Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz e Miguel Campos Neto mostram inéditas de Gnatalli

O gaitista norte-americano Robert Bonfiglio tem uma forte relação com o Brasil. Em uma das suas pesquisas sobre música erudita, acabou encontrando um manuscrito original de uma peça do compositor gaúcho Radamés Gnatalli (1906-1988): o “Concerto n.2 para Harmônica e Orquestra”, que jamais fora gravado ou interpretado por um solista ou grupo orquestral. Agora, Belém será o palco da estreia mundial desta obra, hoje, às 20h, com a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz (OSTP) e regência do maestro Miguel Campos Neto.

Bonfiglio conheceu a obra de Gnatalli por meio de um amigo, que o apresentou o “Concerto n.1” por meio de uma gravação antiga, ainda na década de 1980. E ele gostou do que ouviu, pois a obra tem uma parte com toques de baião, música típica do Nordeste. Esse trânsito entre o erudito e o popular foi a grande marca do brasileiro, que deixou um legado importante com suas peças. “A música dele é muito melódica, com uma sensação folk pop e totalmente acessível, ao contrário de muita música clássica moderna”, explica o gaitista.

A estreia do “Concerto n.2 para Harmônica e Orquestra” só é possível por conta desta conexão do gaitista com o brasileiro. “Esse concerto foi escrito para o Sr. Aluísio Rocha e eu o rastreei através da filha do Sr. Rocha, chamada Helenice, que tinha o manuscrito original. Ela escaneou e me enviou e assim eu mandei uma cópia para a viúva de Gnattali”, comenta Robert Bonfiglio - que retorna à capital paraense pouco mais de um ano do primeiro concerto com a OSTP.

O maestro Miguel Campos Neto lembra que o fato de se achar uma música inédita de um compositor do nível de Gnatalli é algo para se comemorar. Ele também se sente desafiado por estar, ao lado de Bonfiglio, realizando a primeira performance pública da obra. “Encontrar um manuscrito é um grande acontecimento. E tivemos a sorte de fazer essa estreia. O Robert poderia ter escolhido qualquer outra orquestra do Brasil e do mundo”, destaca. “Estamos criando a primeira interpretação da obra. É algo difícil para qualquer grupo, mas a experiência e o profissionalismo do Robert faz tudo ficar mais fácil. Nós já temos uma amizade musical e extramusical, fica mais fácil o diálogo. Sinto que estamos fazendo história, como as grandes estreias que hoje lemos nos livros, a OSTP será retratada como a orquestra que fez a estreia dessa obra”, completa o maestro.

Campos Neto também enfatiza outra peculiaridade do concerto desta noite: a presença da harmônica (como também é chamada a gaita) ao lado da orquestra - o que não é tão comum assim, já que normalmente vê-se instrumentos clássicos, como pianos, violinos e violoncelos, em momentos solos de concertos.

“O Radamés é muito conhecido porque tem um pé na música popular. Ele compunha música erudita e popular, e mistura as duas coisas. Neste ‘Concerto n.2’ tem uma cadência, quando só o solista fica improvisando no palco, é um momento bonito, a própria orquestra observa, fica de olho aberto. É mais ou menos quando a escola de samba faz a paradinha”, compara.

Campos Neto e Bonfiglio sobem ao palco pela sexta vez juntos. A primeira vez foi há oito anos, no Concerto de Harmonia Villa-Lobos realizado no Teatro Amazonas, em Manaus. Eles também executaram a mesma peça com a Sinfônica de Porto Rico, em San Juan, e com a orquestra Altino Pimenta, da UFPA, em Belém e Macapá.
O programa terá ainda “Mulher Rendeira”, de Fernando Moraes, e “Prelúdio das Bachianas Brasileiras nº 4”, de Heitor Villa-Lobos, uma série de composições escritas em 1922, com influências do movimento modernista no Brasil, e que tem na sua essência o diálogo com o folclore nacional.

(Dominik Giusti Especial para o Você)