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GERSON NOGUEIRA

A vítima é o futebol

Calou fundo nas almas mais sensíveis a carta-desabafo de Cristina, irmã de Sérgio Serra, que renunciou ao cargo de presidente do Papão, ontem. O texto assinado por ela é uma radiografia eloquente do futebol paraense, um testamento valioso sobre o atual es

Calou fundo nas almas mais sensíveis a carta-desabafo de Cristina, irmã de Sérgio Serra, que renunciou ao cargo de presidente do Papão, ontem. O texto assinado por ela é uma radiografia eloquente do futebol paraense, um testamento valioso sobre o atual estado de coisas.

Poucas palavras foram tão duras e verdadeiras sobre a indignidade humana que domina aquele que já foi motivo de congraçamento e alegria entre multidões, que era inclusivo, festivo, que aproximava ao invés de desunir.

A paixão extremada está sempre a um passo da insensatez. Cada período da mensagem de Cristina expõe essa realidade. O Pará, dividido ao meio por duas bandeiras, tornou-se um imenso ringue que mescla rivalidade e ódio.

Os sinais de que o monstro estava por vir começaram há umas quatro décadas, com os primeiros choques entre facções ditas organizadas. Era a alvorada do caos. Numa dessas ocasiões, minutos antes de um Re-Pa, um atleta do Remo foi esfaqueado ao atravessar a avenida Almirante Barroso.

Nos anos seguintes, assaltos e arrastões se tornariam uma triste rotina nos estádios de Belém. O avanço da violência no futebol feriu mortalmente uma das maiores riquezas do Pará: a alegria contagiante de seu povo, exposta no amor que dedicava aos dois titãs dos gramados.

Aos poucos, embora muitos insistam em não ver o importante papel dos criminosos nisso, as torcidas foram minguando nas arquibancadas e as rendas diminuindo. Nos três últimos anos, o Mangueirão – mesmo com capacidade de público reduzida – nunca mais se viu abarrotado de gente como no passado. Talvez nunca mais receba as mesmas plateias.

As torcidas de verdade foram escorraçadas pelos salteadores que se disfarçam de fãs de futebol, os mesmos que atacaram Serra. Há tempos, eu insisto: eles não gostam de futebol. Pelo contrário, eles querem o fim do futebol como paixão legítima. O futebol, para os criminosos, é mero pretexto para roubos e saques.

O que aconteceu com Serra no domingo à noite, conforme o relato de sua irmã, é próprio de uma cidade sitiada pelos marginais e incapaz de reagir a ataques contra famílias nas praças. Como presidente do Papão e cidadão, Serra teve sua intimidade violentamente agredida. Ao lado da esposa e do filho, viu seu amor pelo futebol ser subjugado pela força da arma.

Foi ameaçado, com todas as letras, como se a campanha do time na Série B fosse caso de vida e morte. Como se o time nunca tivesse sido rebaixado ou sofrido derrotas. Essa noção bárbara sobre o verdadeiro sentido do futebol foi incutida na cabeça de alguns selvagens, que passaram a entender que o esporte vale mais que a vida e o respeito às pessoas.

Lembrei de um documentário sobre os cartéis das drogas na Colômbia, que entre suas muitas vítimas fez tombar um defensor da seleção nacional de futebol do país, por ter perdido um penal em Copa do Mundo. Não é muito diferente do que já vivenciamos no futebol paraense. Os bandidos impõem a sua vontade como os mafiosos colombianos faziam.

As redes sociais – sim, não podemos ignorá-las – amplificaram a audácia e a virulência verbal dos baderneiros. Perde-se um pouco a ideia de respeito a cada frase doentia contra jogadores, técnicos, dirigentes, jornalistas.

Recentemente, um grupo de “organizados” invadiu um treino no Remo, para agredir jogadores e técnico com xingamentos e cusparadas. Houve quem aplaudisse a iniciativa. Este escriba repudiou, como repudia há anos e repudiará sempre. São ações desse porte que estimulam o insano gesto de que Serra foi vítima.

Com a renúncia dele, o Papão ganhará outros rumos, mas o futebol fica ainda mais fraco e vulnerável. O gesto de desistência, humano e compreensível, é um grito de lamento pelo que perdemos ao longo dos anos e pelo muito que ainda haveremos de lamentar. Pela coragem de escolher a causa dos sãos, Serra merece respeito.

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