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Cadernos policiais estamparam a cruz de Jesus em espetáculo de teatro

Este ano, quando Jesus foi crucificado em ambiente cênico da tradicional “Paixão de Cristo”, no bairro de Canudos, a cruz trazia um peso diferente daquele que o público esperava. Trazia a violência estampada nos cadernos policiais. “As pessoas olham para

Este ano, quando Jesus foi crucificado em ambiente cênico da tradicional “Paixão de Cristo”, no bairro de Canudos, a cruz trazia um peso diferente daquele que o público esperava. Trazia a violência estampada nos cadernos policiais. “As pessoas olham para a cruz, uma cenografia feita de pessoas executadas, anônimas ou não, vítimas de assalto com refém, execuções à luz do dia, como se sentissem o peso de um problema cotidiano. Queria deixar a cruz pesada não no sentido do volume, mas no sentido simbólico”, diz Humberto Jardel, cenógrafo do grupo Aldeato, responsável pelo espetáculo.

Algumas emolduradas, outras coladas diretamente sobre a base da cruz, entre as imagens, uma inevitavelmente se destacou, inclusive aos olhos do fotojornalista Maycon Nunes, da equipe do DIÁRIO, que registrava o espetáculo. “Me deu um choque quando vi a foto da Marielle (vereadora morta mês passado, no Rio de Janeiro). Quando publiquei a foto na internet, destaquei o impacto daquilo”, lembra Maycon, que assim legendou a foto: “O filho do carpinteiro morreu pela militante, pelo militar e pelo meliante”.

Em uma das cenas mais comoventes da representação, quando o corpo de Jesus é colocado já sem vida no colo de sua mãe, Maria, mais uma vez os cadernos policiais serviram de matéria-prima para recriar uma situação bem real. A cena de um menino perseguido e morto, o isolamento feito pela polícia em fita zebrada e a remoção que trabalha sob o som do choro de uma mãe e dos flashs de um fotógrafo da imprensa traçaram um paralelo. “Hoje em dia, mães estão perdendo seus filhos como Maria perdeu Jesus, e a gente pensa no teatro como uma ferramenta para reflexão dessas questões”, destaca Aluízio Freitas, diretor do Aldeato.

O gerente de Marketing do Grupo RBA, Hamilton Pinheiro, destaca que, mesmo que as pessoas digam que “se espremer sai sangue”, o caderno Polícia do DIÁRIO sempre foi um dos vetores de venda do jornal. “Principalmente nos bairros periféricos, onde aquela violência faz parte do cotidiano dos leitores. Em feiras livres, você sempre o vê destacado dos outros cadernos. Os próprios jornaleiros são leitores do caderno, usam as manchetes dele como atrativo para a venda, porque as pessoas querem ver ali o que ocorreu no seu próprio bairro”, aponta. Essa relação de “se ver” no caderno policial, o seu bairro, a sua cidade, está presente ainda na obra de vários artistas.

Cenas que se confundem com realidade

(Foto: Maycon Nunes/Diário do Pará)

Entre os artistas cujos trabalhos têm problematizado um ambiente de violência e exclusão, está Éder Oliveira – destaque em prêmios importantes como o Prêmio Pipa e Marcantonio Vilaça -, que começou fazendo intervenções urbanas. Ele levava os rostos que encontrava no jornal para os muros da periferia, instigando as pessoas a olharem de outra forma para homens cuja identidade muitas vezes é marginalizada.

“A princípio eu queria retratar o homem amazônico na minha obra, e qual foi minha surpresa ao ver que ele está retratado nas páginas de crimes dos jornais muito mais do que em outro tipo de publicação ou mídia”, conta. “Essa realidade se confunde com a minha própria história, porque eu vim do interior para morar na cidade grande e ganhar a vida também a partir da periferia”, revela.

Outro artista que, assim como Éder Oliveira, ganhou notoriedade na cena artística nacional ao trazer um novo olhar sobre a violência foi o fotojornalista do DIÁRIO, Wagner Almeida. Entre as fotografias mais marcantes dele, está a de um suposto criminoso, morto e estampado nas páginas policiais tendo em suas costas uma tatuagem com a frase: “Só Deus pode me julgar”, parte da série “Livrai-nos de Todo Mal”. Em outra imagem, no braço do morto jaz a mensagem “Fé em Deus”.

Wagner, que há anos vem atuando na cobertura policial na Região Metropolitana de Belém, afirma que cada uma de suas séries nasceu de elementos que chamavam sua atençã durante as rondas de reportagem. “Na série ‘Vale das Sombras’, em determinadas fotografias, quando o perito criminal acende a lanterna de cima para baixo, parece uma cena de teatro! Parece um evento com público, imprensa, e você começa a refletir sobre várias questões”, afirma o fotojornalista.

Para o colega de profissão, Maycon Nunes, foi também um momento de reflexão sobre seu próprio trabalho ver seu “personagem” em cena na Paixão de Cristo. “Eu cheguei a reclamar com o cara [o fotógrafo], disse que ele estava atrapalhando, que eu queria fotografar e ele estava na frente, e ele disse: eu faço parte da cena. E é isso, sabe, a gente faz parte disso”, analisa.

Cenas, fotografias e pinturas… Tudo isso é importante para que o choque e a reflexão não deixem de existir, destaca o diretor do grupo de teatro Aldeato, Aluízio Freitas. “Logo de início, quando contamos aos jovens que esse seria o tema do espetáculo, alguns deram risadas, pensando ser brincadeira. Outros pensaram que a Paixão de Cristo em nada tinha a ver com essa violência nos cadernos policiais. Mas conforme fomos abordando o assunto nos ensaios, em conversas sobre as cenas, eles entenderam a importância de colocar essa cena da morte, da remoção. Muitos deles estão inseridos nesses ambientes de violência, e precisavam sair da banalização disso, precisavam mostrar que tem uma saída que não é a violência”, finaliza.

(Lais Azevedo/Diário do Pará)

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