plus

Edição do dia

Leia a edição completa grátis
Previsão do Tempo 25°
cotação atual R$


home
_

Livro e CD resgatam cultura e canções de ninar do povo Juruna

Desde a década de 1980, a etnolinguista Cristina Fargetti estuda a língua e a cultura do povo yudjá, mais conhecido entre os não-indígenas por Juruna, grupo que vive no Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso. Ao longo desses anos, ela adquiriu profundo

Desde a década de 1980, a etnolinguista Cristina Fargetti estuda a língua e a cultura do povo yudjá, mais conhecido entre os não-indígenas por Juruna, grupo que vive no Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso. Ao longo desses anos, ela adquiriu profundo conhecimento e proximidade com os membros da etnia, identificou particularidades culturais, como seu senso de humor característico e a presença de uma categoria de animais nomeada “bichos-gente”. E foi dos Juruna que partiu o convite para que o livro “Fala de Bicho, Fala de Gente” fosse publicado. Lançado ontem em São Paulo, véspera do Dia do Índio, o livro apresenta a cultura juruna com base em 49 cantigas de ninar desta etnia. O lançamento, pela Edições Sesc, conta ainda com a participação da cantora e compositora cearense Marlui Miranda, reconhecida como uma das mais importantes intérpretes da música indígena no Brasil.

“Eles me disseram que suas cantigas de ninar estavam sendo esquecidas e que queriam resgatá-las, queriam que os jovens aprendessem, e me chamaram para pesquisar junto com eles, em 2010”, lembra Cristina, também uma apaixonada por música, que toca flauta e canta.

O fato de a pesquisadora ser amiga há muitos anos de Marlui Miranda, cantora com 95 músicas do povo Juruna gravadas, também agregou ao livro, com um capítulo escrito pela musicista, responsável ainda pela transcrição das partituras de todas as cantigas.

Cena da vida do povo indígena Juruna, no Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso. (Foto: Cristina Fargetti)

Marlui conta que entrou em contato com canções de ninar de vários povos, mas que nenhum lhe apresentou um repertório tão extenso - são mais de mil canções Juruna. “Com eles foi a primeira vez que pude me envolver com cantigas de ninar”. Ela observou ainda, que, diferente dos brancos, que cantam para seus bebês dormirem à noite, eles cantavam apenas dentro de um determinado período, entre nove da manhã e cinco da tarde, quando as crianças estão com suas avós enquanto os pais saem para trabalhar na roça e outras atividades.

“Quando perguntei ‘e de noite, como faz?’, eles me responderam que de noite não precisa porque elas já dormem normalmente. Elas gastam a energia delas até o ponto de não precisar de cantigas. Não é como as nossas crianças sentadas vendo tablet, televisão, elas não perdem esse tônus do sono”, explica.

Essa relação com os horários vem ainda de recomendações ancestrais, relacionadas à religião e à maneira que o povo Juruna compreende a função das músicas. “Ela é para aquele momento do dia, não existe nada desperdiçado, a função é justa e vem desde a gênese desse povo”, explica Marlui.

A etnolinguista em momendo de descontração. (Foto: divulgação)

HISTÓRIAS DE BICHO E DE BICHO-GENTE

Os temas das cantigas de ninar Juruna tem suas semelhanças e diferenças com aquelas que herdamos dos colonizadores portugueses. Alguns mais apavorantes, outros mais tranquilos. Há cantigas compostas em tempos imemoriais, da gênesis Juruna, ditadas por seres humanos ou por “bicho-gente”. Há aquela que fala do lamento de uma mulher abandonada; outra em que o sapo lamenta não ter bunda assim como outros bichos; e ainda o urubu que canta querendo comer o olho de um humano.

Você percebe que tem história nelas. “É quase uma crônica, que narra fatos do passado Juruna ou que estão ocorrendo ou que foram transmitidos pelos bichos mesmo. Tem algumas muito divertidas, como a que fala: ‘a macaca preta está cantando, eu sou assim, eu sou doida’ (risos)”, canta Marlui. Mesmo que algumas sejam tão pesadas quanto o boi da cara preta que pretende pegar a criança que tem medo de careta, existe uma função muito especial para se passar adiante a tradição das cantigas.

Uma mulher do povo Juruna no parque indígena. (Foto: Cristina Fargetti)

“Mesmo as que falam de coisas terríveis servem para as crianças se apropriarem dos sons, da fonética da língua Juruna”, destaca Cristina Fargetti. Quando as cantigas vêm de um bicho-gente, a autora mostra que elas têm erros gramaticais. “Perguntei se era assim para discriminar quando era uma cantiga feita por bicho-gente, mas eles disseram ‘não, é erro gramatical mesmo, porque para ser gente tem que falar bem a língua, falar um bom Juruna!’ (risos)”.

Como as cantigas ocidentais, elas também costumam ser lentas. “Não podem ser muito animadas porque senão a criança não dorme. Às vezes trazem conteúdo moralizante, como nas nossas”, completa Cristina.

Além de todo o trabalho de pesquisa acadêmica, foram reunidas e gravadas num CD as 49 cantigas de ninar, entoadas por mães e avós ao embalar suas crianças, resistindo, desse modo, ao processo de aculturação que ameaça os povos originários desde o contato com os não índios.

As duas pesquisadoras se dizem muito encantadas com esse universo de cantigas, vislumbrado a partir da iniciativa dos próprios Juruna. “É um trabalho fruto de parceria com instituições fidedignas, que gostam do índio. O principal disso tudo é o povo indígena. Escrever essas canções foi um ato de gostar”, considera Marlui. “Acredito que os índios merecem nosso respeito e esse conhecimento de que são diferentes entre si, diferentes de nós, e têm muito a nos ensinar. Temos muito a aprender com eles - respeito à vida, à natureza, conhecimento ancestral. E os Juruna sabem bem a importância que esse conhecimento tem”, finaliza Cristina.

(Lais Azevedo/Diário do Pará)

VEM SEGUIR OS CANAIS DO DOL!

Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.

Quer receber mais notícias como essa?

Cadastre seu email e comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Conteúdo Relacionado

0 Comentário(s)

plus

Mais em _

Leia mais notícias de _. Clique aqui!

Últimas Notícias