Fabrício Carpinejar lança novo livro de crônicas

“Felicidade Incurável”, o mais novo livro do poeta, escritor e jornalista gaúcho Fabrício Carpinejar, lançado pela Bertrand Brasil/Grupo Editorial Record, reúne 115 crônicas de amor, amizade, fé, o cotidiano das relações. São reflexões acerca da própria felicidade e da revisão das suas escolhas, ao longo da vida, que o fizeram chegar ao estado de que, até mesmo na tristeza, encontra-se feliz. Parece um paradoxo, mas ele explica: “É vontade, é disponibilidade, é fé. Por isso felicidade começa com fé, porque é preciso acreditar. É diferente de euforia, é um contentamento para si. Acordo de bom humor, sei lidar com as dificuldades, não fico me martirizando ou nadando na culpa. A felicidade é esse estado afirmativo e não se botar no lugar da vítima”, afirma, em entrevista exclusiva ao Você.

As afirmações, aliás, são suas preferidas para composições textuais, mesmo declarando também que são as dúvidas que o movem. Com 43 títulos publicados, a escrita parece ser o seu gatilho, seu refúgio, e conta enviesado nas palavras e na segurança delas sobre suas questões emocionais, com as mulheres com as quais já foi casado, com os filhos, com os pais, com os amigos. Além disso, ele diz que a nova publicação é uma espécie de radiografia dos relacionamentos contemporâneos: que se começam e se desfazem por aplicativos e que refletem a efemeridade do que se espera do outro.

“Meu cotidiano me inspira, claro. E falo do impacto de uma sociedade que tem mais longevidade, a expectativa de vida aumentou. A gente é capaz de ter três grandes amores na vida, ter três casamentos de 25 anos. E também sobre como é muito fácil começar e terminar um relacionamento, com um clique se resolve isso. Toda aquela cumplicidade e intimidade se vai numa corrente elétrica. E acredito que a gente está de uma certa forma deixando de cultivar a solidão. Se deixa disso, deixa de ter paciência no relacionamento. Quem não tem paciência consigo não terá com o outro. É obvio que só posso falar de amor se sofri muito. Isso cria uma conexão com o leitor”, explica.

UM PALPITEIRO SOBRE O AMOR E O AFETO

Falar de amor sempre fez parte da trajetória de Carpinejar, desde quando escrevia apenas poesias. E para ele, com as crônicas, a sua “voz” agora tem mais amplitude, por se tratar de textos mais elaborados e com mais relatos, que potencializaram o alcance dos seus questionamentos amorosos. Boa parte de sua produção também tem ligação com os relatos que chegam até ele por meio do Consultório Sentimental, um projeto de talk show (e que também é uma fan page e um programa de rádio) que ele comanda, ao lado de Francesca Romana e José Klein, em Porto Alegre, onde ele atua mais como palpiteiro que terapeuta, como prefere definir.

“A gente responde as dúvidas amorosas ao vivo. O que percebo na maioria dos relatos é que muitas vezes a gente quer se enganar, se boicota, acaba amando por dois e fingindo que não vê o óbvio, não admitindo que a outra pessoa não quer a relação ou não ama mais ou não se interessa. Essa incrível capacidade de se anular para não enxergar os indícios da dissolução. A gente quer um relacionamento que a gente permaneça igual solteiro. Mas não há escolha. A sorte da escolha é a renúncia. Só se valoriza se renunciou e o que a gente quer é acumular virtudes da vida de casado com a de solteiro e é impossível”, avalia.

“Felicidade Incurável” é também uma obra que reúne textos sobre o amor não romântico, não idealizado, mas que trata das dificuldades de se manter estabilidade emocional na vida a dois. “Acredito que se tu traz a tua felicidade pro teu relacionamento fica mais fácil, mas se encontra o outro para encontrar a felicidade, é difícil. Como o outro vai ser responsável por algo que tu ainda nem conseguiu? Casamento é a soma de duas felicidades. O amor não é redenção, é uma carta boa, mas não resolve o relacionamento, e precisa de outras cartas, como fidelidade, lealdade, compreensão, paciência”, acredita.

ORELHA

Minha felicidade é incurável, guardo em mim e nos outros, nunca está reunida em um único lugar.
Minha felicidade é incurável. Nem a tristeza levou. Nem a morte dos mais próximos. Nem a perda da pessoa amada.
Minha felicidade contraria diagnósticos e medos, supera fobias e traumas.
Minha felicidade é imbatível. Não se acanha com a gripe ou a enxaqueca. Não se diminui perante o pessimismo dos outros. Possui anticorpos de leveza para se prevenir do contágio da ingratidão. Recusa a chantagem do ressentimento.
Sou feliz por ninharia. Sou feliz por muito pouco - só será pouco para quem não valoriza o simples.
Minha risada é insistente e imprevisível, absolutamente mal-educada: interrompe o choro, o bocejo, o soluço.
A alegria não vem, já estava me esperando: na carona de um som familiar ou de um cheiro da infância, surgindo de uma lembrança ou de uma fantasia. Existe comigo ou apesar de mim, sozinho ou acompanhado. Porque, se tudo der errado, ainda estou vivo e tenho a chance de fazer diferente.
Sou feliz por aquilo que foi e me amadureceu, por aquilo que é e sustenta a minha vontade, por aquilo que será e me mantém curioso.
Sou feliz atento, sou feliz distraído, sou feliz cedo, sou feliz tarde, sou feliz por arrumar a cama ajudado pelas mãos do sol. Feliz como se houvesse uma música que sempre gosto de ouvir tocando em meu sangue. Há em mim esperança mais do que expectativas, contentamento mesmo quando reina o silêncio.
Sou feliz pois o sofrimento cansa e reclamar somente atrai os chatos.
Sou feliz por uma questão de justiça pessoal. Nada adoece a minha felicidade. Não fiquei amargo com o tempo, fiquei apenas mais puro: bebo a vida sem açúcar.”

Fabrício Carpinejar

(Dominik Giusti/Diário do Pará)