Artistas paraenses exaltam pintura como técnica

O artista Armando Queiroz adentrou o antigo bar São Jorge, no bairro da Condor, tradicional reduto da boemia em Belém, e realizou uma ação para relembrar as pinturas populares que estampavam o local. Já em ruínas e com parte da produção artística de ilustres anônimos deteriorada, ele colocou no chão quatro molduras com fundo branco e derramou cores primárias sobre as telas. O ano era 2004 e a atividade, chamada “A Mão do Lugar”, uma espécie de despedida do lugar, na visão de Queiroz. Durante a performance, foram feitas fotografias que serão expostas a partir de hoje na exposição “A Pintura Vai Bem, Obrigado”, que abre às 19h, no Espaço Cultural Casa das Onze Janelas.

“Queria levar de volta cor para aquele lugar. Agora, o que aparece na exposição é o registro desse meu interesse pelo bar, entrecruzado de referências”, diz Queiroz. “E a obra não termina nessa ação. Coletei as cores, coloquei numas garrafas de cachaça e entreguei para o [artista plástico] Jorge Eiró, mas elas caíram da prateleira e molharam todo o chão do ateliê dele. São historinhas que vou coletando e essa obra foi ganhando camadas de envolvimento”, relembra.

As tintas do chão foram parar nas próprias telas de Eiró que, ao ver a ação de Queiroz, se inspirou para fazer “Balneário-Bar São Jorge”, um enorme painel de 20x1,40m representando o que sentiu ao se deparar com os quadros pintados no chão, durante a performance do amigo. “Embora não tenha participado da ação, tomei como fonte e converti na própria pintura, a partir desse bar que era uma herança cultural. Tenho uma relação com São Jorge e, vendo as fotos, aquilo de perspectiva me pareceu uma piscina, por isso resolvi lembrar dos balneários populares por aqui”, comenta Eiró. Compõem a mostra também os artistas Bruna Soares, Crispin, Bruna Oliveira, Diogo Lobo, Eder Oliveira, Emanuel Franco, Geraldo Teixeira, João Cirilo, Maitê Zara, Nina Matos, Pablo Mufarrej, Paulo Andrade, PP Conduru, Rosângela Brito, Ronaldo Moraes Rego, Ruma, Simões, Tadeu Lobato, Tikka Sobral e Zoca. Há ainda uma homenagem póstuma a Acácio Sobral.

Pintura e protesto

O curador da mostra, Armando Sobral, destaca que a iniciativa já é desejada há algum tempo pelos artistas visuais da capital, para que se discuta o lugar da pintura paraense hoje, entre proposições estéticas e caminhos já percorridos. Ele destaca a diversidade de técnicas e que a pintura tem se fortalecido no cenário da arte contemporânea.

O título, escolhido pelo curador, faz alusão à uma frase dita por Oswaldo Goeldi – filho do naturalista Emílio Goeldi, e que já morou em Belém –, quando perguntado sobre o momento desta linguagem no país, que não hesitou e respondeu: “a gravura vai bem, obrigado”. Sobral destaca que a dimensão de sua resposta pode ser comparada com a missão que o grupo encontrou para realizar a coletiva: em meio a um processo de desmonte da estrutura museal de onde a mostra ocorre, a Casa das Onze Janelas.

“É uma ação de um grupo de artistas que atua na cena contemporânea e que se posiciona de forma propositiva diante de seu tempo, para reforçar todo um legado histórico no Pará, ao qual a geração que hoje produz responde. Essa diversidade é um momento importante da nossa produção, e que exige respeito e representatividade. O que tem acontecido é uma tentativa de enfraquecimento de uma cena cultural, da cadeia produtiva e queremos nos afirmar, não de maneira panfletária, mas com nossas próprias obras e poéticas”, avisa.

(Dominik Giusti/Diário do Pará)