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"VÍRUS DO BEM"

Pesquisadores brasileiros criam vírus para estudar o cérebro

Pesquisa auxilia a compreensão de transtornos psiquiátricos, como a esquizofrenia

Imagem ilustrativa da notícia Pesquisadores brasileiros criam vírus para estudar o cérebro camera Grupo cria vírus capaz de atuar em áreas específicas de cérebros adultos, ajudando a elucidar o papel de neurônios-chave no córtex pré-frontal | Nicolas Guyon

Conhecido como o “executivo do cérebro”, o córtex pré-frontal é a região que gerencia as ações cognitivas e está envolvido na tomada de decisões do ser humano. Com ferramentas de engenharia genética, pesquisadores criaram um vírus capaz de entrar em neurônios específicos e inserir no córtex pré-frontal um novo código genético que induz à produção de proteínas modificadas.

Em testes com camundongos, a alteração dessas proteínas se mostrou suficiente para modificar a atividade cerebral, indicando um potencial biomarcador para o diagnóstico de transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia e autismo.

Estudos anteriores realizados em tecidos dessa região do cérebro de pacientes com esquizofrenia já encontraram alterações, principalmente, em duas proteínas: a BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro) e a trkB (tropomiosina quinase B).

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A relação entre BDNF e trkB é importante durante a fase de desenvolvimento cerebral. Quando uma dessas proteínas se liga à outra, inicia-se uma cascata de sinalizações intracelulares essenciais para a maturação e o crescimento neuronal. Desequilíbrios nesse tipo de sinalização podem estar associados à manifestação de alguns transtornos.

Agora, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade de São Paulo (USP), no campus de Ribeirão Preto, e do Instituto Karolinska, em Estocolmo, criou um vírus que consegue carregar o código genético para produzir uma forma mutante de trkB. Com essa modificação da proteína, ao se ligar à BDNF, ocorre um bloqueio do início da cascata de sinalizações intracelulares, reproduzindo assim características observadas em tecidos cerebrais de pacientes diagnosticados com esquizofrenia.

Na pesquisa, realizada com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o grupo atuou sobre um tipo de neurônio: os interneurônios inibitórios que expressam parvalbumina (PV). São eles que atuam como “maestros” no cérebro, ou seja, organizam as atividades excitatórias e inibitórias no córtex, gerando ritmos de alta frequência (oscilações gama, entre 30 e 80 hertz). Se houver disfunção dos interneurônios PV, o processamento entre a informação gerada pela região cortical do cérebro e o comportamento cognitivo é prejudicado. Pacientes com transtornos psiquiátricos apresentam alterações nessas oscilações, possivelmente relacionadas à integridade dos interneurônios PV.

Considerado uma máquina complexa, o cérebro humano conta com grupos de neurônios e interneurônios que se comunicam por meio de correntes elétricas. Elas ativam e inibem outros neurônios ao seu redor, além de circuitos em áreas cerebrais distantes. A atividade organizada desses diferentes circuitos dá origem à consciência, sentimentos e comportamentos.

“Usando uma nova estratégia viral para a expressão de trkB negativo dominante (trkB.DN) em um tipo celular específico e de forma espacialmente restrita, mostramos que a sinalização de BDNF/trkB é essencial para a integridade e manutenção de interneurônios PV pré-frontais em camundongos adultos”, escrevem os autores no artigo publicado em fevereiro pela revista científica The Journal of Neuroscience.

O estudo foi realizado com a introdução do vírus em tecido cerebral de camundongos transgênicos adultos, utilizando a tecnologia de recombinação Cre-Lox, uma técnica de engenharia genética que permite inserir ou apagar sequências-alvo no DNA. Depois, o grupo registrou a atividade elétrica no córtex pré-frontal dos camundongos.

Foram encontradas alterações no equilíbrio das atividades excitatórias e inibitórias, assim como mudanças nas ondas cerebrais e na atividade neuronal, resultando em um comportamento mais agressivo e de ansiedade nos animais.

O professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG Cleiton Lopes Aguiar, um dos coordenadores do estudo juntamente com a professora Marie Carlén, do Instituto Karolinska, explica que, ao utilizar essa técnica, foi possível manipular circuitos específicos do córtex de forma inovadora.

“Os resultados indicam que a manipulação de BDNF/trkB em adultos é capaz de alterar não apenas a atividade cerebral, mas também comportamentos complexos dependentes do córtex pré-frontal. Isso mostra que a sinalização BDNF/trkB é necessária tanto no processo de desenvolvimento como para a manutenção de redes neurais maduras”, afirma Aguiar.

Um dos coautores da pesquisa, Leonardo Rakauskas Zacharias, do Laboratório de Investigação em Epilepsia, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), destaca que essa nova técnica permite o estudo do cérebro já desenvolvido, depois de adulto.

O papel dos interneurônios

Na mesma edição do The Journal of Neuroscience, o grupo publicou outro artigo que trata da sincronia de interneurônios inibitórios que expressam a parvalbumina.

“As oscilações cerebrais são fundamentais para a coordenação da atividade entre neurônios e estruturas. As oscilações gama [30-80 Hz] têm recebido atenção especial por sua associação com processos perceptuais e cognitivos. (...) Mostramos como a inibição deficiente de PV pode levar a disparos excitatórios aumentados e assíncronos, contaminando os registros de potenciais de campo locais e se manifestando como aumento de potência gama. Portanto, a potência gama aumentada nem sempre reflete um ritmo oscilatório genuíno”, escrevem os autores.

Segundo Nicolas Gustavo Guyon, um dos pesquisadores do grupo ligado ao Instituto Karolinska, ao estudar as oscilações, eles detectaram que os interneurônios inibitórios nos camundongos geneticamente modificados não são capazes de responder a todos os estímulos excitatórios gerados por outros neurônios, o que leva a uma atividade dessincronizada.

Para Aguiar, o que une os dois artigos é a tentativa de desvendar o papel dos "maestros" (interneurônios) no córtex pré-frontal e entender como o cérebro organiza o balanço entre excitação e inibição. “Estamos tentando entender o cérebro normal para chegar a uma melhor compreensão de transtornos psiquiátricos, como a esquizofrenia. Mostramos que, se houver alteração de alguns aspectos específicos nesses animais normais, eles apresentam sintomas que podem ser pistas iniciais para elucidar os transtornos”, afirma.

Segundo relatório da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), embora os transtornos sejam responsáveis por mais de um terço do total de incapacidades nas Américas, os investimentos em programas de saúde mental ainda ficam abaixo do necessário. Estão incluídos nesse dado casos de transtornos mentais e depressivos, entre eles demência e esquizofrenia, que atingem cerca de 23 milhões de pessoas no mundo, sendo 1,5 milhão de brasileiros.

Zacharias destaca que o trabalho do grupo, fruto de mais de sete anos de pesquisa, pode contribuir no futuro com o desenvolvimento de potenciais tratamentos. “Trabalhamos com ciência básica para entender os mecanismos do cérebro. Isso serve como um tijolinho para compreender os transtornos psiquiátricos”, diz o pesquisador da USP.

Clique aqui para ler o artigo Adult trkB signaling in parvalbumin interneurons is essential to prefrontal network dynamics. Clique aqui para acessar o estudo Network asynchrony underlying increased broadband gamma power.

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