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Mestre Zenóbio e o cordão de bicho de Cametá

Quando criança, Mestre Zenóbio, natural de Cametá, no nordeste do Pará, leu um livro que dizia que no futuro as aves não teriam onde pousar. Ele era incentivado pelo pai, Raimundo Inácio Ferreira, ou Mestre Mimico, ao hábito da leitura. E resolveu, então,

Quando criança, Mestre Zenóbio, natural de Cametá, no nordeste do Pará, leu um livro que dizia que no futuro as aves não teriam onde pousar. Ele era incentivado pelo pai, Raimundo Inácio Ferreira, ou Mestre Mimico, ao hábito da leitura. E resolveu, então, tirar a dúvida e perguntar qual o significado da previsão que lera. “Virá o tempo em que as aves procurarão abrigo e não encontrarão”, respondeu o pai. À época, a construção da Hidrelétrica de Tucuruí gerava impactos na vida dos ribeirinhos. Aos 78 anos, e já residente em Belém há 20 anos, o mestre recorda o momento e atribui à esta afirmação o impulso para criar, ainda na adolescência, o Cordão da Bicharada, hoje um símbolo da cultura popular do Estado.

Passadas quatro décadas, o mestre guarda em sua própria casa, no bairro da Cidade Velha, um acervo com fantasias, fotos e registros das atividades realizadas. Hoje, a casa estará aberta para um arraial de São João, a partir das 17h, com a mostra de 20 fantasias, quadrilha e apresentação de boi, para quem desejar conhecer melhor o cordão, em qualquer época do ano.

A iniciativa foi inspirada nos cordões de mascarados, tradicionais durante o período do carnaval, no interior, em que Zenóbio atuava como músico, ao lado do pai. Ele tocava saxofone nas apresentações em vilarejos próximos à Vila de Juaba, onde nasceu e viveu. Conhecedor de teatro, também por influência do pai – que era um ávido leitor e conhecia da arte à medicina –, ele pensou que poderia adaptar as canções carnavalescas para uma mensagem sobre a natureza, de forma cômica. A ideia se concretizou e o grupo que reúne pessoas fantasiadas de animais saiu de barco pelas águas do rio Rio Tocantins pela primeira vez em 1975, como Rancho Carnavalesco. Mestre Mimico foi quem compôs as primeiras letras.

Mas a reação das pessoas não foi o que o mestre pensou. “Elas ficaram com medo, saíam correndo, se jogavam da beira do jirau na água. Vi o quanto estavam distantes da natureza. Não entenderam quando viram macaco, leão, onça, jacaré. Algumas diziam: ‘Se acontecer algo comigo e com meu filho, vou prender toda essa bicharada’”, recorda o mestre, hoje rindo da situação.

Mistério e discurso ambientalista

Zenóbio continuou acreditando que dessa forma poderia passar a sua mensagem. Ao lado de amigos, era numa cada afastada, geralmente à noite, que eles pesquisavam materiais da própria região e confeccionavam as fantasias de forma artesanal. O tecido era serrapilheira, uma espécie de lona e fio de malva. A tinta era feita com casca de árvores e do que mais pudesse se extrair coloração. As máscaras eram modeladas com barro e depois papel machê, para o formato da cabeça de cada animal. Mestre Zenóbio também pensou numa estratégia e não permitiu que os integrantes se identificassem.

“Tinha esse regulamento. Ficava só um buraco mesmo, para ver e respirar. E cada pessoa tinha que imitar o bicho, rastejar como jacaré. A gente passava pela região ribeirinha, nunca foi de avenida. Quando terminava, ia todo mundo para dentro do barco, empurrava para o motor pegar e só quando ficava distante é que a gente tirava a máscara. As pessoas tinham curiosidade de saber se era bicho mesmo. Eu tinha medo de alguém denunciar, mas não pensei em parar. Pensava na nossa missão de aproximar as pessoas da floresta”, revela.

Hoje, ele lamenta que a frase profética do pai tenha se tornado realidade, ao ver o desmatamento, a poluição dos rios e a indiferença dos homens ao ambiente. “A gente se envolvia com a natureza, era algo forte. Passávamos num beiradão, víamos as aves pousadas e ninguém ia mexer. Hoje, se as pessoas não atiram nas aves, gritam só para assustar o animal. Monto esse quebra-cabeça e vejo que valeu a pena. Se pelo menos 1% serviu para conscientizar, fico feliz”, diz.

O grupo reúne hoje quantas pessoas quiserem participar, mas já chegou a 120 brincantes. Mesmo sem apoio formal do poder público, o mestre mantém o cordão e diz que “não pode arranjar justificativa”, para deixar de manter a cultura popular – que é tema de diversos pesquisadores, como a professora Viviane Menna Barreto, do curso de Comunicação da Estácio FAP, que ajudou a realizar o arraial da Bicharada.

(Dominik Giusti)

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