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Alex Atala vem a Belém falar sobre “Pancs”

Faz quase um ano que a relação de Belém com Alex Atala, considerado um dos melhores chefs do mundo, tem sido um tanto indigesta. Como um dos convidados do evento “A Amazônia Descobre a Amazônia”, realizado no final de semana passado, ele foi aplaudido, ti

Faz quase um ano que a relação de Belém com Alex Atala, considerado um dos melhores chefs do mundo, tem sido um tanto indigesta. Como um dos convidados do evento “A Amazônia Descobre a Amazônia”, realizado no final de semana passado, ele foi aplaudido, tietado, mas continua a ser visto com desconfiança por ter sido um dos nomes à frente do projeto para a criação de um Polo de Gastronomia na capital paraense, anunciado pelo Governo do Estado em junho do ano passado, e que despejaria o Museu de Arte Contemporânea de seu endereço na Casa das Onze Janelas.

Com a repercussão negativa, que foi parar em grandes jornais e revistas nacionais, Atala anunciou publicamente que se retirava do grupo que gerenciava o projeto, mas em nenhum momento manifestou apoio para que o Museu seja preservado e o Polo instalado em outro endereço. Em entrevista ao Você, Atala comenta sobre essa visita a Belém para falar de Plantas Alimentares Não Convencionais (“Panc”) - uma de suas paixões na cozinha -, o papel do chef na preservação da cadeia que vai do mateiro ao cliente no restaurante, e uma possível volta ao projeto de um Polo de Gastronomia na Amazônia.

Conhecer as “Panc” é uma forma de preservação?
O cara que inventou esse acrônimo “Panc”, o Valdely Kinupp, fala e eu repito de forma semântica: “A biodiversidade quando falada não tem valor. Quando provada, ganha valor”. Falar de plantas alimentares não convencionais pode ser muito distante da nossa realidade hoje, mas vamos pensar em vinho. Há poucos anos, nós bebíamos poucos vinhos, de poucas regiões do mundo; hoje bebemos muito mais vinho e de várias regiões. E quando você começa a beber vinho, começa a prestar atenção em algumas coisas: Geografia - de onde vem, de qual região; Geologia - como é composto aquele solo que vai dar aquele resultado no vinho; clima - para cada clima, um efeito diferente também.

O evento reuniu pessoas de diferentes nacionalidades. Isso também ajuda?
[O evento] tem uma segunda mensagem, que é “conectar a Amazônia à Amazônia”. Estou falando de áreas da Amazônia que conversam muito mal. Por exemplo, nós brasileiros com Peru, Colômbia, Venezuela, outros países que dividem nosso bioma, que têm a Amazônia, que têm espécies amazônicas e outros saberes que nós não temos. Essa conexão é fundamental para fortalecer uma totalidade de um bioma que se chama Amazônia.

Entre as “Panc” visitadas nesse evento alguma é da sua predileção?
Perguntar isso pra um chef é como perguntar pra um artista que cor ele prefere. Mas eu diria que tenho carinho especial por uma, porque normalmente ela está escondida embaixo de outra, que é a bacaba. Acho que o mundo, o Brasil, supervaloriza o açaí e está certo, mas desconhece a bacaba. Ela tem um potencial incrível.

Como começou o seu interesse em conhecer esses ingredientes diferentes?
Começa desde minha a primeira infância com meu avô e meu pai viajando pelo Brasil; vindo as primeiras vezes a Belém, à Amazônia. Depois, virando cozinheiro, me apaixonando pela cozinha, indo morar na Europa e percebendo que eles tinham uma atenção às plantas espontâneas ou selvagens. Eu falei: nossa, aqui [na Amazônia] eles também têm isso.

“A Amazônia não é Belém do Pará”, Alex Atala (Foto: Wagner Santana)

E foi isso que evoluiu para o seu interesse pelos cogumelos?
Quando voltei ao Brasil foi natural que eu quisesse buscar isso aqui, e hoje venho concretizar num sonho que é trabalhar com os cogumelos brasileiros. A Europa tem muitos cogumelos, nos ensina sobre eles, cozinha com eles, e não era possível que no Brasil não existisse cogumelo, que não se comesse e, obviamente, esse meu primeiro insight era veradeiro. Há muitas populações tradicionais que comem deles e existe gente séria pesquisando sobre cogumelo.

E qual é papel do chef nessa necessidade de conectar a mesa à biodiversiade?
Jogar luz. O chef talvez seja hoje mais pop, tenha mais força na voz do que qualquer outro elo da cadeia. E essa cadeia não começa na mão do chef, ela começa na natureza, na terra. Um homem produz ou coleta, um homem vende, outro cozinha, outro come. Vai criando esse ciclo que é a cadeia do alimento, que eu acho que não dá pra desassociar do futuro da humanidade. Hoje, neste momento que vivemos, o cozinheiro tem uma atenção especial e pode usar a voz dele pra chamar atenção não para ele, mas para o conjunto, para a cadeia do alimento.

Você pretende voltar a trabalhar com o projeto de um Polo Gastronômico no Pará?
Sem dúvida. Desde que seja uma coisa consensual. É um sonho e se não for aqui [em Belém] vai ser em outro lugar da Amazônia. A Amazônia não é Belém do Pará. A Amazônia é isso que eu falei, é biodiversidade que passa por vários países. Há uma série de lugares com interesse. Belém do Pará é um lugar incrível, acho que é uma grande porta de entrada. Belém tem uma força que não vem só dos seus 400 anos, mas também a força de juntar o rio e o mar, uma Amazônia que pouca gente se atém a ela. Seria incrível poder fazer um trabalho em Belém e volto a falar: não é para mostrar para Belém do Pará, é pra mostrar para o mundo. Belém pode se espelhar em Minas Gerais, Bahia, ou na cozinha italiana, na cozinha japonesa. A divulgação da cultura é o próprio fortalecimento dela.

Profissionais de nacionalidades distintas se reuniram em Belém para discutir e trabalhar com plantas alimentares não convencionais (Foto: Wagner Santana)

Pesquisadores e chefs desbravam plantas alimentícias

Vindos de diferentes áreas, pesquisadores, chefes de cozinha, mateiros e exploradores se reuniram em Belém para trocar algumas ideias com muito sabor. E o local escolhido foi Belém, eleita Cidade da Gastronomia pela Unesco há mais de um ano. Para nortear a conversa e o rumo da cozinha, um tema especial foi escolhido: as plantas alimentares não convencionais (“Panc”). São plantas que não se encontram nas gôndolas de supermercados e, muitas vezes, nem nas bancas de feira. Quando estão lá podem ser conhecidas por valores medicinais, entre outros aspectos, mas não por seu potencial como alimento.

“Hoje pode não ser convencional, mas isso pode mudar”, diz o cozinheiro e colunista de gastronomia Roberto Smeraldi, um dos profissionais que defendem a difusão de conhecimento sobre o uso alimentar desse bioma. O chef peruano Pedro Miguel Schiaffino, reconhecido entre os 50 melhores do mundo, destacou algumas iniciativas fora do Brasil, como o primeiro curso de Cozinha Amazônica no Peru, que será ofertado por uma universidade católica em Lima. “Ali vamos falar da cozinha ancestral, tradicional e contemporânea”, destaca.

Além disso, ele conta que há a intenção de formar um grupo de cozinheiros de diferentes partes da América Latina. “Nosso principal propósito é integrar a cozinha amazônica à alimentação da latino-américa. Cremos em uma panamazônia, que estamos integrados por uma cultura e não somente por ingredientes”, diz ele. Para Jaime Llamos, coordenador da Fundação Cozinha Amazônica da Venezuela, “o conhecimento que se troca aqui (entre profissionais) vai em beneficio também da preservação dessas culturas”.

A bióloga do Inpa Noemia Ishikawa deixa isso bem claro ao falar dos fungos. “Da floresta, o que a gente comumente enxerga é o verde, mas sem os fungos trabalhando para degradar a madeira, fazer a reciclagem de nutrientes, a floresta não existiria. Para nossa felicidade, a biodiversidade da Amazônia é gigantesca. A gente desconhece 99,9% da nossa biodiversidade de fungos na Amazônia, mas o pouco que conhece dá pra trabalhar muita coisa, inclusive o lado gastronômico. Dá para ter culinária sem os fungos, mas com os fungos/cogumelos, tudo fica muito mais gostoso”, diz.
Sebastião Jr., pesquisador da Emprapa, dá uma dica: “quando você está caminhando no mato, se você observar um primata se alimentando daquele fruto ou flor, você pode desconfiar que ele é cosmetível”. Alguns trazem benefícios realmente difíceis de se encontrar em outros alimentos. O cientista e pesquisador Charles Clement destaca o vinho do patuá, cuja proteína, segundo ele, “é excelente para o uso humano, porque tem um perfil quase idêntico ao presente no leite materno”.

EVENTO

O encontro “Amazônia Descobre a Amazônia” foi realizado no último final de semana, a partir da parceria entre o tradicional Instituto Paulo Martins, o Centro de Empreendedorismo da Amazônia e o instituto Atá. É o mesmo grupo que, desde o final de 2015, aglutinou outras entidades da sociedade civil para tentar a empreitada de montar um Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade em Belém.

PARA ENTENDER

"Panc” para dar água na boca

Cubiu - Ele não é tão “Panc”quanto a maioria apresentada no evento. É uma hortaliça-fruto tradicional, “um tomatão”, como o apresentou o pesquisador Valdely Kinupp. É um fruto muito firme, com muitas etnovariedade, vários tamanhos, alguns mais ácidos, outros mais doces. “Tem muita pectina, ou seja, um espetáculo para fazer geleia”, sugere Kinupp. No Sudeste do país, costuma ser chamado maná cubiu, ou simplesmente maná. E é tido ainda como “o fruto do século”, porque tem muita pectina, fibra dietética e é rico em miacina. “Miacina é uma vitamina do Complexo B, um antidepressivo natural”, explica.

Açairana - A cor, o formato e o gosto são muito similares ao do açaí. “É uma fruta que três meses atrás eu não conhecia”, conta Paulo Anijar, que com ela prepara uma receita com tapioca e pitú. “Vou misturar com o pitú, outro ingrediente que não é valorizado, o pitú malasiano, da região de Mosqueiro. As pessoas acabam explorando muito mais a lagosta, o camarão rosa, que o pitú, um ingrediente maravilhoso”, comenta. Muito comum na região amazônica, açairana, quer dizer “falso açaí”. “Não é uma palmeira, não tem nada a ver com a família do açaí, por isso se chama açaí falso”, explica Sebastião Jr. Encontrada na Região do Salgado, Paragominas, Mosqueiro, a açairana sofre influência de várzea.

Patauá Óleo - A patauá é uma palmeira de consumo grande, no Acre, as pessoas costumam fazer dela o vinho de patauá (como ocorre com o açaí) ou extrair o óleo, que os caboclos e indios usam na comida como um bom substituto do azeite de oliva. “É usado pra fazer farofa, fritar peixe. O óleo pode ser extraido com prensa ou se tira o vinho e depois coloca no fogo, e o óleo ‘buia’ como a gente fala”, explica Silvia Basso, pesquisadora de óleos no Acre. Uma das primeiras pessoas a experimentá-lo na alta gastronomia foi Roberto Smeraldi, com sua receita de “Carpacho de Abobrinhas com Óleo de Patauá”. Rico em acido oleico, ele tem alguns dos omegas fundamentais para a alimentação.

(Lais Azevedo/Diário do Pará)

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