de cinco décadas completas.”

A experiência exótica na capital paraense

Carlos Marchi informa que um ainda jovem Castelinho (como Castello era conhecido) fez, no começo de 1947, “sua mais longa viagem até então, considerando a distância percorrida, e não o tempo gasto”. Marchi escreveu que seu biografado, aos 27 anos incompletos, viajou do Rio de Janeiro “a Belém para fazer alguma cobertura especial que os registros não legaram à posteridade”. Maravilhado pela experiência “exótica”, narrou em carta ao amigo Otto Lara Resende suas descobertas na terra desconhecida.

“Aqui chove estupidamente, como se não fosse necessário fazer outra coisa. O passo é lento, os homens trabalham lentamente. As mulheres têm perna fina, seios enormes e poucas são as que têm bunda digna de nota. É uma distração brincar com os seios das putas, geralmente com acentuados traços indígenas. Recebem qualquer dinheiro e pedem discos de presente. Gostam muito de vitrola. Tem a cidade velha, velhíssima, e a cidade nova, também velha. A luz é quase uma ficção, ou melhor, um anseio. Mas talvez seja melhor assim porque medievaliza as ruas quase coloniais.” O biógrafo flagra, no texto, um “imperdoável preconceito”, embora, contemporiza, “compreensível à época”.

Quando Jânio Quadros morreu, em 16 de fevereiro de 1992 (um ano antes de Castelinho), Castello dedicou-lhe as colunas de três dias seguidos. Em sua longa carreira, não fizera isso com nenhum político nem mesmo com aqueles a quem devotava admiração. Como já foi citado, Castelinho foi secretário de Imprensa do breve governo Jânio Quadros (de 31 de janeiro a 25 de agosto de 1961), apesar de ter relutado em aceitar a missão.

Não satisfeito, escreveu um longo depoimento sobre o governo de que participara, com a recomendação de que o texto só fosse publicado após a sua morte. O livro “A Renúncia de Jânio” foi lançado em 1996 por uma pequena editora de Brasília, a Revan. Da leitura, alguns aspectos ganham relevância para explicar a sua própria participação, seus limites, salvaguardar sua reputação e tentar explicar a renúncia. No entanto, o jornalista foi mais sincero (talvez aditivado por generosas doses de uísque, sua bebida de eleição e quase diária) sobre as prováveis razões da renúncia: “Tenho um elenco de fatos e um elenco de hipóteses. Mas por que renunciou eu não sei. E acho que ele também não sabe”.

Transcrevo a seguir trechos (que têm muito a nos dizer sobre renovados apelos ao golpe nos dias que correm) de “A Renúncia de Jânio”, reeditado em 2017 pela Edições do Senado Federal.

A renúncia de Jânio Quadros (trechos)

Carlos Castello Branco

Jânio evidentemente esperava voltar ao governo, como o disse expressamente em Cumbica, no dia seguinte ao da renúncia, quando previa para dentro de 90 dias, no máximo, a presença do povo na rua exigindo a sua volta. Mas a verdade é que não quis tentar o golpe, no governo. A ampliação de sua popularidade nos sete meses de Presidência, a tremenda autoridade por todos reconhecida, o respeito e a obediência das Forças Armadas, o desprestígio dos partidos e do Congresso lhe facilitariam a manobra para tornar-se ditador. Por que abandonou ele de repente os instrumentos do governo, se pretendia golpear as instituições? Por que abandonou tudo sem articular-se previamente, sem tomar as providências elementares que assegurassem a sua volta? O golpe de Estado dá-se de dentro e não de fora de governo. Como crer que ele se desprovesse de repente dos meios de ação indispensáveis? Não permitiu qualquer providência, nem dos ministros militares, nem do ministro do Trabalho. Pedroso Horta [ministro da Justiça], levado pelo tumulto e esmagado pela denúncia que o envolvia, havia perdido a iniciativa. A caminho de São Paulo, a confidência estranha a [José] Aparecido [de Oliveira, secretário particular de Jânio]: – Se eu quisesse, assumiria hoje o governo, em Brasília.

É possível que Jânio acreditasse, romanticamente, numa ação espontânea do povo. Lembro-me de que, na Paraíba, onde se realizava uma reunião de governadores, Janio era aclamado pela multidão toda vez que saía à rua. Do meio do povo, havia gritos nítidos:

– Ditadura! Ditadura!

Mas a longa lição da história é que não há movimentos populares espontâneos. Há sentimentos que se generalizam e se pressentem, mas a manifestação só ocorre por articulação e por provocação. A bomba não explode sem estopim.

A atitude de Jânio nos dias que se seguiram à renúncia, à espera de que o povo o acudisse, soa como uma nota ingênua, sem consonância com os acontecimentos e com os personagens. Os grupos que detinham o poder no país haviam-se apressado a concluir o espantoso episódio. Os conservadores, alarmados pelas exteriorizações de uma política externa, concebida no entanto como uma técnica ideológica de afirmação nacional, sem prejuízo dos compromissos básicos do regime, aliviavam-se e se desoprimiam. A esquerda, que esperava mas não confiava, via de repente abrirem-se caminhos eficazes para a persecução dos seus próprios objetivos. E foram uns e outros que consumaram a renúncia, liquidando apressadamente a mais audaciosa experiência de governo a que assistimos.

(...)

Jânio metia-se o dia inteiro no seu gabinete, onde havia um telex, que ele mesmo operava, telefones diversos, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, retratos com dedicatórias de Nehru, Tito e Sukarno, um enorme quadro com a figura de Lincoln, a bandeira nacional, livros e relatórios. Ali recebia, despachava, lia, estudava, incansavelmente. Trabalhava, vestido no seu slack indiano – ele os tinha de todas as cores –, das seis e meia da manhã até as oito, às nove da noite, com intervalo de 40 a 50 minutos para o almoço, que fazia habitualmente sozinho.

À noite, isolava-se no Palácio da Alvorada. Sofrendo de insônia, assistia só ou com a esposa, bebendo apenas cerveja, a dois, três filmes por noite, até a exaustão do operador. Raras vezes teve companhia para o jantar e o cinema. Os fins de semana eram passados em São Paulo. Lembro-me, porém, de um domingo em que transitei ao pôr do sol pela porta do Palácio. Na plataforma que conduz do edifício central à capela, Jânio deslocava-se sozinho, em passadas largas.

Ao lado de Jânio Quadros, como secretário de Imprensa. Brasília, 1961: “Foi a mais audaciosa experiência de governo a que assistimos”
📷 Ao lado de Jânio Quadros, como secretário de Imprensa. Brasília, 1961: “Foi a mais audaciosa experiência de governo a que assistimos” |Reprodução/ Arquivo Pessoal

Tendo apreciável experiência de administração e um certo método na rotina do serviço, foi para o governo confiando mais em si mesmo do que numa equipe que não tinha, a não ser para o miúdo. Seu individualismo afastava dele os técnicos, hoje imprescindíveis para o planejamento e a ação unificada e coerente do governo. Percebendo essa falha, desde os primeiros dias, quando lhe foi dada a mensagem presidencial ao Congresso, José Aparecido compôs improvisadamente uma assessoria técnica, que só se ajustaria e se livraria dos arrivistas no último mês do governo.

(...)

Meses depois da renúncia, derrotado na sua campanha para o governo de São Paulo, desassistido de esperanças imediatas, Jânio recebeu em sua casa de Guarujá a visita do fiel amigo Romero Cabral da Costa. O presidente, adoentado, estava de cama. Perguntou ao seu ministro da Agricultura o destino de várias medidas que ambos haviam longamente discutido no governo, e adotado. Jânio queria saber o que persistia, o que fora mudado, o que teria acontecido se não fosse alterado este ou aquele decreto. De repente, inflamado, ergueu-se na cama e exclamou: – Ministro, mas que belo governo estávamos fazendo!

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